O projeto é um marco em termos de investimentos, pessoas envolvidas e abrangência para a área de aquicultura.
Desde que a Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR) oficializou as estatísticas de produção de peixe de cultivo no Brasil, em 2014, o crescimento chegou a 48,6%. No ano passado, a produção brasileira chegou a 860.355 toneladas, contra 578.800 toneladas em 2014.
A evolução tem acontecido em paralelo com o processo de consolidação da Embrapa Pesca e Aquicultura, centro de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), criado em agosto de 2009 e sediado em Palmas (TO), com o objetivo de transformar em realidade o conhecido potencial brasileiro para a produção de pescado, sobretudo por meio da aquicultura.
Os esforços para isso são anteriores a 2009, segundo Altemir Gregolin, médico veterinário que foi ministro da Pesca e da Aquicultura no período em que o centro foi instalado. Ele cita um plano estratégico para desenvolver as duas cadeias produtivas, criado em 2007 e que foi pensado para até 2011. A iniciativa tinha quatro pilares, e um deles era a pesquisa e a assistência técnica.
O conceito, segundo o ex-ministro, “era de que a Embrapa pudesse elaborar e coordenar uma política nacional de pesquisa para a área da aquicultura e pesca, especialmente a aquicultura”. Como já havia ocorrido com outras cadeias produtivas, a empresa seria a responsável pelo trabalho com outras instituições que também fazem pesquisa em aquicultura.
Gregolin explica que a ideia era definir espécies prioritárias e formar um consórcio com universidades e institutos de pesquisa em torno de um plano nacional para otimizar esses esforços, de forma a potencializar e gerar resultados mais rapidamente.
A aliança ainda não foi implementada, mas está em curso desde 2018 o maior projeto da Embrapa em aquicultura, o BRS Aqua, com a participação de centenas de empregados de mais de 20 unidades e coordenação do centro de pesquisa de Palmas, além de mais de 60 parceiros, públicos e privados.
O projeto é um marco em termos de investimentos, pessoas envolvidas e abrangência para a área de aquicultura. O principal agente financiador é o Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Funtec/BNDES). Para potencializar os resultados, o BRS Aqua concentra suas ações de pesquisa e transferência de tecnologia em quatro espécies: tilápia, tambaqui, camarão marinho e garoupa.
Cinco anos depois, o projeto já gerou importantes resultados, como o Tambaplus, primeiro teste genômico que determina parâmetros para diferenciar geneticamente peixes híbridos de puros; o Centro de Inteligência e Mercado em Aquicultura (CIAqui), espaço digital que reúne análises de cenários, tendências e dados consolidados sobre produção e comercialização de pescado; o Sistema de Inteligência Territorial Estratégica (SITE) para a Aquicultura, que combina software, hardware e brainware para subsidiar análises baseadas em centenas de dados qualificados do setor; e a sonda Acqua Probe, capaz de aferir em tempo real e de forma remota 12 parâmetros relacionados ao cultivo de organismos aquáticos, como peixes e crustáceos.
Além disso, o centro de pesquisa lançou no ano passado uma tecnologia de sexagem precoce inédita para peixes nativos do Brasil. Os produtores de alevinos de pirarucu e tambaqui contam agora com um serviço de teste genético para a identificação do sexo desses peixes, permitindo um manejo eficaz tanto na formação de plantel de reprodutores, como na formação precoce de famílias para programas de melhoramento genético.
Atuação hoje
O trabalho de foco em algumas espécies, dentre as inúmeras existentes no Brasil, foi feito. Tambaqui, tilápia, pirarucu, camarão e garoupa estão em diferentes patamares tecnológicos e são pesquisados nos projetos da Embrapa Pesca e Aquicultura, buscando incrementar os respectivos pacotes tecnológicos.
De acordo com a chefe-adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento, Lícia Lundstedt, a equipe de pesquisadores e analistas atua de forma multidisciplinar nas diversas temáticas da aquicultura: germoplasma, genética, nutrição, sanidade, manejo produtivo e sistemas de produção, tecnologia do pescado, economia e transferência de tecnologia. Essa organização tem gerado soluções para os principais desafios tecnológicos da aquicultura nacional, incluindo técnicas que estão na fronteira do conhecimento, como a edição genômica de peixes.
Pesca e sistemas agrícolas
A atuação do centro tem foco na aquicultura, mas a unidade também desenvolve trabalhos com pesca. A estatística é o principal desafio da atividade no Brasil. “Considerando que sem informação não há gestão, a Embrapa tem trabalhado com foco na pesca artesanal, contribuindo com metodologias de cunho participativo, com enfoque ecossistêmico e multidisciplinar, para levantar dados e subsidiar políticas públicas, de forma a valorizar o conhecimento tradicional”, explica Lícia.
Devido à localização da unidade, a Embrapa Pesca e Aquicultura trabalha ainda com sistemas agrícolas para os cerrados do Centro-Norte do país, sobretudo na fronteira agrícola do Matopiba (área que engloba partes do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia).
Segundo Danielle de Bem Luiz, chefe-geral do centro, o grande desafio é promover tecnologias de intensificação de produção de base sustentável aplicadas às especificidades da região, viabilizando a produção agrícola de baixa emissão de carbono e a conservação do solo, da água e da biodiversidade.
“A intensificação está alinhada às tendências e aos sinais do mercado, tais como crescimento mundial da população e consequente maior demanda por alimentos, mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global, escassez de recursos naturais e o peso da dimensão ambiental exigida pelo mercado consumidor”, afirma a gestora.
Resultados e presente
Segundo Gregolin, hoje presidente do Congresso Internacional da Cadeia do Pescado (IFC Brasil), o centro de pesquisa apresenta resultados importantes e inúmeros trabalhos desenvolvidos, tanto na área técnico-científica quanto na economia (como os trabalhos com dados de importação e exportação).
Ao mesmo tempo em que reconhece as contribuições para a aquicultura nacional, o ex-ministro reforça a necessidade de avanços. “Os diversos resultados nos mostram que valeu a pena ter criado a Embrapa Pesca e Aquicultura, mas é preciso muito mais recursos para que ela possa desenvolver seu papel de forma mais acelerada”.
Essa visão é compartilhada pela chefe-adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento, que sugere a criação de fundos setoriais estruturados para financiar projetos de demanda induzida: “a ampliação de investimentos em pesquisa certamente fortaleceria nossa área de atuação e traria agilidade no retorno com subsídios técnico-científicos para o setor”.
Se continuam existindo grandes desafios para o desenvolvimento da aquicultura nacional, a Embrapa Pesca e Aquicultura permanece propondo alternativas para ajudar a resolvê-los. Lícia relata que, “permeando os desafios tecnológicos, a Unidade tem buscado ampliação do relacionamento com os diferentes atores dos diversos setores agropecuários relacionados à nossa atuação por meio da celebração de parcerias público-público e público-privadas. A inovação aberta tem otimizado a transferência de tecnologia e possibilitado que nossos resultados de pesquisa cheguem mais rapidamente ao público-alvo”.
E a inovação só terá sentido se acompanhada pela sustentabilidade. Na visão da chefe-geral Danielle de Bem Luiz, “há grandes desafios para a aquicultura nacional, em especial para promoção de inovações que proporcionem nível de maturidade tecnológica equiparado a outras cadeias de proteína animal, como suínos e aves. As inovações devem estar alinhadas aos três pilares da sustentabilidade: social com tecnologias inclusivas; ambiental com tecnologias não apenas produtivas, mas regenerativas do ambiente; e econômico, permitindo não apenas abastecer o mercado interno mas também o internacional”.
Futuro
A Embrapa Pesca e Aquicultura é fruto do esforço, do comprometimento e da abnegação de muitas pessoas. Empregados que saíram de seus estados de origem e deixaram suas famílias para, no Tocantins, construírem uma instituição que já é referência em suas áreas de atuação.
O zootecnista Carlos Magno Campos da Rocha foi um deles. Antes de chegar a Palmas, foi chefe-geral da Embrapa Cerrados e ocupou a presidência da empresa. Entre 2010 e 2017, liderou o período de afirmação da nova unidade, conduziu a construção da sede própria (inaugurada em 2016) e coordenou a formação da equipe.
Carlos Magno foi, até o momento, o chefe-geral que mais tempo esteve à frente da Embrapa Pesca e Aquicultura. Colaborou de maneira decisiva para a Unidade se projetar para o futuro, buscando avanços nas áreas em que atua e, ao mesmo tempo, reconhecendo no próprio passado um dos fatores de seu sucesso.
Em tempos de comemorar 50 anos da Embrapa, é época também de buscar um futuro de realizações para a Embrapa Pesca e Aquicultura, sobre a qual recai a responsabilidade de desenvolver soluções para cadeias produtivas promissoras e ainda em consolidação.
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