Uma análise técnica para refletir sobre os benefícios promovidos aos equídeos através do esporte dentro do contexto histórico
Por: Orlando Filho, MV – Os esportes equestres, bem como toda a temática que o envolve, é comumente pauta de discussão em nossa sociedade atual. Desde uma simples conversa, até em grandes debates e encontros envolvendo técnicos, estudiosos e representantes públicos, o assunto está presente.
Nessas circunstâncias, frequentemente são gerados questionamentos, oriundos de pessoas que realmente não possuem amplo entendimento acerca do assunto, ou detentoras de uma ideologia inteiramente contrária às práticas esportivas com a participação de animais e que, simplesmente,opinam de maneira oposta.
Com isso, a pergunta central que surgi com relação ao tema é: “afinal, quais os benefícios que esportes equestres proporcionam aos cavalos?”
A resposta é clara: saúde e sanidade! Fatores intrínsecos aos esportes equestres.
A saúde física e mental, sem dúvida, deve fazer parte da vida do atleta de alta performance, pois, sem ela, alcançar um bom desempenho é praticamente impossível. Nos esportes equestres esta máxima, obviamente, também é verdadeira, e vinculada não apenas ao homem, mas sim ao conjunto cavalo e cavaleiro, já que ambos são os atletas nessa ocasião. Na vida esportiva, no entanto, a de um equídeo atleta de alta performance pouco se difere a de um atleta humano.
Isto significa uma série de fatores, como dieta adequada às necessidades, suplementação essencial, programa específico de exercícios, rotinas regradas de treinamentos, cuidados com o equilíbrio psicológico, utilização de equipamentos com nível tecnológico elevado, infraestrutura altamente segura e acompanhamento médico especializado. São exemplos de aspectos presentes no cotidiano dos equídeos atletas, que demonstram a grande similaridade com os atletas humanos.
Ao falar de acompanhamento médico, se faz necessário destacar o papel salutar da medicina esportiva equina, especialidade veterinária, que cresce de maneira exponencial dentro do segmento equestre. O objetivo é cuidar do indivíduo como um todo, sendo o exercício físico e o esporte equestre as ferramentas analisadas e utilizadas para a melhora da saúde, qualidade de vida e desempenho esportivo do animal.
A atuação dos profissionais médicosveterinários nesta área é muito ampla e envolve diversas vertentes da medicina, com destaque paraa fisiologia do exercício, sistema cardiorrespiratório, ortopedia e fisioterapia. Esta última, com abrangência e opção de diversas técnicas como, por exemplo, laserterapia, ultrassom terapêutico, campo eletromagnético pulsátil, shockwave, kinesiologytaping, entre outros. Ainda não poderia deixar de citar a quiropraxia, técnica de suma importância no trabalho de prevenção ou de reabilitação de animais que desempenham funções atléticas. Já no aspecto da sanidade animal, quando vinculado aos esportes equestres, os benefícios gerados não são somente do animal atleta como indivíduo, mas sim para o rebanho de equídeoscomo um todo.
A Secretária de Defesa Agropecuária, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), detém, há tempos, o Programa Nacional de Sanidade dos Equídeos (PNSE). Entre as diretrizes do programa, em especial, estão às exigências para o trânsito e participação destes animais em eventos de aglomeração animal. Atualmente, a realização de exames para diagnóstico de Anemia Infecciosa Equina (AIE) e Mormo, e também a vacinação contra enfermidades altamente contagiosas, em especial aInfluenza Equina, fazem parte das normas vigentes.
Segundo os indicadores de sanidade animal do MAPA, cerca de 20% de todos os casos de doenças de controle oficial existentes são em equídeos. Umdado que chama atenção, pois no Brasil estima-se que existam 5,7 milhões de cabeças de equinos (IBGE, 2018), número bastante inferior quando comparado, por exemplo, com o efetivo de cães e gatos, que é de aproximadamente 52 e 24 milhões,respectivamente. Ou seja, pela lógica seria esperado que os casos de doenças de controle oficial fossemmaiores nessas espécies, o que reforça a importância do controle sanitário nos equídeos.
Outro dado relevante é que, em meio a esse panorama, o PNSE estima que somente 300 mil animais já tenham feito os exames de AIE e Mormo.Fato este que gera margem suficiente para crer que a grande maioria, ou se não a totalidade desses animais, somente tiveram os exames realizados devido ao fato de que em algum momento se deslocaram para participar de uma prova equestre, uma exposição agropecuária ou qualquer outro evento de concentração animal. Só por aí fica claro e evidente o impacto positivo que os esportes equestres exercem frente à sanidade animal.
Só esta abordagem referente aos aspectos de saúde e sanidade dos equídeos seria suficientemente capaz de demostrar os benefíciosmútuos da atividade, tanto para o homem quanto para o animal. Porém, a questão pode ir além. Aoimaginar um cenário no qual não houvesse a existência desses esportes e considerar toda a evolução industrial e tecnologia que vivenciamos, logo podemos avaliar quais seriam os reflexosdesses fatos para os equídeos.
Para compreender melhor e aprofundarmos namatéria, se faz necessário reunirmos alguns elementos históricos, pontuais, ligados aos equídeose sua relação de interação com nos seres humanos.
Desenvolvimento dos esportes equestres
No Brasil, um marco na história do desenvolvimento do país foi o “Ciclo do Tropeirismo”, período que começou no século XVIIIe prosseguiu até o início do século passado. A atividade de grande relevância econômica se caracterizava principalmente pelo transporte de cargas feito no lombo de tropas de muares.
Em uma época que não se existia carro, caminhão ou algo similar, burros e mulas eram os responsáveis pelo transporte. E foi diante desta importante serventia de trabalho que surgia a grande necessidade e demanda para adquiri-los. Segundo historiadores, a Feira de Muares, que ocorria em Sorocaba, interior de São Paulo, com o menor nível de comercialização vendeu 5 mil animais, enquanto a feira com melhor movimento chegou a vender 200 mil animais.
No século XIX e início do XX, o mundo havia mudado, mas cada vez mais o homem dependia dos equídeos. As cidades da Europa, consideradas as mais modernas da época, como por exemploLondres, possuíam vários cavalos atuando em diversos serviços que demandavam força e tração. Os cavalos forneciam energia não apenas para veículos que movimentavam carga, transportavam passageiros e combatiam incêndios, mas também para equipamentos em moinhos, fundições e oficinas mecânicas.
Esse cenário não era diferente também nos Estados Unidos. No livro “The Horse in the City: Living Machines in the Nineteenth Century” (O cavalo na cidade: máquinas vivas no século XIX), o autor relata que no ano de 1900, 130 mil cavalos trabalhavam em Manhattan. No auge da demanda de trabalho, Nova York chegou atingir a marca deum cavalo para cada 26 pessoas. Se fosse a São Paulo atual, seriam necessários cerca de 430 mil cavalos para a cidade funcionar.
Muito provavelmente, poucas pessoas achavam que os animais poderiam ser substituídos, mas com tantos avanços tecnológicos em energia e transporteisso fez com que os cavalos, burros e mulas se tornassem dispensáveis para o trabalho que desempenhavam.
Hoje, os equídeos, na sua grande maioria, estão praticamente restritos às áreas rurais,desempenhando atividades ligadas à agropecuária. Porém, onde exercem presença marcante, sem dúvida, são nas atividades esportivas. Atividades que realizadas de maneira adequada, em consonância com as leis e normas e, principalmente, com fundamentos éticos e respeito à integridade física e limites fisiológicos dos animais, podem ser consideradas como uma das poucas práticas promotoras de qualidade de vida para os equídeos.
Desta maneira, os esportes equestres podem e devem exercer o papel de potencializadores de uma qualidade inerente aos animais, o bem-estar. Na prática, isso significa proporcionar condições para que os equídeos possam se adaptar da melhor maneira possível ao ambiente. Sentindo-se bem e seguros, podem realizar as atividades esportivas, fazendo com que os esportes equestres e o bem-estar animal sejam indissociáveis.
Orlando Filho é Médico Veterinário, Tecnólogo em Agronegócio e Gestor de Equinocultura – Revista Horse, ed. 125. p. 42-43. 2020 / Reprodução autorizada pelo autor