O médico veterinário e mestre em produção animal, Fernando Furtado Velloso, discorre neste artigo sobre as tendências em genética e o mercado de touros no Brasil
Por Fernando Furtado Velloso* – Os avanços e tendências em genética de bovinos nos mostram quanta tecnologia está sendo incorporada num touro. O comércio de reprodutores nos sinaliza um desencontro entre esse produto moderno e de uma grande parcela do que vai cobrir vacas no campo.
Em recente notícia sobre tendências em genética na Austrália, na página Beef Central, li os termos: sustentabilidade, neutralidade de carbono, eficiência alimentar, reprodução de precisão, sistemas de acasalamentos dirigidos (PADs), progresso genético por TE e FIV e inteligência artificial na seleção de animais (IA).
O texto fala do que começou a chamar atenção lá em 2024 e que parece ser tendência no curto prazo na seleção dos touros. Não concordo e nem discordo. Ouço a palavra “carbono” e já me arrepio, mas acredito que a inteligência artificial vai nos atropelar sim. E para o bem. Vai empurrar o nosso carro pra frente.
Do outro lado do ringue da luta tecnologia em touros, vestindo roupão meio encardido e puído, está uma boa parte dos touros que vão pras fazendas. Ou pior, de bovinos machos que ficaram inteiros e são vendidos como reprodutores, com zero do pacote tecnológico disponível. Ilustres desconhecidos, pois muito pouco ou nada sabemos sobre a genética deles.
No Brasil, entre a demanda teórica de touros e o número de “touros registrados” produzidos temos uma distância imensa. Em números redondos: precisamos de reposição de 300 mil touros anualmente e ofertamos algo perto de 160 mil com registro genealógico, participantes de algum programa de melhoramento, etc. Ou seja, produto que sabemos um pouco sobre a sua genética.
A reflexão que trago não é nova. Na pecuária temos gestão com sistemas modernos, bastões leitores de brincos, balanças eletrônicas, quadriciclos, e logo, pesagem por imagem e outras coisinhas 3D. No outro lado do ringue, anotações em cadernetas, livro caixa à mão, pilhas de notinhas fiscais, ou até a falta destes controles. Não é diferente na reprodução e genética. Estamos fazendo pregação de DEP, CEIP, eficiência alimentar, ultrassom de carcaça e outros números para convertidos. O nosso potencial cliente nem frequenta a igreja.
Um produtor que auxilio na compra de touros aqui no Sul me comentou: “Velloso, eu agora compreendi a IATF. É muito mais que emprenhar as vacas. É uma revolução no sistema produtivo. Tem a ver com intervalo entre partos, concentração de parição, idade do bezerro, peso ao desmame. É uma técnica pra aumentar a produção e faturamento da fazenda”.
Ele é um homem inteligente (acima da média) e estava entusiasmado com a sua descoberta. Pois já fazia IATF, mas pensava a técnica de forma mais restrita. Para a venda de touros temos que dar uma parada e pensar também de forma mais ampla. Brigamos pelo cliente que está dentro e pouco agimos no universo de clientes que estão fora. Tarefa para as associações de raça, programas de melhoramento, leiloeiras, corretores de gado e talvez mais gente que goste de comércio.
A revolução da IATF no Brasil foi feita por soldados que gostam de comércio e negócios. Não foi por colegas focados em metrites, cistos, infusões uterinas e outros temas da clínica médica.
No Rio Grande do Sul, são vendidos cerca de 10 mil touros anualmente. A demanda teórica de reposição é de 20 a 25 mil touros. Logo, o fora é bem maior que o dentro. A fonte sou eu mesmo. A estimativa é bem simples e deve estar subestimada, considerando o número de matrizes acima de 24 meses, uso de 4% de touros e renovação de 15% dos touros anualmente. Descontam-se as 30% de vacas inseminadas, noves fora, e chegamos em mais de 20 mil touros necessários. O dobro do que vendemos.
Ouço muitos produtores de touros queixosos com entrantes no negócio, novos criadores e novos leilões. Bastante gente apertada no limite de carga do elevador, buscando espaço abrindo cotovelos. Mas, no mesmo prédio alguns elevadores vazios. Não há tanta gente vendendo touros ou touros demais sendo ofertados. O mercado não está saturado como repete-se tanto. Temos pouca gente comprando touros. O desafio de quem trabalha com reprodutores (e faço parte) é pensar e agir para entrar no elevador que está vazio, parado e quietinho.
Se a IATF pode acelerar uma fazenda, a falta de bons touros no campo desacelera a nossa pecuária. Temos um carro pra rodar bem econômico a 100 por hora. Estamos com giro alto a 60, e em terceira marcha. Debreia e vamos trocar de marcha!
Fernando Furtado Velloso é diretor comercial da Crio – Central de Genética Bovina, médico veterinário e mestre em produção animal
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias
Não é permitida a cópia integral do conteúdo acima. A reprodução parcial é autorizada apenas na forma de citação e com link para o conteúdo na íntegra. Plágio é crime de acordo com a Lei 9610/98.