Segundo a Conab, oferta por habitante deverá ficar na casa dos 26 quilos, queda anual de 6,9% e bem abaixo dos 33,9 quilos registrados em 2018.
Reconhecido por ter o maior rebanho de bovinos do mundo, com mais de 214 milhões de cabeças de gado – mais do que a própria população brasileira – o Brasil tem visto o seu consumo interno do principal produto obtido do abate desses animais, a carne, encolher nos últimos três anos. Após um pico de quase 34 quilos por habitante entre 2018 e 2019, o consumo per capta nacional em 2021 é estimado em cerca de 26 quilos por habitante segundo números da Conab.
A queda, de 7% ante o ano anterior e de 23,3% ante 2018, também representa uma marca histórica: o pior resultado desde o início da série histórica, em 1996. Reconhecidamente a proteína preferida pelos brasileiros, a carne bovina tem sido preterida nos últimos anos por produtos mais baratos, desde carne de frango e ovos, a embutidos e processados.
Em grande parte resultado da forte crise econômica e aumento do desemprego no país, a queda também pode ser explicada por fatores conjunturais do mercado, como a redução dos abates provocada pelo ciclo de alta da pecuária.
Ciclo de alta
Naturalmente, a pecuária de corte enfrenta períodos de alta e de baixa no valor da arroba que se alternam periodicamente conforme a flutuação da disponibilidade de animais prontos para abate. Com isso, em momentos em que os preços do boi gordo estão baixos, os produtores em dificuldades financeiras tendem a vender mais animais, sobretudo fêmeas, o que, no futuro, tende a comprometer a oferta de bezerros para reposição e, consequentemente, de animais prontos para abate.
“É algo típico da própria da pecuária bovina e é um ciclo que normalmente tem um prazo de dois a três anos em termos de recomposição de rebanho”, explica o pesquisador do Ipea, Fábio Servo. Ele lembra que, no final de 2019, a valorização da arroba levou a um aumento expressivo dos abates no Brasil, alcançando 8,5 mil cabeças – o maior número desde 2014.
“Isso fez com que chegássemos a 2020 com uma queda bastante pronunciada nos abates, algo característico dessa situação”, explica o pesquisador. No primeiro trimestre daquele ano, os abates somaram 7,3 mil cabeças, queda de 9,2% ante o trimestre anterior.
- Segundo dia da Semana Internacional do Café destaca práticas sustentáveis na cadeia cafeeira
- Boi gordo tem fôlego para novas altas e preços testam recorde de R$ 360/@; hora de vender?
- CNA projeta queda de 1,9% no valor bruto da agropecuária do Brasil em 2024
- Concurso 3 Corações Florada Premiada anuncia campeãs em celebração com a presença de Padre Fábio de Melo e da cantora Simone Mendes
- Como o Biochar está ajudando a NetZero a alcançar metas climáticas ambiciosas
Fêmeas
O pesquisador do Centro de Inteligência da Carne Bovina da Embrapa (Cicarne), Guilherme Malafaia, destaca que os animais destinados ao mercado são principalmente fêmeas – justamente o grupo de animais retidos após o aumento da arroba bovina. Segundo o dado mais recente divulgado pelo IBGE, referente ao terceiro trimestre de 2021, a participação das fêmeas sobre o total de abates foi de 32,9% no período ante 38,8% em 2018.
“A indústria frigorífica que atende o mercado interno, quando vai procurar a vaca e não acha se depara com um boi valorizado e essa compra dela pressiona o custo de produção, o que acaba também empurrando o preço da carne”, explica o pesquisador ao lembrar que, em dólar, o preço da carne bovina brasileira ainda é o menor do mundo – o que indica espaço para manutenção ou alta em relação aos patamares atuais. “A tendência é cada vez mais ter uma pressão de custos para produzir esse boi”, avalia Malafaia.
Crise econômica
Os preços em alta em meio a uma crise econômica e índices recordes de desemprego também contribuem para a substituição da carne bovina por proteínas mais baratas, derrubando ainda mais o consumo interno.
“Quanto maior o preço da carne menor o consumo dela. E foi o que aconteceu. A carne bovina aumentou de preço, o consumidor estava com a renda já prejudicada em função da crise econômica que vivemos e essa foi a combinação perfeita para dar essa queda no consumo da carne bovina”, afirma o pesquisador ao destacar que a pandemia de Covid-19 também contribuiu nesse processo.
“O cenário dos últimos dois anos foi bastante complicado porque de um lado você tinha toda a questão da pandemia e o impacto dela na produção, na renda e no emprego. E do outro lado você teve um aumento no consumo chinês nas exportações que atingiram níveis que historicamente não se observava e junto com tudo isso você teve o ciclo bovino que estava num estágio de recuperação do rebanho”, resume Servo, do Ipea, ao apontar uma “conjunção de fatores” para que o consumo interno atingisse a mínima histórica.
E a China?
Destino de mais da metade de toda a carne bovina exportada pelo Brasil, a China não tem influência sobre o nosso consumo interno, mas tem papel importante na sustentação dos preços por aqui e no volume de produção no país. Com o mercado interno retraído e o consumo chinês aquecido, a participação das exportações no total de carne bovina vendida pela indústria frigorífica brasileira passou de 20% para 25% nos últimos dois anos, também reflexo da queda no consumo interno do Brasil.
No último trimestre de 2021, a ausência do mercado chinês chegou a contribuir para uma redução no preço das carnes, mas ainda longe dos patamares observados antes da pandemia – cenário que deve se manter este ano, segundo o pesquisador do Ipea.
“A gente não vislumbra um recuo nos preços da carne bovina em 2022, na melhor das hipóteses uma manutenção do patamar mais elevado e o consumo se deslocando para proteínas mais baratas como aves e ovos”, aponta Servo ao prever um ano de preços pressionados para carnes em geral.
Por outro lado, com a normalização das exportações em dezembro, o pesquisador o Ipea afirma que as perspectivas são de aumento na produção. Já o consumo ainda dependerá da recuperação da economia e do emprego no país.
Tudo vai depender do que vai acontecer, estamos com essa incerteza da pandemia, que ainda é uma incógnita em termos de recuperação da economia. Também estamos num ano eleitoral, então temos que olhar esses indicadores macroeconômicos e as tendencias de crescimento para a economia este ano. Não são números tão animadores para dizer que 2022 será um ano de recuperação plena da economia”, completa Malafaia.
Fonte: Globo Rural