Exemplo de produção com sustentabilidade e rentabilidade, criatório de origem paulista é destaque no campo, na pista e em genética animal quando o assunto é Nelore PO
Por André Casagrande – Uma das pioneiras na introdução da Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) e da fertilização in vitro (FIV) no Brasil, a Carpa Serrana é referência nacional em seleção de elite em Nelore PO. “Nossa seleção busca animais produtivos, de grande desempenho frigorífico, sem perder as características raciais. O gado comercial, como determina o lema da Carpa, é 100% Nelore”, afirma Eduardo Biagi, titular da Carpa Serrana.
A história da formação e da consagração do plantel Carpa Serrana teve sua origem na Fazenda Fazendinha, em Serrana (SP), propriedade do interior paulista, onde estão 600 animais PO focados na seleção de elite (pista de julgamento). Contando as receptoras, esse número sobe para 1,1 mil cabeças.
O titular da marca lembra que as primeiras matrizes Nelore foram registradas na Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) em 1971, ano que o Livro Aberto do banco zootécnico da entidade foi finalizado. “Quem apartou o gado foi Adir do Carmo Leonel e o técnico que aplicou a marca no gado foi o saudoso Rômulo Kardec de Camargos. Em 1972 o rebanho de seleção foi confiado ao dr. Fausto Pereira Lima”, conta Duda Biagi, como é conhecido.
De acordo com o empresário, a evolução era uma questão de tempo e, com menos de cinco anos de seleção, o criatório já teve o primeiro reprodutor escalado para a bateria de touros da primeira indústria de sêmen do Brasil. A Central era a Lagoa da Serra e o animal, Boletim da Fazendinha.
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“A Carpa foi uma das pioneiras na utilização de inseminação artificial (IA) e a primeira a conseguir realizar uma transferência de embriões no Brasil com material genético trazido da Alemanha”, informa o empresário, lembrando que, à época, o procedimento foi executado na Fazendinha pelo dr. Valter Becker; Pouco depois desse feito, um amplo programa de transferência de embriões (TE) foi estruturado a partir de 1990.
O empresário: Duda Biagi
Paralelamente à evolução do criatório, o titular da Carpa também construía uma caminhada sólida na pecuária nacional. Em 1975, Duda Biagi assumiu a presidência da Lagoa da Serra, permanecendo no cargo por cinco anos. E não parou por aí. Como presidente da Associação Nacional de Criadores e Pesquisadores (ANCP), contribuiu para o avanço e a consolidação do programa de melhoramento genético do instituto.
Constam ainda em seu currículo a presidência da Associação de Criadores de Nelore do Brasil (ACNB), entre 1993 e 1995, período em que o empresário liderou as ações da diretoria que criou o Ranking da Raça Nelore e Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), de 2011-2013, fortaleceu o Programa de Melhoramento do Gado Zebuíno (PMGZ), o registro genealógico, além de conduzir à conquista do ISO 14001, elevando o nome da entidade em nível internacional e integrando, ao lado de líderes mundiais, painéis dentro de eventos importantes, como a COP 20, por exemplo.
Expansão da Carpa Serrana
Com a evolução dos negócios, o empresário deu continuidade às ações de expansão das atividades do criatório. Em 1985, as terras de Mato Grosso foram incorporadas ao projeto da Carpa Serrana, com a aquisição da Fazenda São Luiz, no município de Barra do Garças, onde foi iniciado o trabalho de cria, recria e engorda. “Dois anos depois, as terras da fazenda vizinha, a Rio Pindaíba, e, posteriormente, as da Cibrapa foram anexadas para a formação da unidade do Centro-Oeste, para onde foi transferida parte do plantel registrado da Fazendinha”, relata.
Segundo o titular da marca, na Cibrapa, o núcleo PO trabalha com 1.000 matrizes e 600 receptoras de FIV, técnica na qual a Carpa também é percursora no Brasil. A empresa comercializada por volta de 400 touros/ano, após deixarem produção no rebanho comercial, por volta de três anos, quando já trabalharam em uma estação de monta. “É uma forma de testá-los e dar garantia de qualidade aos clientes”, explica Duda Biagi, acrescentando que o processo de seleção busca animais produtivos, de grande desempenho frigorífico, sem perder as características raciais. “O gado comercial, como determina o lema da Carpa, é 100% Nelore.”
As atividades e o processo de expansão não param. A fazenda Cibrapa, que trabalha também com integração lavoura-pecuária (ILP), deve totalizar, até 2022, 4,4 mil hectares de soja e 10,6 mil hectares de pastagens, para 13 mil vacas em reprodução e um rebanho, de mamando a caducando, composto por 28 mil cabeças.
“Precursora dos estudos desenvolvidos a partir da análise de carcaças, a Carpa confere os resultados da sua produção em abates técnicos que vêm sendo realizados desde 1995. Em um único triênio foram abatidos 1.000 garrotes e 94,7% de suas carcaças obtiveram padrão cota Hilton”, comenta Duda Biagi, enfatizando que a Cibrapa é uma das maiores referências da pecuária sustentável e economicamente viável da região Centro-Oeste.
A Carpa Serrana é exemplo de produção com preservação ambiental.
Áreas de reserva legal e APP ocupam 45,77% dos 25.865 hectares. Projetos como esse, de crescimento vertical da produção, evitaram que 270 milhões de hectares fossem desmatados nos últimos 10 anos e ainda devolveram 30 milhões de hectares para outras atividades ou regeneração da flora. “Esses dados estão no levantamento do Rally da Pecuária, durante a etapa do Mato Grosso”, ressalta Biagi.
Outro ponto destacado pelo empresário está relacionado à adoção dos sistemas de integração lavoura pecuária floresta (ILPF) e integração lavoura pecuária (ILF) que, segundo Biagi, é ‘quando o pecuarista vira agricultor’. “A integração mudou os números da fazenda e foi uma grande aliada para a pecuária vencer os desafios do clima no Mato Grosso”, reforça.
No último levantamento da Embrapa, divulgado há dois anos, os sistemas de ILP e ILPF ocupavam quase 12 milhões de hectares no Brasil. Na Cibrapa, mais de 3 mil hectares são manejados com a integração e o revezamento é feito com soja e capim (mombaça e Brachiaria ruzizienses). Segundo o empresário, o pasto que vem na palhada do grão com vigor impressionante tem capacidade de suporte para receber toda a recria do rebanho e produzir volumoso suficiente para que sejam preparadas 13 mil toneladas de silagem e 1,5 mil toneladas de feno.
O sistema que há 11 anos foi adotado pela Carpa com o objetivo de promover a renovação das pastagens ganhou relevância e um papel de destaque na fazenda. “Quem sobrevoa ou chega pela estrada principal logo vê o gigante prateado que foi inaugurado no início desse ano. O complexo de armazenagem de soja com três silos, tem capacidade para 300 toneladas”, destaca o empresário.
Plantel gigante
De acordo com o pecuarista, as matrizes do núcleo PO da Carpa carregam uma carga genética que há meio século é melhorada com muito critério. “O conhecimento técnico e a sensibilidade sempre orientaram os passos da equipe em uma trilha de equilíbrio para cuidar do padrão racial do Nelore e privilegiar a ciência das avaliações.”
Já o rebanho comercial da Carpa, com 10 mil matrizes, também carrega a mesma carga genética do plantel de seleção. “As mães Carpa, sejam PO ou ‘cara limpa’, são padronizadas e altamente produtivas demonstrando eficiência e habilidade materna para fazer touros ou parir bezerros uniformes”, acrescenta Duda Biagi.
Em relação aos touros Carpa, o pesquisador e grande conhecedor das raças zebuínas, dr. Fausto Pereira Lima, um dos primeiros técnicos a orientar a seleção Carpa, ressalta as características necessárias para um gado comercial de sucesso. “O boi tem que ser produtor de carne; se ele não tiver essa qualidade, só vai servir para tração”, argumenta. Quanto ao boi da Carpa, ele garante que é carnudo. “Muitos sinais de produção e de qualidade zootécnica podem ser identificados só com a técnica visual”. De acordo com o profissional, todo mundo que trabalha com seleção de gado deveria “assistir à matança no frigorífico, para ver o animal na fazenda e, depois, acompanhá-lo no abate e ter a certeza do que realmente é importante”, enfatiza.
O criatório promove o Leilão Mega Anual Carpa, evento que comercializa o maior volume de bezerros de um só criador em todo o calendário de leilões do País, seguindo um padrão “linha fina”, observando a importância de que bezerros de corte de qualidade são um dos principais insumos da pecuária eficiente.
A valorização por cabeça e por quilo de bezerro é sempre uma das melhores entre as ofertas do mercado. Na última edição do leilão, por exemplo, foram comercializados 3.036 bezerros de corte, atingindo os R$ 3.627,58 e R$ 13,58/kg, em média, por animal. De acordo com Duda Biagi, os bezerros Carpa são comercializados com médias de 8,5 a 9 arrobas e atingem fácil o peso de 24 arrobas aos 24 meses. “O manejo e as certificações certas podem conduzir os produtos com genética Carpa para o caminho das exportações”, explica o pecuarista.
Obstáculos
Ao lembrar do caminho percorrido, o pecuarista diz que, no começo do negócio, houve muita rejeição em relação à qualidade do Nelore e que, por vários momentos, isso foi colocado em xeque por pecuaristas de todos País. “Mostrar as qualidades que o Nelore tinha como produtor de carne, que eram desconhecidas, tornou-se o nosso principal objetivo e daí veio o lema Carpa, 100% Nelore”, comenta o empresário. “Além dessa questão de mercado, enfrentamos todas as dificuldades normais que um empreendedor em qualquer negócio precisa encarar em um país como Brasil, em que a tributação, a burocracia e a legislação impõem”, diz Duda Biagi.
Na visão do empresário, para conseguir contornar todos os obstáculos relacionados à atividade, é fundamental a formação e a composição da equipe de trabalho. “Precisamos definir com bastante critério e escolher as pessoas certas para cada responsabilidade, tratar bem a equipe e remunerar de forma justa os profissionais para manter o comprometimento de todos na relação corporativa”, enfatiza. “O time da Carpa é enxuto e funcional.”
Para ele, outro ponto importante é buscar a consultoria de assessores preparados e estar aberto ao aprendizado, às mudanças e às críticas técnicas. “O negócio pecuário é sujeito a muitas variáveis e tem um elevado nível de complexidade para ser economicamente viável. A criação e a pecuária comercial têm muito mais complexidade hoje do que no passado quando se comprava e cercava a terra e colocava um capataz tomando conta esperando o boi chegar ao ponto de abate”, ilustra.
Porém, ainda assim, algumas coisas fogem ao controle e outras apenas são consideradas pelo pecuarista como um “deslize” de gestão, mas é vida que segue. “Um erro que reputo no passado e faria diferente foi o de ter trocado a marca do criatório”, diz Duda Biagi. Nesse sentido, ele lembra que a Fazenda Fazendinha teve um histórico fundamental na produção e identificação de animais de exceção da raça Nelore e no senso comum esse crédito atualmente não é direcionado ao projeto da Carpa Serrana, que foi a sequência natural. “Poucas pessoas sabem, por exemplo, que Gaorina da Fazendinha, doadora de destaque que deixou mais de 200 filhos na seleção Jatobá e formou sozinha um time de pista inteiro é da nossa genética. Eu teria repensado sobre manter o sufixo Fazendinha, fundado por meu pai, Baldino Biagi”, reflete o selecionador.
Política
Sobre o papel das instituições governamentais em relação às melhorias e investimentos no segmento da pecuária, o criador acredita que elas tanto ajudam quanto atrapalham e que um dos grandes problemas nesse sentido é a burocracia. “Em certa ocasião fizemos um levantamento sobre as taxas no Mato Grosso e registramos que ao vender uma carga fechada de animais era necessário cumprir vários processos, pagar mais de 17 taxas, entre impostos federal, estadual, de circulação e na nota fiscal que era emitida na coletoria”, detalha. “Mas também tem hora que as instituições ajudam o setor, como no caso da Embrapa, por exemplo, e da ABCZ, que desenvolvem pesquisas, transferem conhecimento, orientam a seleção e ensinam o criador a fazer melhoramento genético. Tem o serviço ruim e tem o bom”, pondera o empresário.
Ele destaca também as associações de classe e a importância que elas representam quando cumprem seu papel com eficiência. “Como um exemplo, volto à ABCZ, que faz um serviço muito positivo, desde a sua origem, há cerca de um século. Sem tirar o mérito do pioneirismo dos importadores, a entidade partiu de um gado sem definição de raças, sem perspectivas e orientou um trabalhou que resultou no desenvolvimento de todos os zebuínos, principalmente do Nelore que é a base da pecuária brasileira. Analisando no tempo, esse trabalho todo foi e é espetacular”, reforça Duda Biagi.
Aprendizado durante décadas
Como selecionador consolidado na prateleira de cima da pecuária nacional, Duda Biagi sabe que, para atingir esse patamar, além dos esforços, pesquisas, administração e equipes, absorver conhecimento e colocá-lo em prática é fundamental para se chegar ao sucesso.
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“Aprendi cedo que a raça pura é garantia da transmissão das suas qualidades. Para ter a heterose e todos os ganhos de um cruzamento, a base precisa ser a raça pura. Se o pecuarista pegar um animal Nelore selecionado e puro, e colocar um da raça Brahman, do mesmo nível, ele terá uma vantagem grande na primeira geração, mas também vai gerar uma desvantagem na seleção do seu gado. Buscar a pureza racial e o melhor resultado zootécnico que ela pode ter na bovinocultura é a essência do trabalho de criação”, explana o criador.
Ele acrescenta ainda que, criar com foco e selecionar é priorizar a pureza racial, é valorizar atributos de produtividade e buscar fixar características desejáveis como bons aprumos, fertilidade, habilidade materna, precocidade, desempenho produtivo e reprodutivo. “Só se faz cruzamento a partir de raça pura e na Carpa fazemos cruzamento do Nelore bom com o Nelore bom”, arremata o selecionador.