As áreas rurais do país, especialmente as mais produtivas, transformaram-se em cenários de terror e medo.
Em paralelo ao enriquecimento e à expansão do setor agrícola, que estimula a compra de máquinas e equipamentos milionários, a atividade responsável por mais de 70% do crescimento do PIB nacional em 2017 tem sofrido com roubos e ataques de quadrilhas especializadas em crimes no campo.
É o que a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), maior entidade representativa do setor, classifica como “explosão” de violência no campo. Dados inéditos de crimes contra propriedades rurais, obtidos pelo GLOBO junto às secretarias estaduais de Segurança, contabilizam 70.966 furtos e roubos, nos últimos dois anos, apenas em três estados: Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.
A CNA afirma que a violência no campo se intensificou especialmente nos últimos dez anos, com a popularização das máquinas de alto valor, mas nunca se alastrou tanto como vem ocorrendo agora. Muitos dos roubos são feitos sob encomenda de receptadores.
Os criminosos estão indo atrás de insumos caros. Com um carro pequeno eles levam R$ 1 milhão, R$ 2 milhões em defensivos agrícolas – alerta o secretário-executivo e coordenador do monitor da violência da CNA, André Sanches.
Caminhões Escoltados
Somente no Centro-Oeste, onde o GLOBO viajou por mil quilômetros, pelo menos dez grupos criminosos foram desarticulados em 2017, de acordo com as secretarias estaduais de Segurança. A onda de violência, aliada à subnotificação nos registros oficiais de crimes no campo, levou a CNA a criar no ano passado um sistema permanente de monitoramento de crimes contra propriedades rurais. O levantamento mostra que 82% das ações criminosas no campo envolvem furtos e roubos e que, do total de crimes mapeados, cerca de 80% foram realizados por quadrilhas especializadas.
Apenas em Joviânia, um município de três mil habitantes do interior de Goiás, o sindicato de produtores local contabilizou, nos últimos seis meses, 39 roubos feitos por quadrilhas armadas. Levaram de tudo: adubo, sementes, máquinas, cargas de soja e feijão. O prejuízo na região foi de R$ 30 milhões. Como o efetivo policial não está preparado para enfrentar as quadrilhas, os produtores resolveram se armar: grupos equipados com pistolas e escopetas acompanham durante 24 horas a colheita da soja e do milho.
É um Brasil profundo, onde não se nota a presença das forças policiais e os bandidos se sentem à vontade para cometer os crimes. Muitas vezes, o posto policial mais próximo está a uma distância que demoraria três horas para ser percorrida e não há efetivo nem armas para enfrentar as quadrilhas. Com cargas que chegam a valer mais de R$ 500 mil, os caminhões agora passaram a só entrar e sair das fazendas escoltados por vigilantes armados.
Em uma das fazendas visitadas pela reportagem, câmeras com quatro quilômetros de alcance vasculham dois mil hectares de terra. O fazendeiro, que não quis se identificar, retirou oito trabalhadores dos afazeres do dia a dia e pôs nas mãos deles pistolas automáticas para vigiar a fazenda. Outro produtor rural de Joviânia, William Pereira Barbosa, de 51 anos, foi assaltado sete vezes. O último ataque à sua propriedade aconteceu quatro dias antes da chegada da reportagem. Os roubos têm aumentado mês a mês, em Joviânia e municípios vizinhos.
Nós não temos paz. Você deita pensando que vai ser assaltado. Eu fui roubado sete vezes em um ano e meio. Meu telefone toca às 7h da manhã e eu sei que minha fazenda foi assaltada, porque é a essa hora que os funcionários feitos reféns costumam ser libertados e conseguem fazer contato – afirmou William.
Um fazendeiro que pediu para não ser identificado foi vítima de um roubo que durou cinco horas. A propriedade foi invadida por 12 homens, que fizeram os funcionários reféns e levaram tratores, soja e adubo. Enquanto faziam a limpa no local, pediram para uma funcionária da fazenda fazer café para o grupo.
O produtor Fernando Rossi de Oliveira, de 27 anos, alerta que as quadrilhas que conhecem a realidade do campo sabem identificar insumos de alto valor, pilotam colheitadeiras e sabem manusear máquinas. Apesar de ter instalado câmeras por toda a fazenda, Rossi diz que os funcionários têm desistido de trabalhar nas propriedades rurais por medo dos crimes.
Com a explosão do problema, as secretarias de Segurança pelo país começaram a contabilizar os registros específicos de crimes cometidos contra propriedades rurais e traçar estratégias específicas de combate. Somente a Secretaria de Segurança Pública de Goiás contabilizou 1.646 roubos e 11.098 furtos a propriedades rurais em 2016 e 2017. Desse total, 2.724 ações criminosas tiveram como objetivo o furto de animais. Devido à explosão da violência no campo, o governo de Goiás criou, em janeiro de 2017, o programa Patrulha Rural Georreferenciada, que tem como principal objetivo agilizar a ação das forças policiais. No total, 22 municípios são atendidos, número que será ampliado para 60 até o fim deste ano. O governo também colocou cem viaturas fazendo patrulhamento na zona rural e implantou canais de comunicação via aplicativos de mensagens para tornar mais ágil o combate aos crimes.
Disque Denúncia Exclusivo
Em Minas Gerais, a Secretaria de Segurança registrou 50.235 furtos e 4.156 roubos a propriedades rurais nos anos de 2016 e 2017. Os principais alvos são as fazendas de café, de gado e as residências nas sedes das propriedades. No Mato Grosso, onde as quadrilhas têm como principal alvo o roubo de defensivos agrícolas e cargas de grãos, um total de 3.831 ocorrência de crimes contra propriedades rurais foram comunicadas apenas nos últimos dois anos. Por pressão do setor produtivo, a secretaria criou um disque-denúncia exclusivo para atender à população rural.
Nossas investigações mostram que muitas vezes a associação criminosa atua na região do agronegócio como um todo, não se restringindo a um estado específico. Também observamos a migração do crime urbano para áreas rurais, que passaram a ser cobiçadas pelos bandidos – explica o secretário de Segurança Pública do Mato Grosso, Gustavo Garcia.
Além disso, a associação estadual de produtores de soja vai começar a instalar chips debaixo da tampa e das embalagens de defensivos. O objetivo é identificar os receptadores dos produtos roubados e detalhar a atuação das quadrilhas. Na avaliação de Lucas Costa Beber, coordenador da comissão de defesa agrícola da Associação dos Produtores de Soja, os roubos ocorrem por encomenda.
“Nós não temos paz. Você deita pensando que vai ser assaltado. Eu fui roubado sete vezes em um ano e meio” – William Pereira Barbosa , produtor rural
Por O Globo