Nesse artigo, discutiremos como potencializar a criação de bezerros através de técnicas incorporadas à estação de monta.
O Brasil compreende seis biomas – Amazônia, Cerrado, Pampa, Pantanal, Caatinga e Mata Atlântica – e têm um clima quente e úmido o ano todo, com chuvas pesadas e florestas tropicais abundantes. Assim, é comum concentrar a reprodução do rebanho durante os meses de primavera e verão, quando há maior disponibilidade de forragem. Consequentemente, o parto ocorre na primavera, quando é mais seco, o que resulta em menores desafios com parasitas e doenças infecciosas para os bezerros.
O uso de uma estação de reprodução definida melhora a eficiência reprodutiva e produtiva dos sistemas de cria nos trópicos. Independente da particularidade de cada região brasileira, para você que iniciou ou vai iniciar a estação de monta, existem estratégias que podem elevar a performance da cria. Nesse artigo, discutiremos como potencializar a criação de bezerros através de técnicas incorporadas à estação de monta.
A eficiência produtiva em fazendas de cria está diretamente vinculada à produção de bezerros. A eficiência reprodutiva, por sua vez, pode ser definida como a habilidade de fazer a vaca se tornar gestante após o parto o mais rápido e com o menor número de serviços possível. A reprodução ineficiente reduz a produtividade por diminuir o número de bezerros disponíveis para a produção de carne e para a reposição das matrizes, além de aumentar os custos com tratamentos reprodutivos.
Além disso, é importante agregar valor ao produto, visando não apenas a quantidade de bezerros, mas também a qualidade e o potencial produtivo dos animais. Dessa forma é possível aumentar índices mais acurados de produtividade, como por exemplo kg de bezerro desmamado/matriz/ano. Nesse contexto, para elevar o desempenho produtivo do sistema de cria, o produtor deve estabelecer um programa reprodutivo eficiente para o rebanho.
Após o parto, as vacas passam por um período denominado anestro, em que não manifestam cio, impedindo que uma nova gestação seja estabelecida no pós-parto recente. Vacas criadas em pasto em condições tropicais, como é o caso da maior parte do rebanho brasileiro, possuem alta incidência de anestro pós-parto, o que resulta em aumento do intervalo entre partos (IEP) e, consequentemente, redução do desempenho reprodutivo. A fim de contornar essa situação comum nas propriedades brasileiras, têm sido cada vez mais utilizados os protocolos reprodutivos, pois, auxiliam a retomada da ciclicidade. A reprodução é uma função nobre e exigente em energia. Assim, a retomada da atividade ovariana está intimamente ligada a um equilibrado balanço nutricional – que pode ser avaliado pela condição corporal do animal – além da ligação materna com o bezerro.
Segundo dados publicados pelo Anualpec em 2020, o total de fêmeas em idade reprodutiva no Brasil é de cerca de 73,3 milhões e a produção de bezerros gira em torno de apenas 51,6 milhões de cabeças. No Brasil, a média nacional de IEP – importante indicador de produtividade e limitante para o crescimento sustentável da pecuária – varia entre 18 e 20 meses. Esse dado reforça que o anestro é um fator que interfere no desempenho reprodutivo de bovinos em condições brasileiras de manejo.
Considerando os fatores que discutimos até aqui, compreendemos que no sistema de criação extensivo de bovinos, a fertilidade do rebanho apresenta variações vinculadas às condições climáticas. Assim, o estabelecimento de uma estação de monta (EM) é uma decisão de grande impacto na fertilidade. Uma importante decisão no planejamento e execução da EM é a definição de qual será a estratégia reprodutiva utilizada. Pode-se trabalhar com monta natural, inseminação artificial (IA), inseminação artificial em tempo fixo (IATF), transferência de embriões (TE) e/ou transferência de embriões em tempo fixo (TETF). Para definir a biotecnologia a ser utilizada, é necessário conhecer as premissas e a aplicabilidade que cada estratégia apresenta, para atender aos objetivos da propriedade.
A implementação de uma EM associada ao uso de biotecnologias da reprodução, como a inseminação artificial em tempo fixo (IATF), é uma estratégia eficaz, e tem sido adotada em fazendas que buscam maximizar a produtividade. Essa estratégia permite otimizar o tempo e os serviços da fazenda, incrementar o potencial genético do rebanho e potencializar os lucros da produção – podendo proporcionar aumento da margem bruta em até 31,0%.
Por conta do elevado mérito genético e antecipação dos partos proporcionados pela utilização da IATF, estudos do nosso grupo de pesquisa no Departamento de Reprodução Animal da Universidade de São Paulo, demonstraram ganho adicional de 20kg no peso ao desmame – popularmente conhecido como bezerro ‘do cedo’. Também, do desmame ao abate, os bezerros provenientes de IATF apresentam ganho adicional de uma arroba por animal (15kg). Em rebanhos de leite, a IATF também tem impacto econômico. Estudos demonstraram que há redução de aproximadamente um (1) mês no IEP de animais que recebem a IATF quando comparados com animais submetidos aos sistemas tradicionais de detecção de cio ou monta natural. Com esta redução do IEP, tem-se aumento de 10,0% da produção anual de leite da propriedade. A partir desses dados é possível calcular o retorno do investimento dessa biotecnologia. A cada R$1,00 investido na técnica de IATF, verifica-se retorno de R$4,50 para a cadeia de produção de carne e de leite no Brasil. Dessa forma, o uso da técnica é um aliado do produtor.
E como implementar a EM? A primeira providência é verificar se existem dados zootécnicos sobre o rebanho. É importante saber se os animais são identificados, dados como idade, peso vivo, número e datas de partos – caso não, deve-se realizar o inventário do rebanho. Além disso, exames ginecológicos e andrológicos devem ser realizados antes do início da estação. A transição entre um regime de monta natural durante todo o ano, para uma estação de monta definida, deve ser feita de forma progressiva.
E qual o melhor momento para realizar a EM? Considerando as diferenças entre as regiões brasileiras quanto ao início e índices de chuvas, recomenda-se que a estação de monta seja estabelecida logo após um acúmulo de precipitação pluviométrica de oitenta a cem milímetros e recuperação das pastagens. Considerando que cada vaca deve produzir um bezerro no período de um ano, com a gestação de vacas durando entre 280 e 290, restam 75 dias para a involução uterina (aproximadamente 30 dias), retorno a ciclicidade e nova prenhez. Sendo assim, a recomendação é de que a EM tenha duração média de 90 dias. No caso das novilhas, a EM pode ser encurtada e ter início e final antecipados em relação ao das vacas (aproximadamente 45 dias).
Figura 2. Esquema do período reprodutivo ideal dentro de uma fazenda.
Vale ressaltar que os resultados da produtividade do sistema de cria possuem caráter multidisciplinar e existem duas categorias principais a serem atendidas durante a estação, as matrizes e os bezerros. Em relação às vacas, como comentamos, o período pós-parto é crítico. Estudos recentes demonstram que fêmeas com deficiência de nutrientes no terço inicial e médio da gestação resulta em menor número de fibras musculares, e consequentemente, afetará o ganho de peso do bezerro após o nascimento. Dessa maneira, é indispensável a disponibilidade de pastagens com qualidade, e se necessário, uma suplementação nutricional estratégica. Uma ferramenta útil é avaliar o ‘status’ nutricional dos animais através do escore de condição corporal (ECC). Apesar de ser uma avaliação visual subjetiva – escala de nota de 1 a 5 – ela é útil, pois reflete a quantidade de deposição de gordura considerando o porte do animal.
Com relação aos bezerros, a concentração dos nascimentos na época adequada do ano resulta em lotes uniformes e permite a adoção de diferentes práticas de manejo, que visam à redução da mortalidade e ao aumento do peso à desmama. Em relação à sanidade, deve-se seguir um planejamento sanitário, com vacinações e vermifugações programadas. Não apenas as vacinas obrigatórias, mas também podem ser realizados diagnósticos para saber a incidência de outras doenças, conforme cada propriedade.
Os insumos (protocolos reprodutivos, EPIs e demais materiais de trabalho) devem ser adquiridos de fornecedores idôneos e ser devidamente armazenados. A escolha do sêmen deve contemplar touros de alta fertilidade, além de haver especial atenção com a manutenção do botijão de nitrogênio, sendo feitas aferições constantes do nível do nitrogênio líquido para não comprometer a integridade das doses (altura inferior a 15 cm). E por fim, mas não menos importante, é necessário mão de obra capacitada. As equipes envolvidas devem estar aptas para realizar as diversas funções dentro da EM.
Nos próximos artigos da nossa série, discutiremos o desempenho da cria durante a estação de monta, focando na aplicação de protocolos para sincronizar a ovulação em diferentes categorias. Vamos explorar como essas práticas podem aumentar a eficiência reprodutiva e agregar valor à IATF – aguarde. Até a próxima e grande abraço!
Por Laís Abreu, via Scot Consultoria
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