Em 25 anos, o que vai estar no nosso prato? Carne, café e cacau podem desaparecer

De acordo com o estudo, a alimentação global passará a contar com menos proteínas de origem animal, como carne e laticínios

Atualmente, há um debate crescente entre pesquisadores sobre o futuro da oferta de alimentos nas próximas duas décadas, com muitos apontando que as tecnologias desempenharão um papel crucial nesse processo. No entanto, essas opiniões são divergentes, e alguns especialistas preveem até o desaparecimento de certos alimentos. Um exemplo disso é o estudo Cibo 2050, realizado pelo Observatório CirFood District, um centro de pesquisa e inovação em alimentação localizado em Reggio Emilia, Itália.

De acordo com o estudo, a alimentação global passará a contar com menos proteínas de origem animal, como carne e laticínios. Além disso, produtos como cacau e café, em sua forma atual, podem desaparecer. A explicação para isso está na necessidade de práticas agrícolas mais sustentáveis, além da possível adoção de alternativas vegetais para substituir esses produtos. Um exemplo seria a alfarroba, uma árvore originária da região do Mediterrâneo, que poderia substituir o cacau, especialmente na Europa. Essas mudanças sugerem que, para garantir a preservação desses alimentos, será necessário um esforço conjunto para adaptar a agricultura e a alimentação às novas exigências ambientais e tecnológicas.

O estudo foi conduzido por um time de 15 especialistas provenientes de áreas diversas, como psicologia, demografia, sustentabilidade e saúde. Seu objetivo é oferecer uma visão abrangente sobre o futuro da alimentação e os desafios que a humanidade enfrentará para assegurar uma dieta sustentável e acessível até o meio do século.

Marco Frey, da Scuola Superiore Sant’Anna de Pisa, destaca no estudo que “a sustentabilidade precisa ser mais do que uma simples estratégia, deve se transformar em um modelo de negócios integrado. Só dessa forma as empresas poderão equilibrar a competitividade econômica com a redução dos impactos ambientais”.

A psicóloga de consumo Guendalina Graffigna, da Universidade Católica de Cremona, acredita que educar os consumidores sobre as consequências de suas escolhas é tão fundamental quanto o avanço tecnológico. “As decisões alimentares não são apenas racionais. Elas estão profundamente ligadas à identidade cultural e ao contexto social, o que exige uma abordagem mais holística para promover mudanças sustentáveis“, afirma Graffigna.

Pesquisadores como Andrea Galassi e David Israel Bassani apontam que tecnologias emergentes, como a edição genética (CRISPR) e a agricultura regenerativa, podem ajudar a reduzir os impactos negativos, mas a verdadeira transformação dependerá de políticas públicas eficazes e de uma mudança nos hábitos de consumo. O estudo também destaca a importância da água, apesar de não ser um alimento em si. O acesso à água potável é considerado um dos maiores desafios para o futuro da alimentação, pois a escassez de água de boa qualidade comprometeria a produção de alimentos essenciais, como frutas, vegetais, carne e café.

Foto; Compre Rural

Carne: O peso da Proteína Animal

A produção de carne e seus impactos ambientais têm se tornado um dos maiores desafios para a sustentabilidade global. De acordo com a professora Claudia Sorlini, da Universidade de Milão, a pecuária industrial, com seu alto custo ecológico, pode não ser capaz de sustentar o consumo de carne nos níveis atuais por muito tempo. Ela enfatiza a necessidade urgente de integrar tecnologias inovadoras com práticas agrícolas sustentáveis, a fim de reduzir o impacto ambiental sem comprometer a segurança alimentar.

Em 2023, o número global de bovinos destinados ao abate era de aproximadamente 943,77 milhões, com uma previsão de queda para 922,69 milhões em 2025, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Embora essa diminuição possa parecer modesta, ela reflete uma tendência que já está gerando discussões sobre a oferta de carne no futuro.

Nesse contexto, alternativas à carne tradicional estão sendo exploradas. A carne cultivada em laboratório, embora promissora, ainda enfrenta desafios como o alto custo de produção e a resistência cultural. Por outro lado, as proteínas vegetais, como os hambúrgueres à base de leguminosas, têm ganhado popularidade. Sara Roversi, presidente do Future Food Institute, acredita que a transição para fontes alternativas de proteína será inevitável, mas destaca que isso exigirá um esforço significativo de educação alimentar para que os consumidores aceitem essas novas opções.

Café: o Aroma Ameaçado Pelas Mudanças Climáticas

O café, uma das bebidas mais queridas e consumidas ao redor do mundo, enfrenta uma ameaça crescente devido às mudanças climáticas. Romina Cervigni, da Fundação Valter Longo, alerta que o aquecimento global está afetando diretamente as principais regiões produtoras, como Brasil, Vietnã e Colômbia, reduzindo a área adequada para o cultivo. As variedades de café mais finas, como o arábica, são particularmente vulneráveis às mudanças de temperatura e ao aumento de pragas, que se tornam mais prevalentes em climas mais quentes.

Com a crescente demanda por café, muitas áreas produtoras estão sendo forçadas a se deslocar para regiões que, em muitos casos, não estão preparadas para o cultivo ou que não possuem uma tradição cafeeira. No entanto, essa migração nem sempre é uma solução viável, seja do ponto de vista econômico ou sustentável a longo prazo. Para garantir a continuidade da produção de café, será crucial a combinação de inovações tecnológicas, como o melhoramento genético das plantas, e políticas públicas eficazes, que possam proteger essa bebida essencial, responsável por movimentar bilhões de dólares no mercado global.

Cacau: Uma Doce Ameaça

A produção de cacau, base do chocolate, enfrenta sérios desafios devido a uma combinação de fatores ambientais e socioeconômicos. A África Ocidental, que responde por 70% da produção global, está sendo afetada pela degradação ambiental, mudanças climáticas e a pobreza estrutural dos agricultores. O cacau, por ser uma cultura altamente sensível às alterações climáticas, vê suas áreas de cultivo encolhendo rapidamente.

Sharon Cittone, fundadora da Edible Planet Ventures, destaca que o setor do cacau enfrenta dificuldades econômicas e sociais profundas. Ela explica que os pequenos agricultores recebem uma parte irrisória do preço final do chocolate, e, sem investimentos em infraestrutura e práticas agrícolas sustentáveis, a produção de cacau se tornará inviável em muitas regiões. Cittone adverte que, com as mudanças climáticas e práticas agrícolas insustentáveis, culturas como o cacau e o café podem entrar em uma zona de risco irreversível, tornando-se produtos de luxo inacessíveis sem apoio adequado.

Entre as alternativas, as agroflorestas, que integram o cultivo do cacau com outras espécies vegetais, têm mostrado resultados positivos ao mitigar impactos ambientais e aumentar a biodiversidade. No entanto, sem apoio governamental e acesso a tecnologias modernas, o cacau corre o risco de se tornar cada vez mais escasso e caro.

Outros Alimentos em Perigo, de Acordo com o CirFood District

O estudo Cibo 2050, conduzido pelo CirFood District, revela que diversos alimentos essenciais estão enfrentando sérios riscos devido a fatores como mudanças climáticas, pressões ambientais e desafios socioeconômicos. A seguir, apresentamos alguns dos produtos mais ameaçados:

Cereais e Grãos: Desafios Climáticos e Esgotamento dos Solos Grãos como trigo, milho e arroz, que formam a base da alimentação mundial, estão sendo severamente afetados por condições climáticas extremas, como secas intensas e inundações, além da degradação dos solos agrícolas. Alessandra De Rose, professora da Universidade La Sapienza, alerta que a combinação de crescimento populacional e mudanças climáticas coloca esses alimentos em risco, especialmente em áreas vulneráveis, como a África Subsaariana e partes da Ásia. Ela defende que a adoção de práticas agrícolas resilientes e o uso de tecnologias como a edição genética (CRISPR) são fundamentais para garantir a segurança alimentar global.

Peixes e Frutos do Mar: Riscos para a Sustentabilidade Marinha A sobrepesca e o aumento da temperatura dos oceanos estão ameaçando muitas espécies de peixes e frutos do mar, essenciais para a alimentação humana. O colapso dos ecossistemas marinhos e o aumento de microplásticos nos alimentos também representam riscos para a saúde humana. Marco Annoni, da Fundação Umberto Veronesi, sugere que a aquicultura sustentável e a diversificação das fontes de proteína marinha podem ajudar a reduzir esses impactos, embora essas iniciativas ainda estejam em fase inicial. Ele também destaca que a falta de diversidade genética em culturas como o trigo e a banana torna essas plantações mais suscetíveis a doenças e mudanças climáticas. Inovação e práticas de manejo sustentável são, portanto, essenciais para prevenir crises alimentares no futuro.

Azeitonas e Azeite de Oliva: Impactos das Ondas de Calor O cultivo de azeitonas, especialmente nas regiões do Mediterrâneo, está sendo prejudicado pelo aumento das temperaturas e pelo ataque crescente de pragas, como a mosca-da-azeitona, que se prolifera com o calor. Sharon Cittone observa que a perda de qualidade e rendimento nas colheitas já é uma preocupação para a indústria, especialmente em países como Itália, Grécia e Espanha, onde o azeite de oliva tem grande importância cultural e econômica.

Bananas: A Ameaça do Mal do Panamá A variedade Cavendish, a banana mais consumida globalmente, está sendo ameaçada pela rápida disseminação do “Mal do Panamá”, uma doença devastadora. Romina Cervigni alerta que a falta de diversidade genética nas plantações em larga escala aumenta a vulnerabilidade da cultura a doenças e pragas. Ela enfatiza que é urgente desenvolver variedades de banana mais resistentes e adotar estratégias de manejo mais eficazes para garantir a continuidade dessa produção.

Esses alimentos são apenas alguns exemplos de como as mudanças climáticas e os desafios ambientais podem afetar a segurança alimentar no futuro. A busca por soluções inovadoras e práticas agrícolas sustentáveis será essencial para garantir que possamos continuar a alimentar a população mundial nas próximas décadas.

Escrito por Compre Rural

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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