Tecnologia foi criada pela Embrapa para colheita do café em montanhas e dispensa uso de escadas; derriçadeira multiplica por quatro a produtividade do trabalhador de campo
O uso de um equipamento desenvolvido para a colheita do café pela Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), Minas Gerais, gerou um impacto positivo de R$ 770 milhões na safra de 2019. A responsável pelo resultado é a derriçadeira costal, tecnologia que multiplica por quatro a produtividade do trabalhador de campo.
Desenvolvida em 1997 por pesquisadores da Embrapa Instrumentação (SP), e comercializada a partir de 2004, a derriçadeira foi projetada para cafezais em relevos montanhosos de difícil acesso a colheitadeiras convencionais.
“Ela foi uma revolução. Só quem está há muito tempo no [ramo do] café sabe das dificuldades da colheita nas áreas em que as colhedoras automotrizes ou tracionadas não entram,” relata Mário Ferraz de Araújo, gerente do Departamento de Desenvolvimento Técnico da Cooxupé. Ferraz atua há 33 anos na cooperativa, a maior do mundo na cafeicultura, reunindo cerca de 14 mil cooperados, 95% deles pequenos produtores familiares.
Provoca menos danos à planta que a derriça manual, o que beneficia a produtividade.
Por isso, os resultados promovidos pela derriçadeira impactaram muitas famílias que vivem desse grão. O cálculo dos benefícios de 2019, em cerca de R$ 770 milhões, foi obtido por um levantamento coordenado pela pesquisadora da Embrapa Cinthia Cabral da Costa.
Trata-se de uma cadeia importante para a economia nacional. De acordo com o Conselho Nacional do Café (CNC), ela gera em torno de oito milhões de empregos diretos e indiretos, e está presente em cerca de 300 mil propriedades em 1.500 municípios distribuídos em 16 estados, nas cinco regiões do Brasil.
Demanda do setor produtivo
A história de sucesso não é recente, começou ainda na última década do século passado, com a inquietação do então presidente da Cooxupé (MG), Isaac Ribeiro Ferreira Leite, e um dos produtores associados, o cafeicultor Mário Ferrari.
Uma das culturas mais tradicionais na agricultura brasileira, o café apresentava sérios entraves no processo de colheita em regiões como o sul de Minas Gerais, onde está localizada a sede da cooperativa, fundada em 1932.
Projetada para relevos montanhosos, nos quais máquinas convencionais não entram, derriçadeira é usada até em fazendas planas para fazer o “repasse”.
Leite fez várias tentativas, desde a adaptação de uma máquina de colher azeitona – que havia conhecido na Europa – até uma roçadeira fabricada por uma empresa alemã. Finalmente, resolveu recorrer à ciência e procurou a Embrapa para uma parceria. O engenheiro mecânico Ricardo Inamasu (foto acima), pesquisador da Embrapa, foi designado para trabalhar no desenvolvimento de um protótipo, testado durante a colheita.
Máquina multiplica a colheita por quatro
“O que a Embrapa fez foi um estudo das iniciativas, princípios existentes para colheita de frutos e arquiteturas de máquinas. A solução proposta resultou em uma configuração final com motor a explosão na extremidade inferior às varetas e um valor de frequência de vibração – princípio de derriça da máquina”, explica Inamasu.
Por reduzir custos de produção, promove competitividade do café de montanha em relação ao produzido em áreas planas.
Inamasu conta que o melhor resultado que os testes comparativos entre a derriça manual e a mecanizada encontrou foi a possibilidade de a máquina multiplicar a capacidade de um homem por quatro. “Esse dado foi extraído das lavouras em que os pés de café estavam bem carregados de frutos e com altura elevada, que no caso de uma derriça manual tornava necessário o uso de escadas. Vale muito lembrar que, na época em que os testes foram realizados, não existiam operadores experientes.”
Tecnologia para pequenos e grandes produtores
“Foi muito bom! Hoje, praticamente toda propriedade cafeeira tem esse equipamento, não se fala mais em colheita de café sem o uso da derriçadeira, a não ser em lavoura de primeira safra – ou você usa a derriçadeira costal, ou você está fora do processo. É uma tecnologia que não faz diferença se o cafeicultor é pequeno, familiar ou grande, tendo necessidade ela se adequa aos diversos portes da cafeicultura, inclusive nas áreas 100% mecanizadas que usam colhedoras automotrizes ou tracionadas por trator, ela é utilizada para fazer o repasse”, detalha Ferraz.
Ferrari conta que as derriçadeiras manuais hoje fazem o trabalho de três ou quatro pessoas, em média, e que isso gerou um impacto grande na eficiência. “Hoje, a gente colhe muito mais café com menos gente. Isso aproximou a rentabilidade e a produtividade do café na região de montanha ao desempenho das áreas planas, devido à qualidade do café, à quantidade a mais por pé e à qualidade do solo”, conta o produtor.
Produtor de café em Caconde (SP), próximo à divisa com Minas Gerais, Ferrari considera que um dos grandes feitos da tecnologia foi ter colocado o café de montanha em condição de competitividade com os concorrentes produzidos em áreas planas. “Atualmente, os custos de mão de obra nos dois tipos de relevo são muito próximos. Tudo isso graças à presença das maquininhas, das derriçaceiras,” afirma.
Menos danos à planta
O gerente da Cooxupé destaca que, além de tornar o processo mais ágil, a derriçadeira causa menor injúria ao cafeeiro do que a colheita manual. “Isso possibilita que a planta se recupere mais facilmente,” explica. Essa visão é compartilhada pelo produtor Jorge Justino de Melo. “A produtividade [do cafezal] até melhorou, porque não quebra as ponteiras e galhos. Quando a colheita era manual, você via aquele monte de ponteira e galhos quebrados, agora isso não acontece.”
Além disso, o trabalhador, apontado como principal usuário e beneficiário da tecnologia, obtém aumento de produtividade e renda. “Melhorou demais da conta, e cansa muito menos”, atesta o colhedor de café João Batista. “Hoje, esse profissional é um trabalhador valorizado, ele tem que conhecer o equipamento para ter rendimento”, argumenta Mário Ferraz de Araújo.
Nível de adoção tecnológica de cafeicultores brasileiros
A presença da derriçadeira costal no cotidiano dos produtores brasileiros foi constatada novamente na pesquisa da safra cafeeira 2019, realizada com cafeicultores dos seis principais estados produtores de café, por ordem decrescente: Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Bahia, Rondônia e Paraná. O estudo aplicou questionário presencial e analisou estatisticamente as respostas de 296 cafeicultores sobre quatro itens, entre os quais, “Tecnologia de Colheita e Pós-Colheita”.
Os resultados apontaram que 42% dos produtores realizam a derriça manual sem equipamento na propriedade, 25% realizam a colheita mecanizada, 23% fazem a colheita com equipamentos acoplados ao corpo e 10% fazem a colheita manual seletiva (selecionam frutos cereja). A pesquisa foi realizada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e pelo portal CaféPoint.
As microrregiões definidas como montanhosa respondem por 30% da produção brasileira de café, mas se forem consideradas também as regiões noroeste, central e sul do Espírito Santo, que apresentam características geográficas semelhantes àquelas regiões mineiras, chega-se a 50% da produção brasileira de café produzida em região de montanha.
Para contribuir com essa adoção pelos produtores, Lucas Tadeu Ferreira, chefe adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Café (DF), explica que são promovidas “direta e indiretamente ações e parcerias que visam à transferência de tecnologias desenvolvidas pelas instituições de pesquisa, ensino e extensão rural integrantes do Consórcio, como foi o caso da derriçadeira de café, desenvolvida pela Embrapa Instrumentação em parceria com a Cooxupé”.
Um exemplo é a parceria liderada pela Embrapa Café com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), em 2014, que capacitou 166 extensionistas em tecnologias de produção, no treinamento realizado no campus da Universidade Federal de Lavras (Ufla), no qual um dos tópicos foi justamente o manejo com derriçadeira portátil.