Endividamento no agro: Recuperação judicial é mesmo a melhor alternativa?

Os pedidos de recuperação judicial apresentados por produtores rurais aumentaram de forma alarmante nos últimos meses, levantando preocupações para o ano de 2024.

Por Dra. Olímpia Souza de Paula* – O assunto do momento é a disparada dos pedidos de Recuperação Judicial no setor do agronegócio e, por isso, vale trazer alguns apontamentos jurídicos, sem qualquer intenção de esgotar o tema, mas de causar certa reflexão aos produtores rurais e instigar o debate. Segundo dados do Serasa Experience, de janeiro a setembro de 2023, foram registrados 80 pedidos de recuperação judicial no Brasil. Este número representa um aumento expressivo de 300% em comparação ao total registrado ao longo de todo o ano de 2022.

No último dia 19 de março, Dalton Cordeiro de Miranda, representante da ABIOVE, afirmou durante o Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio do IBDA, em São Paulo/SP, que a Recuperação Judicial no agro vai tornar o crédito caro e gerar instabilidade no mercado.

No mesmo evento, o advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio – IBDA, Renato Buranello, ressaltou que as tradings e instituições financeiras estão “abertas” a renegociações e afirmou que o “remédio da Recuperação Judicial é amargo, caro, longo, complexo e de resultado incerto”.

Em contrapartida, tem circulado nas redes sociais diversos “materiais” de escritórios de advocacia que generalizam e colocam a RJ como única e melhor alternativa para o endividamento do produtor rural – aí está o perigo.

Sem dúvidas, a Recuperação Judicial para o produtor rural “pessoa física” foi uma grande vitória para o setor, mas ainda é uma ferramenta muito complexa e que deve ser usada com cautela.

Afinal, se uma RJ não for para frente, certamente haverá falência, que significa o fim daquele negócio e a venda de todo o patrimônio que, na maioria das vezes, é familiar, com grande valor sentimental e vem de muitas gerações. Logo, a consequência pode ser catastrófica.

Ocorre que os produtores rurais, como costuma-se dizer, possuem sua empresa “a céu aberto” e, além de uma série de riscos e desafios suportados por todos os empresários brasileiros, como o problemático arcabouço tributário, questões trabalhistas, queda no preço das commodities, mudanças nas políticas governamentais e aumento dos custos de produção, ainda sofre com as intempéries climáticas.

Muito tem se falado que os eventos climáticos não são “imprevisíveis” para os produtores rurais e que se trata se um risco corriqueiro do negócio. Aqueles que sustentam essa tese, dizem que fatores climáticos não podem ser usados como justificativa para o descumprimento de contratos.

No entanto, há farta legislação tratando sobre esse tema quando o recurso emprestado é o chamado “crédito rural”, que é uma linha de crédito especial voltada ao fomento da agropecuária, cujo financiamento deve seguir regras próprias de contratação, aplicação e condução. É possível afirmar que o objetivo do crédito rural é fortalecer o financiado e não o financiador, que deve observar as disposições legais e já tem ciência prévia disso. Ou seja, já sabe que vai ter que “rolar” a dívida se o produtor rural comprovar que teve perda de receita ocasionada por fator climático.

Conforme determina o artigo 1º da Lei 4829/65, que institucionaliza o crédito rural, tal recurso deve ser distribuído e aplicado considerando o bem-estar do povo, vez que é uma modalidade de financiamento de relevantíssimo interesse social, merecedor de proteção extrema para cumprir tão elevada vocação.

Não há dúvidas que a agropecuária é uma das atividades mais importantes para o país e deve ser fortalecida.

Conforme o professor Lutero de Paiva Pereira, autor de várias obras sobre direito do agronegócio, “com uma boa estrutura de produção de alimentos, o desenvolvimento se solidifica, a ordem pública é garantida e o Estado se fortalece para ter voz em suas relações internacionais – o alimento é necessidade primária do ser humano”. Por isso, o Brasil enquanto celeiro do mundo, deve fomentar cada vez mais a produção de alimentos, garantindo, assim, a subsistência não só do seu povo, mas de muitos outros.

Daí porque, é muito importante o crédito rural subsidiado e as condições especiais dessa Lei, que permite o alongamento da dívida, com a repactuação do cronograma de pagamento, caso o produtor rural perca sua produção ou sua receita.

No entanto, em se tratando de crédito privado, que envolve tradings, revendas, etc, não dá para negar que a cadeia do agronegócio pode ser fortemente impactada com a quebra de contratos, ocasionando instabilidade e dificuldade de acesso a esse crédito “não subsidiado” que cresce cada dia mais e tem um papel relevantíssimo.

Afinal, já faz tempo, que o crédito rural subsidiado não tem sido suficiente para atender as demandas do setor, mas continua sendo essencial, especialmente, para pequenos e médios produtores.

Enfim, as prorrogações e renegociações de longo prazo, podem funcionar tão bem quanto uma recuperação judicial e são medidas mais baratas e menos arriscadas para os produtores rurais.

De todo modo, por óbvio, RJ não é como uma “receita de bolo” e deve ser criteriosamente avaliada pelas partes interessadas, pois as implicações podem ser desastrosas caso o plano apresentado não seja aprovado ou seja descumprido. Além do que, não são todas as dívidas que podem ser inseridas, a exemplo da CPR física e daquelas com garantia de alienação fiduciária.

Portanto, quando os compromissos financeiros se tornarem insustentáveis e as renegociações restarem infrutíferas, a recuperação judicial emerge como uma ferramenta que pode ser crucial para permitir que os produtores reestruturem suas dívidas e voltem à atividade produtiva, mas isso deve ser muito bem avaliado a partir de uma assessoria jurídica e financeira de confiança, que vai analisar minuciosamente o caso concreto.

Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias

Não é permitida a cópia integral do conteúdo acima. A reprodução parcial é autorizada apenas na forma de citação e com link para o conteúdo na íntegra. Plágio é crime de acordo com a Lei 9610/98.

Siga o Compre Rural no Google News e acompanhe nossos destaques.
LEIA TAMBÉM