Desvendamos o sucesso da ‘cara-branca’ no Quarto de Milha

Especialista explica o que está por trás da ‘cara-branca’ na raça de cavalos Quarto de Milha; Diferentemente do que muitos pensam, o Splash não é um gene, mas sim um padrão visual de manchas

Os cavalos desempenham um papel fundamental no agronegócio brasileiro, seja nas competições, trabalho no campo ou em comercializações e leilões de alto valor. No Brasil, diversas raças se destacam pela sua versatilidade, desempenho e, claro, pelo valor que atingem no mercado. De acordo com um estudo da ESALQ/USP, realizado em 2023, o setor equestre tem uma movimentação financeira que supera R$ 30 bilhões e emprega mais de três milhões de pessoas no Brasil.

A raça de Quarto de Milha detém o maior destaque e rebanho do país, sem sombra de dúvida, seja ela por sua versatilidade, docilidade e inteligência. Criado nos Estados Unidos em meados de 1.600, o objetivo era desenvolver cavalos compactos, com músculos fortes, podendo correr distâncias curtas mais rapidamente do que nenhuma outra raça, principalmente para que os cowboys pudessem utilizá-los na lida diária com gado, na desbravação do Oeste Norte-americano.

Outro destaque absoluto da raça são suas pelagens. Quando você encontra cavalos da raça Quarto de Milha em algum evento ou no pasto de uma fazenda, uma das primeiras coisas que pode observar é a cor de seus pelos. A beleza desses animais, sem dúvida, passa por suas pelagens diversificadas e belas.

Recentemente no Brasil foi adicionado um ingrediente nas pelagens da raça, os animais com “cara-branca”. Colonels Smoking Gun, o patriarca dessa linhagem, acumulou uma trajetória impressionante nas pistas. Com ganhos que ultrapassam os milhões de dólares, ele dominou tanto nas provas de Rédeas quanto na reprodução de cavalos campeões.

Seja pelos resultados positivos nas pistas ou pela beleza exuberante dos animais, nós resolvemos desvendar os detalhes por trás dos animais cara-branca. Para isso, nós contamos o especialista em pelagens equinas, Roberto Assad Annicchino, que revelou ao CompreRural todos os detalhes.

Segundo Roberto, diferentemente do que muitos pensam, o Splash não é um gene, mas sim um padrão visual de manchas brancas produzidas por 2 genes (MITF e PAX3), onde estão as 10 mutações encontradas até hoje (que vão do Sw1 até o Sw10). “No Brasil, temos exemplares com as variações Sw1 (em diversas raças), Sw2 (nos descendentes da matriz Quarto de Milha Katie Gun) e Sw6 (nos descendentes do garanhão Urge, recém importado). Os alelos Splash agem impedindo a migração dos melanócitos (as células produtoras de melanina) para certas áreas do corpo, que ficam brancas (ou, no caso dos olhos, azuis) pela ausência de melanina” – revelou o especialista.

Nem sempre o Splash produz cara branca ou calçados altos. Na verdade, ele pode produzir marcações bem comuns e pequenas. Mas, de modo geral, quanto mais alelos Splash um indivíduo tem, maiores vão ser as manchas, podendo, inclusive, resultar em um animal Branco Total.

É importante lembrar que alguns alelos Splash estão envolvidos com outras condições de saúde, como a surdez, quando há despigmentação do ouvido interno, e, no caso do Sw2 em homozigose, os animais podem apresentar problemas de desenvolvimento muscular.

Um grande expoente do Quarto de Milha mundial que era surdo é o garanhão Colonels Smoking Gun, popularmente conhecido como “Gunner”. Vale dizer que a posição da mancha branca na face não é determinante para a ocorrência da surdez – muitos dizem, incorretamente, que quando a despigmentação passa dos olhos há perda de audição –. Na realidade, somente ocorre surdez quando a despigmentação se dá no ouvido interno do cavalo, alterando sua função quanto à captação de estímulos mecânicos do som, que não são “interpretados” corretamente e não geram o estímulo nervoso auditivo.

Quanto à cegueira, não há qualquer indício que associe os alelos Splash a ela, nem a outros efeitos deletérios na visão. O que deve ser distinguido disso, porém, é a fotossensibilidade (sensibilidade à luz, principalmente solar), a qual decorre meramente da presença de pele branca ao redor dos olhos, muitas vezes também despigmentados (azuis). À parte isso, o Splash não provoca alterações funcionais ou estruturais nos olhos que acarretem perda total ou parcial de visão.

Tudo depende da intenção e do objetivo do criador ao utilizar, em seu plantel, animais com Splash. A surdez, particularmente, é algo que não se pode evitar ou mitigar, por exemplo. Uma vez que o intuito do criador é ter animais manchados, naturalmente existirá a chance de a mancha branca atingir o ouvido interno. Portanto, é um “risco calculado”, o qual é tratado com muito mais naturalidade pelos criadores hoje em dia, podendo ser superado de diversas formas.

Já em relação a outros problemas, a exemplo das malformações musculares já observadas em animais homozigotos para o alelo Sw2 (acometendo principalmente o glúteo médio, a língua e o palato), é possível evitá-las.

No Quarto de Milha brasileiro, em se tratando de Splash, há dois genótipos que podem gerar o fenótipo Branco Total: Sw1Sw1 + Sw2 (homozigoto para Sw1 e heterozigoto para Sw2) e Sw2Sw2 (homozigoto para Sw2). Se o intuito do criador é gerar animais Brancos Totais, e sabendo da possibilidade de deformidades musculares em animais homozigotos para Sw2, deve o quartista, portanto, optar por animais do outro genótipo.

São em situações como essa que vemos a real necessidade de ter informações acuradas em favor da criação, seja por meio de uma assessoria especializada, seja por meio de um laboratório de qualidade, auxiliando o criador a obter os resultados desejados.

A procura por teses de pelagens na raça Quarto de Milha é crescente e o mercado está aquecido, uma vez que os criadores estão associando cada vez mais a genética dos produtores à pelagens comercialmente desejáveis, assim como os testes de doenças geneticamente transmissíveis, que hoje são obrigatórios para garanhões.

Os exames de pelagens consistem na identificação de genes/mutações que são responsáveis por determinadas características, sendo possível a verificação de pelagens base assim como pelagens conjugadas e compostas, formadas por dois ou mais genes.

“Hoje são realizados exames para identificação da pelagem base do animal, e também para pelagens compostas, que são resultado da combinação de dois ou mais genes, e entre os exames mais solicitados estão: Red/black factor (extension) – Identifica a produção do pigmento preto e vermelho (eumelanina e feomelanina), Asip (agouti) – gene responsável pela restrição do pigmento preto às extremidades, Cream – responsável pela redução de melanina e consequentemente clareamento da pelagem, Splash (Sw1, Sw2 e Sw3) – responsáveis pela ausência de melanina, que forma um padrão de manchas brancas, entre outros genes” – revelou Matheus Henrique de Oliveira, gerente administrativo do Laboratório CenterVet.

A análise pode ser realizada com amostras de pelo com o bulbo, sangue em tubo com EDTA ou sêmen. Com os resultados é possível planejar com maior assertividade as pelagens desejadas, agregando valor de mercado e evitando alterações genéticas indesejáveis.

Todo o sucesso dos animais com “cara-branca” e Splash se deu por duas razões

Em primeiro lugar por simples consequência da lei da oferta e da demanda. Tratam-se de animais exóticos com uma característica incomum na raça Quarto de Milha. Logo, se a procura é alta e a demanda é baixa, fatalmente os preços serão mais elevados;

Outro fator foi a sorte, o Splash foi disseminado por uma linhagem extremamente prolífica e habilidosa nas modalidades de trabalho, sobretudo em Rédeas – no caso, os descendentes da matriz Katie Gun (seu principal filho, Colonels Smoking Gun, é hoje o maior produtor da história da modalidade, tendo produzido filhos ganhadores de mais de 16 milhões de dólares).

Portanto, essa confluência de fatores (visual exótico e habilidade em pista) foi essencial para a popularização do Splash no Quarto de Milha, em especial após os anos 2000.

Apesar do Splash ser associado mormente aos descendentes da Katie Gun, há diversas outras linhagens no Quarto de Milha nas quais alelos Splash podem ser encontrados. Fato é que o Splash, bem como outros padrões de manchas brancas, sempre estiveram presentes na raça.

Porém, seja pela falta de conhecimento, seja pelos regulamentos restritivos ou até mesmo excludentes para tais animais, as manchas brancas foram suprimidas ao longo dos anos. Felizmente, com a mudança de mentalidade e a disseminação de conhecimento, as linhagens portadoras de Splash vêm surgindo à tona (a exemplo de descendentes de Eternaly Fred e Okie Easterwood, garanhões que fizeram história no Brasil).

Roberto Assad Annicchino

Roberto ingressou no Quarto de Milha com apenas sete anos, por incentivo do seu pai, Ralph Annicchino. Pouco tempo depois, passou a competir Ranch Sorting e Team Penning, também iniciando a criação. “Com isso, comecei a estudar a raça de um modo geral, com apreço especial por 2 temas: pedigrees, como forma de conhecer a história das linhagens, bem como seus potenciais nos cruzamentos e aptidões nas pistas; e também pelas pelagens, de modo a identificar corretamente cada uma, e também entender os mecanismos genéticos que as geram. Hoje, temos nossa criação em Capivari/SP, no Potenza Ranch, e presto serviços de assessoria e consultoria genética, com foco no cálculo de probabilidades de pelagens, há 7 anos” – finalizou Roberto.

Caso tenha alguma dúvida ou queira mais informações sobre a pelagem, fale diretamente com o Roberto pelo WhatsApp.

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