A vitória de Lula nas eleições sinaliza uma mudança de rota e uma maior ambição na redução de emissões por desmatamento nos próximos anos.
A 27ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP 27), que discutirá os rumos de um planeta cada vez mais ameaçado pelos impactos da emergência climática, representará uma chance de aumentar a ambição dos países para a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e reforçará a necessidade de ações urgentes de implementação para a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas.
O evento, que será realizado de 6 a 18 de novembro, em Sharm-el-Sheikh, no Egito, reunirá líderes políticos, diplomatas e negociadores de 190 países, que terão a missão de se concentrar na implementação do livro de regras do Acordo de Paris, que foi concluído no ano passado, na COP 26, em Glasgow, na Escócia.
Se em 2021 o objetivo principal era resolver as lacunas das regras do Acordo de Paris, que é o mais importante compromisso multilateral para o enfrentamento da emergência climática, a prioridade agora é trazê-las para a realidade, com uma implementação que proporcione uma ação climática ambiciosa alinhada com a meta de manter a elevação média da temperatura da Terra até 1,5°C.
De acordo com especialistas do WWF-Brasil, o Brasil não terá resultados concretos para apresentar na COP 27, já que o desmatamento, até agora fora de controle no país, é a fonte de sua principal contribuição para as emissões de GEE. Mas a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 30 de outubro sinaliza uma mudança de rota e uma maior ambição na redução de emissões por desmatamento nos próximos anos.
“Com a vitória de Lula, o governo brasileiro poderá abordar o tema das florestas, já que agora há uma perspectiva de mudança de direção na trajetória de devastação dos biomas brasileiros”, afirma Alexandre Prado, diretor de Economia Verde do WWF-Brasil. “O país poderá assumir compromissos mais ambiciosos e, eventualmente, entregar resultados de redução do desmatamento a partir de 2024″, acrescenta.
Em seu discurso logo após ter sido eleito, Lula afirmou que lutará por desmatamento zero. Com a mudança no Planalto, em janeiro de 2023, há expectativa de que o governo brasileiro volte a abordar a questão do desmatamento, sinalizando ao mundo esforço para combatê-lo.
Antes disso, a perspectiva era de que o governo brasileiro deixasse de lado o tema das florestas em Sharm-el-Sheikh, focando na questão da energia limpa, para desenvolver uma narrativa que coloca o Brasil como um grande fornecedor global. A mesma narrativa utilizada pelo governo Bolsonaro em relação à agricultura.
A sinalização de que o novo governo poderá buscar uma política de desmatamento zero é central, por ter impacto em diversos outros problemas ambientais e sociais do país, destaca Flávia Martinelli, especialista em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil.
“O desmatamento não significa apenas uma tragédia climática, mas é um problema vinculado a diversas outras violações graves de direitos humanos e devastação ambiental.”
“É indissociável da invasão de territórios indígenas, dos ataques contra os povos tradicionais, da grilagem de terras, da enorme perda de biodiversidade, do garimpo ilegal que polui os rios e de diversos outros problemas ambientais e humanitários”, diz Flávia.
Se o Brasil não fez sua “lição de casa” para a redução das emissões provenientes do desmatamento, do ponto de vista global, a ação climática também deixou a muito a desejar. No âmbito da COP 27, haverá uma pressão muito grande pela necessidade de redução de emissões provenientes de combustíveis fósseis, pois os resultados apresentados até agora estão muito aquém da urgência necessária.
Ele explica que o foco da COP 27 precisará ser o aumento da ambição em curto prazo, pois o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostrou que as emissões de GEE precisam atingir o pico na primeira metade desta década se quisermos ter chance de manter o aquecimento abaixo de 1,5°C. As emissões globais em 2025 precisam ser menores do que em 2020 e, em 2030, devem ser 43% inferiores aos níveis de 2019.
Porém, o cenário atual está muito distante disso: a implementação das contribuições nacionalmente determinadas (INDCs) atuais leva a um aumento de 16% nas emissões até 2030. Se todos os países implementarem plenamente os compromissos estabelecidos em sua primeira rodada de INDCs, as temperaturas globais poderão subir entre 2,7°C e 3,7°C somente neste século.
O evento no Egito terá discussões decisivas sobre pelo menos dois temas particularmente importantes para o Brasil: agricultura e mercado de carbono. Terá uma negociação decisória fundamental em relação à agropecuária e deverá resolver como o tema será tratado pela conferência daqui em diante nas conversações sobre mudanças climáticas.
Ele explica que, na COP 23, foi criado o Koronivia Joint Work on Agriculture (KJWA), que estabeleceu um grupo de trabalho para discutir o papel da agricultura no combate às mudanças climáticas. Esse grupo desenvolveu uma proposta de decisão para consideração e adoção pela COP 27.
O que está em jogo nesta decisão é se a Conferência irá ou não estabelecer um grupo permanente para discussão da agricultura e a forma pela qual a agricultura será adotada: se pelo ângulo da adaptação ou também da mitigação. O governo brasileiro acha que o tema deve ser tratado pelo viés da adaptação, que exclui o desmatamento.
A gestão Bolsonaro, nos últimos quatro anos, estava interessada apenas em saber como a produção de soja ou etanol vai se adaptar a um planeta mais quente. Por isso havia interesse em tratar da agricultura somente sob a perspectiva da adaptação. “Se tratássemos a agricultura sob a perspectiva da mitigação de emissões, o desmatamento entraria na conta. A adoção da agricultura pelo viés da mitigação, porém, é fundamental para o sucesso do Acordo de Paris”, afirma Prado.
“A expectativa é que, com a eleição de Lula, essa perspectiva possa mudar.”
Estima-se que a agricultura e a produção de alimentos gerem até 29% das emissões globais totais de gases de efeito estufa. Como ainda restam mais de 800 milhões de pessoas com fome no mundo e a população poderá atingir a casa dos 9-10 bilhões de pessoas em 2050, esta é uma atividade que tende a ter emissões crescentes e que precisa de uma atenção especial já que, ao contrário dos combustíveis fósseis, não pode ser substituída.
Outro tema de particular interesse para o Brasil envolve o mercado de carbono. A COP 27 terá a missão de acordar os elementos necessários para operacionalizar totalmente todo o Artigo 6o do Acordo de Paris, que trata dos mecanismos de mercado, incluindo a criação de um mercado internacional de créditos de carbono.
Estarão na mesa decisões sobre as formas de governança desses mecanismos, em especial o parágrafo 6.2, que envolve a negociação país a país, o parágrafo 6.4, que trata do mercado onde atores públicos e privados participam dos esforços de redução dos países por meio do financiamento de projetos e o artigo 6.8, que discute abordagens fora do mercado para promover mitigação e adaptação.
No atual cenário de baixa governança ambiental, com alta nos números de desmatamento, dificilmente o país atrairá projetos comprometidos com resultados. A contenção do desmatamento é um fator-chave para que o Brasil seja respeitado como um ator sério e comprometido com o tema.
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“O mercado já tem a percepção de que o crédito de carbono no Brasil tem baixíssimo valor, por não ter lastro. Se persistisse o cenário atual de desmatamento descontrolado, os créditos de carbono do Brasil se tornariam cada vez mais inconsistentes, o país dificilmente atrairia projetos comprometidos com resultados e se estabeleceria como uma espécie de lavanderia de carbono. Com a mudança de governo, esse risco é menor”, afirma Prado.
Fonte: WWF
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