Edição genética é chave para segurança alimentar?

Num mundo afetado por mudanças climáticas, secas extremas e inundações ameaçam produção de alimentos. Cientistas dizem que resposta está em plantas editadas geneticamente, mas ambientalistas pedem cautela.

Agricultores no Zimbábue estão lutando para se adaptar às mudanças das condições meteorológicas. No entanto, mal as plantações de milho sobrevivem a uma estiagem, elas logo são castigadas por fortes chuvas.

Trata-se de um padrão comum em todo o mundo. O aumento das temperaturas e as chuvas irregulares estão dificultando a produção de alimentos. E as coisas parecem que vão piorar nas próximas décadas.

Se a temperatura global aumentar 2°C, mais de um quarto das áreas terrestres do planeta pode ficar exposto permanentemente a secas, segundo recente estudo publicado na revista científica Nature Climate Change.

O aquecimento global também está aumentando a propagação de doenças e infecções de plantas que florescem em condições quentes e úmidas. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) advertiu em seu último relatório, de 2014, que as mudanças climáticas podem afetar todos os aspectos da segurança alimentar, incluindo produção, acesso e preços.

Pesquisadores do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento da Universidade de Bonn calcularam que a produção mundial de alimentos pode cair 20% até 2050 – quando a população global deverá atingir 9,8 bilhões de pessoas.

Para evitar uma crise alimentar provocada pelo clima, a maneira como se produzem e se distribuem alimentos deve se adaptar a um ambiente mutável. Uma solução poderia ser a edição genética de alimentos para torná-los mais resilientes e aumentar a produtividade das plantações.

Menos doenças

Na Universidade Justus Liebig de Giessen, na Alemanha, o cientista Karl-Heinz Kogler luta contra doenças que afetam o trigo e outras culturas. Sua nova arma é a técnica de edição genética Crispr-Cas9. Ela permite que ele literalmente edite organismos, removendo partes de DNA responsáveis ​​por resultados indesejáveis.

Recentemente, Kogler e sua equipe editaram o genoma do trigo para criar uma nova variedade que é resistente ao bolor. “É um avanço imenso”, disse o cientista à DW. “Isso não teria sido possível por meio do cruzamento natural, porque o trigo tem um genoma muito complexo.”

Cientistas estão aclamando ferramentas de edição de genes como Crispr-Cas9 por permitir mudanças rápidas e precisas no DNA das plantas. A velocidade do processo é especialmente útil por tornar as plantações mais resilientes ao clima, enquanto os pesquisadores podem reagir mais rapidamente a novas doenças, explicou Kogler.

Espera-se que infecções fúngicas se alastrem para o Hemisfério Norte à medida que o clima se tornar mais quente e mais úmido. Uma das doenças que ameaçam invadir a Europa é a ferrugem do caule do trigo, causada pelo fungo conhecido como Ug99 – ele foi descoberto em Uganda em 1999 – e que já provocou estragos na África e no Oriente Médio. A enfermidade está avnöando lentamente rumo ao norte e estima-se que ela também venha a destruir colheitas inteiras no continente europeu.

Adaptar plantas a novas condições através do cruzamento natural pode levar ao menos dez anos. Com o método Crispr, os cientistas podem adaptar plantações dentro de semanas. Considerando o tempo para teste e reteste, uma planta resistente a doenças poderia estar disponível num espaço de dois anos, diz Kogler.

Maiores colheitas

Também em outros países, cientistas estão trabalhando na edição genética com vista à segurança alimentar. Zachary Lippman, pesquisador do laboratório Cold Spring Harbor no estado americano de Nova York, disse querer aumentar a produtividade das colheitas com o Crispr.

“As atuais taxas de aumento da produtividade de plantações não atenderão às futuras demandas agrícolas do planeta à medida que cresce a população humana”, afirmou Lippman em comunicado. “Uma das limitações mais severas é que a natureza não forneceu variação genética suficiente com a qual se possa trabalhar.”

Os pesquisadores editaram os genes de um tomate de três formas diferentes para fazer três mudanças distintas na forma como a planta cresce: tamanho do fruto, padrão de ramificação e forma geral. Esse método permite aos cientistas adaptar uma planta a necessidades específicas e a condições ambientais, bem como aumentar o rendimento das plantações, disse Lippman.

Sua colega Heike Sederoff, pesquisadora na Universidade da Carolina do Norte, utilizou o Crispr para aumentar a quantidade de óleo produzido por sementes. Para Sederoff, a edição genética é o futuro da agricultura.

“Isso nos permitirá criar plantas com melhor resistência abiótica contra qualquer efeito ambiental – de seca e inundações a alterações de temperatura e mudanças na virulência e mobilidade de pragas”, explicou Sederoff à DW.

Edição genética versus OGM

Ambientalistas estão menos entusiasmados. “Novas técnicas de engenharia genética devem ser tratadas como armas carregadas. São imprevisíveis e potencialmente desastrosas”, afirma Dana Perls, ativista sênior de tecnologia e alimentos na rede internacional de organizações ambientais Friends of the Earth.

Ela alertou para que os novos métodos não sejam tratados de forma leviana, exigindo uma regulamentação rigorosa.

“Precisamos de governança internacional, de regulação de mercado e meio ambiente, de avaliações de riscos ambientais e de saúde – de longo prazo e revisadas pelos pares – sobre essas novas tecnologias antes mesmo de começar a discussão sobre o papel que elas podem desempenhar no futuro da alimentação”, diz Perls.

Nos Estados Unidos, o primeiro cogumelo editado geneticamente e que resiste ao escurecimento já pode ser cultivado e vendido. O Departamento de Agricultura dos EUA decidiu não submetê-lo ao seu processo regulatório.

Na Europa, os alimentos geneticamente modificados são fortemente regulados. Mas os reguladores ainda não têm certeza de como classificar os produtos editados geneticamente.

Os organismos geneticamente modificados (OGMs) são os que tiveram material genético de outros organismos adicionado a eles. Até agora, o Crispr só foi usado para remover pedaços de DNA. Os defensores dessa técnica dizem que, do ponto de vista científico, a edição genética é uma maneira completamente nova de alterar o genoma.

“As plantas que foram produzidas com Crispr não podem ser diferenciadas daquelas que foram cultivadas naturalmente”, apontou Kogler. “E, ao contrário do cruzamento natural, a edição de genes permite mudanças deliberadas e precisas com riscos extremamente pequenos.”

A União Europeia (UE) ainda está discutindo se deve regulamentar as plantas editadas geneticamente da mesma forma que os OGMs. Em outubro último, a Comissão Europeia se encontrou com o Comitê Europeu de Bioética para abordar o tema, mas ainda não anunciou uma decisão.

Autor: Katharina Wecker (ca)

Fonte: DW.com

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