Empresas do agro devem substituir crédito oficial por CPR e CRAS

Empresas do agronegócio e produtores de grande porte migrem de dívidas contratadas com bancos públicos para títulos como CPR e CRA, de curto e longo prazos.

O corte de 0,75 ponto porcentual na taxa básica de juros (Selic) pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (Copom) na última quarta-feira, para 2,25% ao ano, deve permitir que empresas do agronegócio e produtores de grande porte migrem de dívidas contratadas com bancos públicos para títulos como CPR (Cédula de Produto Rural) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), de curto e longo prazos. Além de contarem com taxas mais baixas, os papéis são mais flexíveis no que se refere a prazos e regras.

A maior demanda pelos recursos deve ser suprida porque, com a taxa de juro real próxima de zero, investidores tendem a buscar aplicações de maior risco e que remunerem melhor, como os títulos do agro. Os CRAs são isentos de imposto. “Vamos observar um aumento da procura das empresas do agro por títulos do agronegócio, como CPR e CRA”, disse ao Broadcast Agro o diretor de Agronegócio do Itaú BBA, Pedro Fernandes.

A Selic a 2,25% ao ano se aproximou da inflação no País – o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 1,88% em 12 meses até maio e a perspectiva, segundo o Boletim Focus, é de que termine 2020 em 1,60%. Uma parte do mercado financeiro trabalha com a possibilidade de novas reduções da Selic, para 2% ou 1,75%.

No que se refere a dívidas já contratadas com taxas de juros mais altas, Fernandes diz que haverá uma tentativa de substituir linhas de investimentos do BNDES, de ACC (Adiantamento sobre Contrato de Câmbio) e ACE (Adiantamento sobre Cambiais Entregues) – as duas últimas, adiantamentos dos pagamentos a receber por exportadores – por crédito vinculado a CPRs e CRAs. Algumas linhas do BNDES, como o Finame, usada para investimentos em geral, permitem que a dívida seja quitada antes do vencimento, com desconto em relação ao que seria o valor final do financiamento.

Em alguns casos, empresas poderão tomar recursos no mercado com taxas inferiores para quitar dívidas que se estenderão por mais dois ou três anos. Outra possibilidade será trocar dívidas por outras com taxas mais baixas. “O setor de açúcar e álcool já vem adotando a prática de melhoria do perfil de liquidez, alongando as operações que venceriam nos dois anos seguintes”, diz Fernandes.

O diretor de Relações com Investidores da empresa de desenvolvimento de terras BrasilAgro, Gustavo Javier Lopez, calcula que o custo médio da dívida da companhia, de 5,9% ao ano em 31 de março, pode cair entre 0,6 e 0,7 ponto porcentual com a redução da Selic. Da dívida atual, de R$ 443,3 milhões, ao menos 60% podem se beneficiar da queda da taxa básica. Uma parte, em torno de 20% do total, se refere a dívidas com taxas pré-fixadas de 7% a 8% ao ano, contratadas anos atrás para desenvolvimento de áreas agrícolas, e que ainda demorariam três anos para serem quitadas. “Podemos tentar captar recurso com juro de 4% e pagar dívidas que têm custo mais alto”, afirma Lopez.

Essa é uma estratégia da empresa. “Trocar por uma linha por outra de mesma duração e taxa menor é prioridade, mas não necessariamente encontraremos crédito com os prazos desejados no mercado. Se não encontrarmos, poderemos pensar em emitir um CRA (com taxa mais baixa de juro) para fazer o pré-pagamento (quitar) da dívida (com desconto)”, diz o presidente da BrasilAgro, André Guillaumon.

Outros 40% das dívidas da BrasilAgro não precisarão ser substituídas, porque automaticamente terão custo reduzido por estarem indexadas ao CDI. Neste bolo está um CRA emitido há cerca de dois anos, que tem parte do seu custo em 106% e outra parte, em 110% do CDI. Com a queda do certificado de depósito interbancário acompanhando o recuo da Selic, o juro de parte da dívida, de 3,9% ao ano, deve cair para cerca de 2,5% ao ano, segundo Lopez. Ele diz que ainda precisará avaliar a possibilidade de reestruturar outros 40% da dívida da empresa atreladas à TJLP. “São financiamentos de mais longo prazo, para investimentos e plantio de cana-de-açúcar. Estamos estudando mas não sabemos ainda se há viabilidade de reestruturar essas dívidas”, diz.

A migração para títulos do mercado de capitais também deve ocorrer na contratação de dívida nova. Grandes produtores que costumavam recorrer a linhas de custeio para adquirir insumos agrícolas para a safra, com juros equalizados pelo governo, já vinham optando por empréstimos com juros de mercado, de acordo com o diretor do Itaú BBA. A partir de agora, essa tendência deve se acentuar, afirma. Se na temporada 2020/21 esses empresários encontrarão crédito oficial com juros de 6% ao ano, também poderão tomar recursos com CPR pagando 4% a 5% ao ano, segundo Fernandes. “Veremos pela primeira vez linhas de custeio com taxas de juro de mercado inferiores à taxa teto estabelecida no Plano Safra (de 6% ao ano)”, afirmou Fernandes.

No caso de linhas de longo prazo, a troca também se mostra vantajosa. Enquanto a linha Finame direto, do BNDES, tem taxa de juro anual de cerca de 5%, o custo para captar recurso com CRA pode ser 1% inferior ou até mais, conforme o diretor do Itaú BBA. Linhas em reais com taxa pré-fixada também tendem a ser mais procuradas, já que estão atreladas ao juro futuro, que “nunca esteve tão baixo”.

“Com a redução do custo, haverá muitas oportunidades para aumentar a adoção de tecnologias em nossas propriedades, ampliar nosso portfólio de fazendas e também reestruturar dívidas”, diz Lopez. Guillaumon, da BrasilAgro, afirma que a manutenção das taxas em patamares baixos dependerá em grande medida da pandemia. “Se vier uma segunda onda, tudo o que estamos dizendo aqui muda”, diz ele. Neste caso, o mercado passaria por um novo movimento de aversão a risco, com alta de spreads e de taxas de juros, e empresas voltariam a privilegiar a tomada de mais recursos para reforçar caixa e garantir liquidez.

Sem esse fator, a oferta de recursos mais baratos tende a aumentar para suprir o apetite de investidores. “Vão surgir no mercado muitos outros instrumentos para atender o bolso do investidor de renda fixa. Serão taxas bem melhores do que eram os CDI de 5% a 6% ao ano”, diz Guillaumon. Para ele, aproveitarão melhor as oportunidades as companhias de capital aberto. “Empresas como a nossa, listadas no Novo Mercado, sairão na frente por seguirem regras de mercado e terem boa governança. Não é a foto de todo o agronegócio”, diz o presidente da BrasilAgro.

Fonte: Estadão Conteúdo

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