Artigo publicado na Revista AG, aborda tema importante sobre a decisão de venda de bezerros na desmama; “Venda de terneiros na fazenda ou na feira?”
Por Fernando Furtado Velloso – A comercialização dos bovinos é tema de interesse de todos os pecuaristas com certeza. Criamos, recriamos e engordamos animais para realizar a venda. Simples assim. Em março de 2018, redigi o artigo: Venda de gado gordo: “Audiência” de um técnico de campo. O texto abordava, de forma muito simples e direta, as questões discutidas pelos vendedores no dia a dia: venda a peso vivo ou a rendimento, a prazo ou à vista, problemas nas classificações de carcaças, possíveis bonificações, tamanhos dos lotes, acompanhamento de abates etc. Na época, o conteúdo foi bastante acessado e serviu como arranque para algumas boas discussões nas redes sociais e em grupos que participo. O conteúdo segue bem atual. Dê um Google, que acharás com facilidade.
Pensando com a mesma lógica de venda do gado gordo, me proponho a trazer esta breve revisão sobre o tema venda de terneiros. E chamo terneiros – e não bezerros -, porque farei novamente o relato de um técnico de campo que acompanha os movimentos do mercado no Rio Grande do Sul. Não me sinto à vontade para ampliar minhas considerações para outras realidades regionais. Dessa forma, fica mais apropriado chamar o produto de terneiros, pois me refiro ao bovino vendido na desmama no RS, e, provavelmente, com muitas similaridades em Santa Catarina. Acima desta linha do mapa, seguramente, muda o cenário que tentarei abordar.
O assunto do momento no RS são as diversas feiras de terneiros que estão ocorrendo todos os dias nesta metade final de abril e prosseguirão por maio. As transmissões pela internet nos permitem acompanhar um maior número de eventos e, assim, vamos nos inteirando sobre o tipo de produto ofertado (raça, cruzamento, inteiros/castrados, pesos etc) e os valores obtidos. As conversas são mais ou menos conhecidas: “Tal feira fez R$ 14 de média”, “Noutra feira, os castrados valeram bem mais que os inteiros”, “Em tal cidade, só venderam bem os terneiros leves”, “Em outra, as fêmeas foram mais buscadas e os preços ficaram iguais aos dos machos, “Difícil produzir terneiro pesado e de qualidade para ter preço menor na hora da venda”, “Em tal praça, o terneiro pesado foi muito bem vendido”, “O mercado não quer saber de muito zebu”, “Olha, teve praça em que o cruza Zebu foi o mais buscado”, “Tal lugar vendeu a mais de R$ 17, mas os terneiros eram uns ratinhos, dizia o pessoal”, “Não tem como comprar terneiro com esse preço, a conta não fecha.” Essa última frase se ouve bastante neste ano, mas as outras são usuais também. Concordam?
Pois é, Velloso, e agora? Melhor vender em casa ou nas feiras de terneiros?
A resposta mais lógica é o famoso “depende”, mas ninguém gosta de resposta que começa com depende. Vamos, então, tentar revisar os itens que fazem as duas vendas bem diferentes.
É preciso compreender os itens que seguem para aí decidir se é melhor vender na fazenda ou nas feiras de terneiros:
Tamanho do lote – usualmente, é difícil comercializar lotes pequenos (inferiores a uma carga de caminhão) em venda particular. Nas feiras, é possível oferecer lotes de qualquer tamanho. Ponto para as feiras.
Pesos mínimos – usualmente, as feiras (especialmente as oficias) impõem pesos mínimos aos animais. Alguns terneiros “do tarde” ou inferiores acabam ficando pra trás na propriedade. Ponto para a venda particular.
Programação da data do desmame – o desmame dos animais passa a ser definido pela data da feira local (ou a que o criador eleger para participar) e não pelo momento ideal para as matrizes, para ajuste de carga, para manejo dos potreiros, etc. Ponto para a venda particular. Esse é um tema que pode parecer menor para alguns, mas as diferenças em eficiência reprodutiva de matrizes desmamadas cedo ou tarde são muito grandes. Não estamos falando somente da data da venda e do fluxo financeiro da propriedade, mas dos impactos no sistema de produção como um todo.
Custos – a venda na fazenda pode ter custo zero ou o custo do intermediário/corretor, usualmente de comissão de 2%. Nas feiras de terneiros existem os custos de comissão do leilão (usualmente 4% a 5%) e do frete.
Destare (quebra de peso) – os animais vendidos na fazenda são pesados no momento do desmame e podemos dizer que com “destare zero”, ou seja, sem quebras de peso. Os terneiros vendidos em feiras são pesados na chegada, nos parques dos sindicatos rurais, e a quebra de peso sempre ocorrerá em maior ou menor magnitude. Pensar em quebras de 5% a 10% não é um exagero conforme a distância percorrida e o tempo envolvido no manejo, carregamento, descarregamentos e pesagem dos animais. Este é um motivo dos maiores valores pagos pelo kg dos terneiros vendidos em feiras, pois o comprador sabe que pagaria essa diferença (5% a 10%) se os animais fossem comprados na fazenda. Essa situação não é uma desvantagem da venda em feiras, mas é um fator que afeta o preço pago pelo kg do terneiro. Exemplo: um terneiro de 200 kg vendido na fazenda por R$ 13/Kg (R$ 2,6 mil) é o mesmo que um terneiro vendido com 185 kg na feira por R$ 14/Kg (R$ 2,6 mil).
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Risco e valorização do produto – a venda na fazenda é, seguramente, mais controlada e segura, pois as condições são estabelecidas e acordadas diretamente entre o vendedor e o comprador. A melhor venda ou valorização acima da média do mercado dependerá muito da qualidade do produto e da habilidade comercial do vendedor. Mas é mais corrente pensar que as vendas nas fazendas são feitas muito próximas do preço médio que o mercado está praticando ou sendo divulgado localmente. Nas feiras, como em todo leilão, os riscos são reais e presentes, pois o preço será definido no exato momento da venda do lote e as mais variadas situações afetarão a favor de uma parte ou outra. Os valores obtidos podem variar bastante em relação à media do mercado. Se for pra cima, que ótimo para o vendedor, mas pode ocorrer da venda se dar por valor bem abaixo da média do evento ou até de o lote não ser vendido. O risco assumido é uma decisão do vendedor. Assim como nos investimentos financeiros, maior possível rentabilidade implica maior risco. Não há dúvidas de que, nas feiras, o produto é apresentado a um número muito maior de possíveis compradores e que isso é muito positivo. Mas, o risco está presente.
Preços e prazos praticados nas fazendas e nas feiras – é natural compararmos os valores que são divulgados como resultados das feiras de terneiros com os que praticamos na venda dos nossos animais em casa, mas temos de ficar atentos para alguns itens ou ajustes. Nas feiras, é usual divulgar a média, mas alguns lotes foram vendidos pela média, abaixo ou acima. E o seu produto? Ele é média no mercado, abaixo ou acima? Considere a qualidade, a padronização, a quantidade de animais e a localização de sua propriedade. Outra situação que ocorre em feiras é de alguns lotes serem mais valorizados, também, em função do prazo de pagamento dado pelo vendedor. Não são incomuns alguns lotes serem comercializados com 60 ou 90 dias de prazo de pagamento. Neste caso, está se comprando o produto e a condição de pagamento num “combo”. Difícil de trazer essa situação ou cotação para a sua venda de fazenda a peso vivo e à vista.
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Espero não ter confundido mais do que esclarecido, pois o objetivo de meu texto não foi defender ou criticar as feiras de terneiros como forma de comercialização de nossa produção, mas sim de revisar os fatores que diferenciam a venda particular (em casa) ou nas feiras. Para alguns, as feiras devem ser a melhor opção, para outros talvez não, e, para produtores maiores, até se pode praticar um modelo misto, onde parte da produção é vendida no cedo em casa (os mais pesados) e a parte final da produção liquidada em feiras. Vários modelos são possíveis. Até a venda programada vem ocorrendo, onde parte do valor dos terneiros é pago como entrada (antecipação) e o saldo, no desmame e pesagem dos animais. O comprador, assim, garante parte de sua necessidade de animais, e o vendedor faz antecipação de caixa, a definição de data para o desmame etc. O preço pode ser pré-definido, ou usado um percentual de sobrepreço sobre o boi (ex: 25% a 35%), ou mesmo o preço médio da feira local. Como um avanço mais recente, os leilões virtuais (com filmagem dos lotes na fazenda) são uma alternativa intermediária entre a venda na fazenda e nas feiras de terneiros tradicionais.
O positivo é que cada vez temos mais informações disponíveis para a tomada de decisão, seja para a venda do terneiro de forma particular, via corretor ou nas feiras de terneiros. Com o preço do boi em mãos, podemos projetar o preço do terneiro que iremos tentar vender. Com os resultados das feiras dos terneiros, podemos acompanhar se o mercado está firme, tendendo a cair ou a subir com o avanço dos eventos. Não gosto de respostas com muito “depende”, mas, neste caso, depende de nós avaliarmos e decidirmos que modalidade de comercialização melhor nos atende. E porta pra terneirada!
Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Maio, 2021)