No ano passado, o agronegócio representou mais de 70% do total de US$ 11,4 bilhões obtidos com produtos exportados pelo Brasil aos 22 países da chamada Liga Árabe.
À primeira vista, o Time Out Market, em Dubai, parece uma praça de alimentação mais arrumada. Mas a explosão de aromas que invade o ambiente que acomoda 17 restaurantes e três bares deixa claro que os pratos ali servidos vão muito além da comida quase sempre sem graça servida nas tradicionais áreas de alimentação dos shopping centers.
O que diferencia o espaço instalado no terceiro andar do centro de compras Souk Al Bahar, no centro da capital dos Emirados Árabes, são os chefs que preparam de hambúrgueres e cortes de churrasco a massas com tempero italiano, comida japonesa, vietnamita ou tailandesa, além de, claro, especialidades árabes. Cada um deles foi selecionado pelos editores da “Time Out”, publicação de entretenimento distribuída nas regiões mais cosmopolitas do planeta.
O que, no entanto, mais surpreende nesse e em outros espaços gastronômicos de Dubai é perceber o frescor de alimentos que são, na maioria, importados. A região desértica e arenosa, onde não se consegue plantar sequer um pé de salsinha, oferece variedade de alimentos que chegam de todas as partes do mundo, incluindo o Brasil. Por isso, os Emirados Árabes e demais países da região são extremamente abertos ao comércio internacional.
No ano passado, o agronegócio representou mais de 70% do total de US$ 11,4 bilhões obtidos com produtos exportados pelo Brasil aos 22 países da chamada Liga Árabe. Açúcar, frango e carne bovina estão no topo da lista dos produtos brasileiros mais consumidos pela região que se tornou o terceiro parceiro comercial do Brasil, atrás de China e Estados Unidos.
Mas, segundo dados da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, para os mercados da Liga Árabe também seguem suco de frutas, milho, soja, farinha de trigo, café, óleo de soja, legumes, ovos, castanhas e até melão e mamão frescos. Uma parte dos produtos brasileiros segue para a indústria de processamento e, nesse capítulo, o frango tornou-se protagonista.
Com longa tradição nesse mercado – a primeira exportação da companhia, em 1974, foi para a Arábia Saudita -, a BRF percebeu a oportunidade de expandir negócios com a construção ou aquisição de fábricas de alimentos processados. Num processo iniciado há sete anos, a empresa brasileira tem três unidades industriais na Turquia, uma em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, e recentemente construiu uma na Arábia Saudita.
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A partir de cortes exportados do Brasil, dessas fábricas saem alimentos como peito de frango empanado, “nuggets” e hambúrgueres vendidos, inclusive, para a rede McDonald’s da região. O Oriente Médio representa 35% das vendas da companhia e cerca de 50% dos negócios da BRF no mercado internacional, segundo Patricio Rohner, vice-presidente de mercado internacional da BRF.
Como em outras regiões do planeta, a pandemia transferiu para os lares dos árabes refeições que antes eram feitas em restaurantes. Mesmo com a retomada da atividade econômica mais rápida do que em outras regiões, graças a uma vacinação veloz, o consumidor tomou gosto por alimentos prontos, como os da marca Sadia (chamada pelos árabes de “sádia”), destaca Rohner. Nos Emirados Árabes, principalmente, soma-se a isso, o fato de a população ser jovem e, ao contrário dos seus antepassados, na maioria das famílias, homens e mulheres trabalham fora.
Rohner, um argentino que se mudou para Dubai há 20 anos, conta que quando chegou aos Emirados as famílias eram grandes e muitas tinham cozinheira em casa. Mas o quadro mudou, abrindo caminho para os chamados produtos de conveniência, com maior valor agregado.
Para se dar bem no exterior uma empresa brasileira precisa adaptar-se à cultura e aos costumes locais. De cara, a BRF percebeu que no mercado árabe o frango tinha de ser menor, de um quilo, metade do que é tradicionalmente vendido no Brasil. Em alimentos processados, foi preciso agregar sabor com temperos disponíveis no país.
Uma empresa de alimentos que se instala num mercado em que a grande parte dos consumidores segue os fundamentos do islamismo não pode, também, perder de vista os ensinamentos do Alcorão. Assim como acontece com o kosher, dos judeus, o chamado alimento halal, que em árabe significa “lícito, autorizado”, exige certificação especial baseada em determinadas regras.
Suínos e bebidas alcoólicas são proibidos. E no caso das demais carnes, o abate do animal tem de ser feito com o corpo voltado para a cidade sagrada de Meca e pelas mãos de um muçulmano. A faca tem de ser afiada para garantir morte instantânea, sem sofrimento. O ritual inclui, ainda, pedido de autorização e agradecimento a Deus pelo alimento.
A necessidade de adaptação a costumes e a exigências religiosas pode, em princípio, parecer uma dificuldade para empresas brasileiras que pretendem se aventurar em mercados distantes e, às vezes, desconhecidos. Mas, para quem comanda uma empresa no Brasil, ajustar-se a mudanças dessa natureza pode, surpreendentemente, não ser mais difícil do que lidar com as dificuldades típicas do Brasil, como burocracia e incertezas em torno das reformas estruturais.
Nos Emirados Árabes, tradição e inovação convivem em harmonia. O país é totalmente aberto a empresas estrangeiras. E facilita as coisas para isso. Em Dubai existem mais de 80 zonas francas, que reúnem conglomerados de empresas. Somente a DMCC, a maior delas, tem 19 mil empresas registradas, de 170 países e 64 mil empregados. O porto de Dubai é um concentrador de cargas e de linhas de navegação, uma espécie de elo entre Oriente e Ocidente, e muitas mercadorias chegam ali para serem reexportadas.
Com tanta diversidade, é fácil entender por que mais de 80% da população de 3,5 milhões de habitantes, em Dubai, é formada por estrangeiros. Latinos são benvindos. Inclusive porque árabes também são fanáticos por futebol. Desde que chegou na cidade, Rohner, da BRF, se acostumou com as brincadeiras que ouve quando ele algum brasileiro apresentam seus passaportes na imigração. “Torcedores do Messi e do Neymar viajando juntos?”
Fonte: Valor Econômico