Redes de varejo criam ferramentas tecnológicas que denunciam pecuaristas que promovem desmatamento para criar gado.
No final de agosto, a rede varejista Carrefour lançou sua Plataforma de Pecuária Sustentável, iniciativa que une todos os elos da cadeia no compromisso de fornecer ao consumidor final carnes não oriundas de áreas de desmatamento na Amazônia.
O foco na região se deve ao fato de 70% do abate dos três principais frigoríficos do Brasil – JBS, Marfrig e Minerva – ser proveniente desse bioma. É também uma resposta às campanhas do Greenpeace (operações Farra Boi na Amazônia, em 2009, e Carne ao Molho Madeira, em 2015), em que a ONG denuncia que parte da carne comercializada no Brasil é produzida à custa de desflorestamento.
“A ferramenta abrange o geomonitoramento e o controle de 100% da carne bovina in natura que o Carrefour comercializa no país. O objetivo é mitigar os riscos socioambientais da cadeia de fornecimento, tais como desmatamento e trabalho escravo”, diz Charles Desmartis, CEO do grupo Carrefour Brasil.
A plataforma funciona da seguinte forma: coordenadas geográficas são fixadas nas propriedades fornecedoras de gado, onde um perímetro ao entorno delas é traçado. Assim, é possível fazer a leitura via satélite da fazenda e conferir a vegetação da localidade. A Agrotools é a empresa responsável por essa etapa. No momento em que o frigorífico faz uma compra, ela cruza dados do local com listas do Ibama e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que identificam áreas de desmatamento ou embargadas, unidades de conservação e terras indígenas ou com trabalho análogo à escravidão. “Se alguma não conformidade for identificada, a ferramenta gera um alerta e automaticamente o fornecimento daquela fazenda é suspenso”, diz Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade da companhia.
O Grupo Carrefour foi a terceira rede varejista a aderir ao desmatamento zero, o que inclui desmatamento legal. Os concorrentes Pão de Açúcar e Walmart anunciaram o compromisso em abril e maio, respectivamente. “Nossos fornecedores não podem derrubar nenhuma árvore”, explica Pianez. A medida pode soar esdrúxula, mas é cabível, segundo Pedro Taques, governador de Mato Grosso, Estado com 29,2 milhões de cabeças de gado, o maior rebanho bovino do Brasil. “Temos 16 milhões de hectares de pastagem de baixa qualidade. Podemos transformar parte em área de pecuária extensiva e semi-intensiva”, diz.
Vanguarda
As Fazendas São Marcelo, com quatro propriedades localizadas em Mato Grosso (uma em Juruena, no bioma Amazônia, e três em Tangará da Serra, no bioma Cerrado), estão entre os fornecedores. Trata-se de uma ex-empresa do Grupo Carrefour que hoje pertence ao Grupo JD, da família do francês Jacques Defforey, um dos sócios fundadores da rede de supermercados. À frente de seu tempo, as Fazendas São Marcelo tinham a ferramenta de monitoramento antes mesmo do Carrefour desenvolver a sua. Elas foram as primeiras propriedades voltadas à pecuária no mundo a conseguir a certificação Rainforest Alliance, em 2012. O selo atesta que a produção é ecologicamente correta, com baixo impacto à biodiversidade e respeito às leis trabalhistas.
Para obter a chancela da Rainforest Alliance, as fazendas precisaram atender a 136 requisitos. “Quem segue a legislação brasileira precisa ajustar pouca coisa. A maior dificuldade foi a sistematização da documentação de alguns programas que fazemos, mas não tínhamos o relatório nos moldes que eles exigem”, diz Leone Furlanetto, gerente da São Marcelo. A facilidade se deve ao know how de 15 anos em certificações. As fazendas também têm o selo de Bem-Estar Animal, concedido pela Ecocert Brasil, e o Mato Grosso Certified, outorgado pelo Instituto Mato-Grossense de Carne (Imac). Em média, as certificações agregam 4% ao valor da arroba vendida.
As propriedades que formam a São Marcelo somam uma área de 31.000 hectares e são dedicadas à produção de gado nelore e angus. A unidade de Juruena é voltada à reprodução e cria, já as fazendas de Tangará da Serra são destinadas à recria e terminação. Parte dos animais é criada no sistema extensivo, parte em pastos rotacionados, mas ambos vão para o confinamento nos últimos 100 dias. Em média, o gado é abatido com 20 meses, pesando 20 arrobas.
Genética de ponta é o pilar da empresa. “Hoje, temos 70% de nossas novilhas prenhes com 14 meses”, diz Arnaldo Eijsink, diretor do Grupo JD. Em Tangará da Serra, a taxa de ocupação (cabeça por hectare) saltou de 1,91, em 2012, para 3,47, no ano passado. “Provamos que é possível produzir mais sem desmatar. Saímos de uma produção de 4 mil animais por ano para 40 mil em pouco tempo”, finaliza o diretor.
*A repórter viajou a convite do Carrefour.
POR LÍVIA ANDRADE, DE TANGARÁ DA SERRA (MT)