Cinco culturas ocupam 70% da área agrícola do país; estudo inédito constata que a produção agrícola brasileira tem forte concentração em poucas culturas
Em um estudo inédito, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) constata que a produção agrícola brasileira tem forte concentração em poucas culturas. A pesquisa “Produção de Alimentos no Brasil: Geografia, Cronologia e Evolução” analisou o período entre 1985 e 2017. Em todos os anos avaliados no levantamento, cinco itens – arroz, cana-de-açúcar, feijão, milho e soja – ocuparam, sempre, ao menos 70% da área total de cultivo no país.
Nos anos 2000, a soja ganhou papel de destaque e ultrapassou o milho como a principal cultura agrícola brasileira. Em 2017, a oleaginosa ocupava 43,2% da área, seguida pelo milho, com 22,5%. Cana-de-açúcar (13%), feijão (3,9%) e arroz (2,6%) completam a lista principal.
O estudo relata a evolução da fronteira agrícola nas últimas décadas, passando de um crescimento de pastagens entre 1985 e 2006 para uma forte expansão das áreas agrícolas no período mais recente.
A expansão de áreas de agricultura foi maior do que a de pastagens em 54,9% das 558 microrregiões (grupo de municípios definido pelo IBGE) do país entre 2006 e 2017, enquanto o crescimento das áreas de pastagem foi superior em 29,3% das microrregiões. A expansão das áreas de floresta foi maior em apenas 15,8% das áreas nesse período.
Em 2017, a área ocupada pela agricultura era de 78,7 milhões de hectares, aumento de 26% em relação a 2006 e de 39% em relação a 1988. Já a produção cresceu 57% em comparação com 2006 e 85% se comparada com a colheita de 1988.
“De forma geral, o aumento da produção foi duas vezes maior do que a expansão das áreas produtivas entre os anos 1988 e 2017, indicando ganhos de produtividade no período”, constata o estudo. “Essa grande expansão da agricultura pode ser explicada, entre outros fatores, pelo aumento das áreas de cana-de-açúcar na região Sudeste e das áreas de soja no Centro-Sul”, diz Vinicius Guidotti de Faria, coordenador de Geoprocessamento do Imaflora.
O forte crescimento da demanda internacional por commodities puxou o aumento da produção brasileira no período analisado. O volume da produção de soja cresceu 536% e a área, 221%. No caso do milho, a produção aumentou 295% e a área, 32%. E, na cana-de-açúcar, a produção cresceu 194% e a área, 145%.
Já no caso do arroz, a área de produção diminuiu 67%, mas a produção aumentou 5,5%. Movimento similar ocorreu com o café, que perdeu 40% de sua área de cultivo, mas que, com ganhos de produtividade, teve aumento de produção de 96%.
“Embora algumas culturas apresentem processos bastante dinâmicos e heterogêneos, outras, em especial a soja, demonstram que o aumento de produtividade não evitou o processo de expansão, ocasionando um fenômeno chamado ‘efeito rebote’, quando o aumento de produção causado pela intensificação gera uma busca por novas áreas, ao invés da permanência na área original, conhecido como ‘efeito poupa-terra'”, diz o Imaflora.
Em 2017, a cultura da soja prevalecia em 27,6% das microrregiões do país, o feijão, em 6,9%, e o arroz, em 3,8%. A despeito da concentração, a produção de outras culturas, em menor escala, permanece. “As áreas especializadas na produção de soja, milho e cana-de-açúcar são bastante nítidas no país. Mas não podemos afirmar que a expansão dessas grandes commodities reduziu a variedade de culturas em escala regional. No geral, a produção agrícola do país não perdeu em quantidade e em diversidade, mas observou uma mudança na forma de se produzir, com aumento da produtividade e da área de algumas culturas”, explica Guidotti.
Por outro lado, de acordo com o estudo do Imaflora, a concentração em culturas de exportação foi diretamente responsável pela redução do número de estabelecimentos agropecuários e pelo aumento da área média das propriedades. Entre 2006 e 2017, o número de estabelecimentos diminuiu 2% no país. Já a área média dos estabelecimentos passou de 64,5 hectares em 2006 para 69,2 hectares em 2017, um aumento de 7,4%.
“Ao olharmos o Brasil como um todo, essas mudanças parecem pequenas, mas o fato é que as mudanças foram bastante acentuadas em algumas regiões”, diz Guidotti.
No Sul do país, o número de estabelecimentos diminuiu 15,2% e área média das propriedades aumentou 21%, indicando uma forte concentração produtiva na região. “Esse fenômeno pode ser explicado pela crescente complexidade da gestão da atividade agrícola e o alto custo de tecnologias que, ao lado de outros fatores, têm levado parte considerável dos pequenos produtores e produtores familiares a desistir da atividade agropecuária”, completou.
O efeito é mais intenso na agricultura familiar, que perdeu quase 500 mil estabelecimentos de 2006 a 2017, passando de 84% do total para 77%. Desde 2006, uma pequena parcela de grandes estabelecimentos ocupa mais da metade da área agropecuária brasileira. “Seria preciso repensar a agricultura no Brasil para termos avanços nos próximos 30 ou 40 anos que tenham como objetivo a produção de alimentos e a melhoria no meio rural, com efeitos positivos do ponto de vista econômico e social”, afirma Guidotti.
“Essa configuração do rural brasileiro, que acaba pressionando pequenos agricultores a expandirem suas áreas e tecnificarem seus cultivos para que a produção seja rentável, requer a construção de novas políticas públicas voltadas a essa população rural – com o incentivo para a inserção de jovens no campo e a valorização da agricultura em pequena escala, por exemplo”, diz Ana Chamma, pesquisadora do Grupo de Políticas Públicas (GPP) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e uma das autoras do estudo.
Com informações do Valor Econômico