O economista Eduardo Grabowsky, um dos donos da Luxor Agro, reuniu um time de gestores disruptivos para tornar suas fazendas um canteiro de inovações
Da Universidade de Stanford, em Palo Alto, na Califórnia, uma das instituições de ensino mais prestigiadas do mundo, para as fazendas de Mato Grosso, a cerca de 450 quilômetros de Cuiabá, na região de Pontes e Lacerda, município quase todo dentro do bioma Amazônia – com um tantinho no Cerrado –, no chamado Vale do Guaporé, onde a pecuária reina nas terras férteis e no qual a agricultura avança.
Esse foi o caminho percorrido pelo economista Eduardo Ribas Grabowsky, 39 anos, que há dois anos comanda o Grupo Luxor, com sede na cidade do Rio de Janeiro, investidor em empresas de tecnologia, como Google e Amazon, ou de venture capital, como na Tribe e Alice, uma healthtech que faz gestão de saúde.
A pecuária não é um negócio novo na família. Começou nos anos 1970, quando o avô, Walter Ribas – fundador da rede Luxor de hotéis, vendida em 2007 –, foi para o Centro- Oeste em busca de terras. Mas, é cada vez mais uma jornada de renovação em busca da diversidade, do cuidado com a natureza, da integração de relações humanas e do reposicionamento do negócio.
“A gente não quer só dar sequência a um projeto, a gente quer ser referência no que acredita ser o futuro do agronegócio”, diz Grabowsky.
As três fazendas da Luxor Agro, que juntas somam 24 mil hectares (equivalentes a 29.090 campos de futebol), hoje são um “canteiro de obras” para sair de um sistema que gera R$ 900 por hectare-ano para algo próximo de R$ 4 mil por hectare-ano. As ferramentas dessa engenharia financeira para produzir em equilíbrio com a natureza já estão sendo usadas e metrificadas há duas safras e atendem pelos nomes de ILP (integração lavoura-pecuária), mais os sistemas em construção, que são a ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta) e a agrofloresta, tudo isso baseado na pecuária e na agricultura regenerativas.
A Luxor Agro é um exemplo do que vem ocorrendo em fazendas nas quais dois movimentos se encontram: a mudança de geração e a mudança na estratégia de administração. No caso, os ensinamentos aprendidos em Stanford estão impregnados no atual “modus operandi”, que substituiu o conceito de “captura de valor” por “criação de valor”.
“Mudar para contribuir com um novo tempo do agro do Brasil, com uma energia nova, um jeito novo de pensar a organização, o time, a informação, a tecnologia e, por consequência, a estratégia”, diz Grabowsky. “De não sermos produtores em um modelo tradicional extrativista, mas parte de um sistema que consegue trazer o que há de mais moderno no mundo da produção. Apesar de estarmos em Mato Grosso, que pode parecer distante, a gente quer estar perto do mundo.”
Canteiro de obras regenerativas
Da área total das propriedades, 16 mil hectares estão abertos para produção. O restante são florestas e matas intocadas. Por ano, saem cerca de 10 mil a 15 mil bovinos prontos para o abate, de criação própria e comprados de terceiros, que são recriados no pasto com engorda final confinada.
Em uma das propriedades, a produção de bezerros tem como base um rebanho de 800 fêmeas da raça nelore. As lavouras estão em 2.500 hectares com soja, mais milho na segunda safra e capim para o gado como terceira safra. A meta é ter entre 8 mil e 10 mil hectares de lavouras em plantio direto, casadas com os sistemas integrados de produção.
“Hoje nos enxergamos como operadores de agronegócio. Isso envolve agricultura, pecuária, agrofloresta e café. E aí mudamos o nosso portfólio completamente”, afirma Grabowsky. Além da agropecuária em Mato Grosso, o grupo produz 3.500 sacas de café em Minas Gerais, no município de Careaçu, 350 quilômetros ao sul de Belo Horizonte rumo a São Paulo. O plano é triplicar o volume de grãos nos próximos dois anos, mudando o modelo de cultivo, com produção total em agrofloresta.
Da parte já integrada ao sistema sai o café vendido como especial diretamente à Coffee Quest, uma importadora holandesa que paga um prêmio pelo grão. Os cafés de qualidade, mas que ainda estão fora da agrofloresta – chamados de commodities finas –, são entregues às cooperativas. Uma terceira parte, os cafés commodities, são vendidos para as torrefadoras.
Para montar o pacote de tecnologias destinado às fazendas de Mato Grosso, Grabowsky investiu em dois pilares: uma nova equipe de gestores, em linha com o projeto, e muita ciência para embasar as modificações em curso. Estão no time o economista Antonio Azevedo, também uma cria da Universidade de Stanford, como diretor administrativo do grupo, e o engenheiro civil Daniel Baeta, o CEO da Luxor Agro.
Na outra ponta estão o norte-americano Savory Institute, com sede em Boulder, no Colorado, fundado pelo biólogo africano Allan Savory, e a Preta Terra, hub agroflorestal criado pelos engenheiros florestais Valter Ziantoni e Paula Costa, e que reúne 26 parceiros, entre eles a Fazenda da Toca, do empresário Pedro Paulo Diniz, um dos maiores projetos que estudam a produção de orgânicos em larga escala.
“O agro é parte da solução quando você pratica uma sustentabilidade que regenera a terra e devolve vida ao solo”, diz Azevedo. Para o executivo, a construção do atual modelo precisa de retorno econômico, mas também de impactos sociais e ambientais positivos. “O impacto inspiracional nas equipes é fundamental para o negócio”, afirma Azevedo.
Nos últimos dois anos foram investidos R$ 20 milhões em estruturas das propriedades que vão além do ferramental: uma das primeiras providências foi a construção de novas casas. A atual equipe tem 60 funcionários, entre peões e gerentes.
“Desde sempre tivemos muito cuidado em estarmos íntegros minha chegada ao Grupo Luxor, marcada por uma transição geracional, é também uma transição do jeito de enxergar o mundo”, conta Grabowsky.
“Meu avô tinha um espírito aventureiro, era uma pessoa apaixonada pelo Brasil. Então, nossa primeira fase no agronegócio foi motivada por esse espírito desbravador, quando o Mato Grosso ainda era um lugar absolutamente hostil, complexo de acessar e exótico, e a tarefa era transformar essas fazendas em alguma coisa habitável.” Ele conta que entre as principais lembranças está uma fala do avô, dizendo: “Olha, isso aqui é o futuro, essas terras são muito baratas”.
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Para Grabowsky, o futuro já chegou – e a história a ser construída agora é outra. Na época em que o Centro- Oeste foi desbravado, por meio de incentivos do governo para povoar a região, o custo de aquisição das terras era basicamente o custo da regularização e da marcação de fronteiras. Esse tempo acabou, embora haja muito a ser feito.
“Apesar de estarmos em uma região pouco sofisticada em educação, o que nos perguntamos sempre é: como trazer para dentro da fazenda o pensamento que está na vanguarda do agro negócio e da gestão? Porque a Luxor é uma empresa de investimentos. Então, encontrar uma maneira de trazer esses elementos para o agro tem sido grande parte desse marco atual da nossa trajetória”, afirma Grabowsky.
O mineiro Daniel Baeta, 32 anos, foi outra peça-chave nessa virada. Os dois se conheceram há quatro anos, quando Baeta foi convidado para o cargo de CEO com a condição de responder sim ou não depois de conhecer as fazendas.
“Voltei animado e falei: Eduardo, adorei a ideia e topo entrar nisso com você, mas tem um problema: eu não entendo de agronegócio e de fazenda, sou engenheiro”, conta Baeta. “Ele me falou que era exatamente isso que queria.” Baeta aceitou o cargo e por dois anos fez o que chama de “serviço militar”.
A única agenda obrigatória era um call semanal com Grabowsky, no qual eles desenharam o que acreditam ser o “projeto da melhor empresa de agronegócio do Brasil”. E assim foi feito. “Eu praticamente me mudei para a fazenda, passei um ano imerso para entender a lógica do mercado e o dia a dia operacional do negócio de pecuária que a gente tinha”, diz o engenheiro.
Depois foi mais um ano viajando pelo Brasil, período em que o executivo conheceu cerca de 30 operações de fazendas pequenas e grandes. Além da Fazenda da Toca, Baeta cita como exemplos positivos a Agropecuária Fazenda Brasil, em Barra do Garças, que tem um dos trabalhos mais sofisticados em gestão de animais confinados; a Pecsa (Pecuária Sustentável da Amazônia), em Alta Floresta, também em Mato Grosso, que faz gestão de fazendas, e a SLC Agrícola, que pertence à família gaúcha Logemann, um dos maiores grupos agrícolas do país, com 27 fazendas para o cultivo de algodão, soja e milho.
Baeta diz olhar com admiração o trabalho que é referência como benchmark de eficiência operacional, com acesso ao mercado de capitais via IPO – o que é importante para conseguir escalar o negócio.
“Praticamente, o nosso time inteiro hoje é composto por pessoas que conheci nesse período”, declara Baeta, que considera sua formatura a participação em um seminário de agribusiness na Universidade de Harvard, em 2020. “Foi onde de fato percebi que o resto do mundo é uma via de oportunidade para o agronegócio brasileiro. Essa enorme potência agrícola e ambiental é a base da nossa tese de investimento.”
Mãos à obra para sustentar a natureza
Os investimentos na melhoria das terras da Luxor passam pela implantação das teorias pregadas pelo Instituto Savory. No ano passado foram realizadas várias reuniões online, mas neste ano as reuniões presenciais entre técnicos norte-americanos e os da fazenda já estão
em andamento.
Allan Savory, hoje com 86 anos, é um ecologista que nasceu no Zimbábue, onde foi pecuarista e agricultor. Tornou-se consultor e montou seu instituto nos Estados Unidos quando já era famoso por suas teses. A principal delas é que o pastejo correto dos bovinos, feito rapidamente e de forma intensa em uma determinada área de capim, ajuda a barrar a desertificação do planeta, justamente o contrário do senso comum.
Savory diz que o pastoreio de gado não está na base do que ele chama de “paisagens frágeis”. Uma de suas palestras, animais famosa realizada em 2013 na plataforma TED, intitulada “Como combater a desertificação e reverter as mudanças climáticas”, tem atualmente 4,9 milhões de visualizações.
A mais recente aparição de Savory foi na COP 26, realizada na Escócia em novembro passado. “Enquanto o mundo discute, os agricultores produzem comida com base nas ciências biológicas”, disse ele. “Tudo o que produzimos não é auto-organizado; isso significa que, se pararmos de produzir, uma peça se quebra.”
Para os seguidores de “sir Allan”, como é chamado, suas ideias como cientista que estuda a ecologia do pastoreio poderiam mudar completamente o mundo nas próximas décadas. Hoje, 12 milhões de hectares em fazendas de todo o mundo são manejados segundo suas teorias.
A Luxor, que faz parte dessa conta, já implantou 800 hectares de corredores ecológicos nas áreas de pastagens. Eles ligam as áreas de reserva em uma das fazendas que tem 12 mil hectares. Em outra área, de 1.200 hectares, está o projeto Pasto Vivo. Nela, há espaço para a integração lavoura-pecuária e agrofloresta com plantio de castanhas, como baru e caju, além de espécies madeireiras, como a aroeira e a macaúba.
O design dessa área está com a Preta Terra, que acredita na produção de boi em agrofloresta. “A gente começou a fazer isso olhando para a modularidade, escalabilidade e elasticidade dos sistemas. Essas palavras são chaves”, diz Valter Ziantoni, diretor do hub e especialista pela Bangor University, no país de Gales, com tese de mestrado desenvolvida no Lago Tanganyika, na Zâmbia.
“As transições não acontecem de maneira abrupta – por exemplo, de uma monocultura para sistemas florestais”, afirma Paula Costa, que também é bióloga. Mas os resultados vão aparecendo à medida que o modelo de produção das fazendas começa a se estruturar. A Luxor acredita que dentro dos próximos sete a dez anos o projeto estará completo e no ápice da eficiência ambiental. “Ter uma árvore na fazenda corresponde a um crédito de carbono, ou seja, 1 tonelada de CO2 equivalente”, diz Paula. O projeto é justamente esse, criar as bases para atuar no mercado de carbono.
O Pasto Vivo reúne as expertises da Preta Terra, do Instituto Savory e da Embrapa Solos, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária no Rio de Janeiro, para mensurar os serviços ecossistêmicos no solo que vão desaguar em uma futura remuneração por serviços ambientais, como o sequestro de carbono, além de melhorias por meio da manutenção, proteção e conservação do solo, retenção de mais água na terra e a estabilização da biodiversidade local.
Não por acaso, as mudanças nas fazendas da Luxor começaram pelo mapeamento dos recursos hídricos e de como preservá-los. “Nas áreas de pecuária, o primeiro passo foi cercar 100% do acesso aos recursos hídricos. E levar água encanada para o consumo animal”, diz Baeta. “A gente espera, com isso, melhorar rapidamente a eficiência de produção. Uma estimativa de 30% a mais, só pela mudança da qualidade da água.”
Em meados de janeiro, a Luxor Agro anunciou a entrada em seu portfólio da Trailhead Capital, fundo de startups de agricultura regenerativa também sediada em Boulder, nos EUA. Foi o primeiro investimento internacional do fundo, por meio da Gaia Ventures, criado para investimentos em agtechs da empresa que variam de US$ 50 mil a US$ 250 mil.
Atualmente, o fundo conta com um orçamento de US$ 4 milhões. Esse tipo de investimento, para Grabowsky, é muito diferente do que o grupo realiza de modo geral.
“Como grupo, investimos em casos que admiramos e acreditamos em construir valor, mas não ocupamos lugar de empresário”, diz ele. “O agro é um lugar onde ocupamos o espaço de investidor e empresário, justamente porque estamos empresariando essa atividade. A gente acredita que o agro é um lugar capaz de gerar muito valor, pela vantagem competitiva muito clara e absolutamente descorrelacionada de crescimento econômico ou crise política. Essas condições de vantagem são nossas e ninguém nos tira.”
Fonte: Forbes