Embrapa busca novos rumos após período de glória

Nos últimos anos, a Embrapa parece ter perdido sua relevância no cenário agropecuário nacional, em parte devido ao seu próprio sucesso

Reajustar o curso de uma instituição pública (Embrapa) que já experimentou períodos gloriosos e conquistas internacionalmente reconhecidas, mas que enfrenta um clima generalizado de descontentamento, frustração e desânimo entre seus 8 mil funcionários, é um desafio crucial.

Isso se manifesta em declarações como “eu apenas cumpro meu horário e pronto”, “estou contando os dias até a aposentadoria”, “o salário é o único motivo para não me aposentar”, “não vislumbro um futuro aqui” e “o tempo em que trabalhar aqui era motivo de orgulho ficou para trás”.

Essas expressões não são fictícias; estão documentadas no relatório de um comitê independente convocado pelo Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, com o objetivo de analisar a situação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que celebrou seus 50 anos em 2023. Esta é a mesma Embrapa que desempenhou um papel fundamental na história da agricultura brasileira e global, ao introduzir e adaptar tecnologias que desencadearam a revolução verde tropical nos anos 1970, transformando o Cerrado e tornando o Brasil autossuficiente em alimentos, capaz de alimentar quase um bilhão de pessoas.

No entanto, nos últimos anos, a Embrapa parece ter perdido sua relevância no cenário agropecuário nacional, em parte devido ao seu próprio sucesso. Sua contribuição na formação de atores privados levou ao desenvolvimento de novas tecnologias e à formação de concorrentes eficientes.

No governo anterior, liderado por Jair Bolsonaro (PL), foi proposto o projeto Transforma Embrapa, que visava a redução de cargos e despesas, além de uma maior aproximação com o setor privado, permitindo inclusive a participação em parcerias. No entanto, o projeto enfrentou forte oposição, conforme relatos obtidos pela Gazeta do Povo, devido ao seu caráter decisivo e à imposição de cima para baixo. O discurso sindicalista ganhou força, argumentando que a empresa estava sendo alvo de uma “tentativa de desmonte” durante esse período de transição de governo.

Alerta de crise veio à tona há seis anos

No ano de 2018, quando atingiu a marca dos 45 anos, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) já enfrentava uma crise que se tornou evidente com a publicação do artigo “Por favor, Embrapa: acorde!” pelo pesquisador Zander Navarro. O referido artigo questionava a fragmentação das pesquisas, o tamanho excessivo da estatal e a ausência de uma estratégia clara para agregar valor à sociedade. Na ocasião, Navarro foi demitido abruptamente pelo presidente da empresa, mas foi posteriormente reintegrado por decisão judicial.

Atualmente, o Ministério da Agricultura tomou a iniciativa de encomendar um novo diagnóstico que confirmou a existência de uma crise na Embrapa. O relatório elaborado pelo Grupo de Estudos Avançados de Aprimoramento do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA) destaca que, embora a empresa tenha alcançado sucesso na entrega de resultados, acumulou distorções que a impedem de se adaptar ao novo cenário na agricultura brasileira e global. Nesse contexto de rápida evolução tecnológica e crescente competitividade, a Embrapa enfrenta dificuldades e, segundo o relatório, é crucial reconhecer e enfrentar essa crise para superá-la.

Foto; Divulgação

O documento, assinado por figuras proeminentes como o ex-presidente da empresa, Silvio Crestana, os ex-ministros da Agricultura Roberto Rodrigues e Luís Carlos Guedes Pinto, a diretora do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ana Celia Castro, e o ex-presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), Pedro Camargo Neto, foi elaborado ao longo de seis meses e entregue ao ministro da Agricultura no final do ano passado.

Nova injeção de recursos para investimento

Quase simultaneamente à condução do estudo, o governo federal anunciou a inclusão da Embrapa no Novo PAC do governo Lula 3, com um investimento recorde de quase R$ 1 bilhão ao longo de quatro anos, destinado não apenas ao custeio, mas também a despesas não obrigatórias. Contudo, fontes internas da Embrapa, que compartilharam suas opiniões anonimamente com a Gazeta do Povo devido ao receio de represálias, argumentam que simplesmente injetar dinheiro não será suficiente para recolocar a empresa em uma posição relevante na agropecuária nacional.

Segundo essas fontes, a Embrapa foi envolvida por uma burocracia excessiva, destacando sua sede volumosa que aumentará ainda mais com a previsão de alocação de vagas no próximo concurso. Críticas são direcionadas às quatro diretorias e diversas secretarias que poderiam ser racionalizadas. No entanto, alega-se que, uma vez que um funcionário é transferido para Brasília, relutam em retornar, o que resulta na criação de mais burocracia para justificar sua posição e demandar relatórios pouco eficientes das unidades.

Outro ponto levantado por um pesquisador é a necessidade urgente de uma gestão profissional na Embrapa. Ele enfatiza que ser um excelente pesquisador não garante automaticamente habilidades de gestão, destacando a importância de uma diretoria profissional com competência gerencial, que possa, posteriormente, buscar a assessoria de cientistas e pesquisadores para um equilíbrio eficaz.

Escrito por Compre Rural

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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