A alta da inflação reduziu o poder de compra dos consumidores, resultando em queda nas vendas e impacto negativo na saúde financeira dos negócios; quais são os principais indicadores de uma crise econômico-financeira iminente?
Por Letícia Moura* – A recuperação judicial é um instrumento que compõe o microssistema de insolvência empresarial brasileiro, destinado a promover, de maneira coordenada, a reestruturação e revitalização de empresas ou empresários em crise econômico-financeira temporária. Esse recurso visa preservar a atividade econômica, proteger empregos e garantir o pagamento aos credores, permitindo que o devedor reorganize suas finanças e retome a viabilidade de suas operações.
A alta da inflação reduziu o poder de compra dos consumidores, resultando em queda nas vendas e impacto negativo na saúde financeira dos negócios, criando, assim, um ambiente de mercado desafiador. Por sua vez, gerando um efeito cascata, esse cenário instável fez com que nosso país atingisse um nível histórico de pedidos de recuperação judicial no primeiro semestre de 2024, representando um aumento de mais de 70% em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Ao observar o aumento no índice de recuperações judiciais de produtores rurais, é importante notar que o salto de 523% se deve, em grande parte, a uma base historicamente baixa. No primeiro trimestre de 2023, foram apenas 17 pedidos, e, embora o crescimento até 106 casos em 2024 seja significativo, ele também reflete o ponto de partida reduzido.
Não obstante, esse aumento nas recuperações judiciais no setor agroindustrial demonstra um cenário de pressão financeira tanto para grandes quanto para pequenos produtores. Para as grandes corporações, como Agrogalaxy Participações e Grupo Patense, o volume massivo de dívidas – somando mais de R$ 12,3 bilhões apenas entre as dez maiores empresas – resulta em restrições significativas de crédito, afetando a capacidade de investimento e de continuidade das operações em larga escala. Esse impacto gera um efeito cascata que reverbera por toda a cadeia de fornecimento, incluindo parceiros e fornecedores menores que, dependentes desses grandes players, enfrentam insegurança e inadimplência.
Para os pequenos produtores, o cenário é igualmente desafiador, embora de outra maneira. Com o encolhimento da liquidez dos grandes compradores e o aumento dos custos operacionais devido à inflação e às altas taxas de juros, pequenos produtores encontram ainda menos margem para sustentar suas operações. Além disso, muitos deles dependem do financiamento de bancos e cooperativas que, frente ao aumento das inadimplências no setor, tornam as exigências de crédito mais rigorosas, limitando o acesso a capital.
Este cenário configura uma verdadeira “tempestade perfeita”, com fatores interligados que impõem grandes desafios aos produtores rurais na continuidade de suas atividades. As adversidades podem resultar em dificuldades financeiras, sinalizando a necessidade de considerar alternativas, como a recuperação judicial. No entanto, é importante ressaltar que nem todos os casos demandam essa medida; alguns produtores podem encontrar soluções viáveis sem recorrer à recuperação judicial, enquanto outros poderão se beneficiar desse instituto para garantir a sustentabilidade de seus negócios.
O quadro exposto traz uma dúvida frequente: quais são os principais indicadores de uma crise econômico-financeira iminente?
Isso posto, um cenário de insolvência inevitavelmente é precedido pelo atraso no pagamento das obrigações. Em decorrência disso, a dificuldade para honrar com os compromissos no prazo correto é um forte sinal de alerta.
Para além disso, o monitoramento frequente dos indicadores contábeis da empresa pode ajudar a identificar de forma rápida e antecipada qualquer instabilidade econômico-financeira. A falta de caixa para cobrir as operações diárias podem sinalizar a necessidade de renegociação das obrigações financeiras.
Da mesma forma, reduções drásticas nas receitas e um passivo de curto prazo superior aos ativos podem indicar que a empresa enfrenta dificuldades para se adaptar ao mercado, comprometendo também sua liquidez.
Em resposta ao período de instabilidade, é possível que o produtor rural encontre dificuldades em obter crédito ou enfrente aumento nas exigências de garantias, o que sinaliza que o mercado vê a empresa como um risco elevado. Nessa fase, pode haver também aumento da pressão de credores e ações judiciais: processos de cobrança e execução de garantias indicam que os credores estão buscando alternativas para recuperar seus créditos, o que pode impactar o patrimônio da empresa e restringir suas operações.
Esses indicadores, isolados ou combinados, podem apontar que o produtor está em um estágio crítico, e a recuperação judicial surge como uma solução para suspender execuções, renegociar dívidas e buscar a reestruturação financeira, preservando a continuidade das operações.
Assim, os sinais de alerta para uma crise financeira não podem ser ignorados pelo produtor rural. Com uma resposta ágil e estratégias adequadas, o produtor tem a oportunidade de transformar o cenário adverso em um ponto de virada, impulsionando a renovação e criando bases sólidas para um crescimento sustentável no futuro.
Letícia Moura é advogada do escritório João Domingos Advogados, é especialista em reestruturação financeira para produtores rurais.
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