Como a crise da chinesa Evergrande afeta o agro brasileiro?

Possibilidade de calote bilionário da empresa derrubou mercados no mundo inteiro e pode ser um alerta para o Brasil, afirmam economistas.

O anúncio de que a gigante chinesa Evergrande poderia dar um calote de US$ 300 bilhões a seus credores, entre eles trabalhadores e trabalhadoras chinesas que adquiriram títulos da empresa, causou forte instabilidade no mercado financeiro na última semana. A dívida representa cerca de 2% do PIB chinês, o que fez ações de empresas mais diretamente ligadas ao ramo da construção civil, onde a companhia atua, serem fortemente afetadas. Mas e o agronegócio com isso?

Embora o setor não seja diretamente atingido pela crise da Evergrande, em um primeiro momento, o risco de um efeito em cadeia, arrastando 128 bancos chineses e outras 121 instituições, poderia causar sérios impactos ao agronegócio brasileiro, que tem no país o seu principal cliente. “O problema não é a Evergrande, o problema é o setor inteiro. Porque isso causa uma desconfiança do mercado inteiro em relação aos ativos imobiliários, fazendo com que os preços caiam”, observa o professor de economia do Insper, Roberto Dumas.

O caso da Evergrande assuntou o mercado, entre outras razões, pelo paralelo com a quebra do banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos, em 2008. As duas situações têm como pano de fundo uma crise imobiliária, lembra a economista e CEO da assessoria financeira Pinheiro Machado, Claudine Saldanha.

“Inclusive, a situação do setor imobiliário na China agora é muito mais grave do que o que estava acontecendo nos EUA na época do Lehmann Brothers. Se considerarmos a diferença do poder aquisitivo das pessoas, o tamanho da bolha é maior”, destaca.

Dumas, do Insper, descarta esse risco. “A conta capital da china é praticamente fechada e os chineses não podem tirar o dinheiro do país. Então, se ele não quiser comprar mais título, ele não pode levar para outro país, ele vai ter que acabar no colo de algum banco chinês”, explica o economista.

Segundo ele, os efeitos sobre o agronegócio vão depender de como o governo chinês lidará com a crise. “A primeira coisa que as empresas do agronegócio têm que verificar é de que forma o que está acontecendo com a Evergrande vai impactar a população chinesa. Isso é importante, a renda do trabalhador chinês”, explica, ao avaliar que, “por enquanto”, a situação é positiva. “O governo está fazendo de tudo para que continue o business as usual e minimizando ao máximo possível a perda de dinheiro da população local – até porque isso é uma maneira de evitar tensão social”, observa o professor do Insper.

Em pelo menos um ponto, os economistas concordam: a crise imobiliária na China deve afetar o crescimento do PIB do país, que tem no setor 29% do seu valor. “A gente tem que imaginar que é uma potência, que a população é gigantesca e, no momento que houver uma restrição financeira para um monte de gente, eles vão tentar e vão ter que reduzir o consumo deles e nos influencia”, explica Claudine, da Pinheiro Machado, ao lembrar que o país tem buscado mudar o seu modelo de desenvolvimento, o que deve gerar uma desaceleração natural da economia, reduzindo o crescimento anual do PIB de 4% para 1% a 2%, em média, na próxima década. “Isso nos impacta porque se eles vão crescer menos, eles vão comprar menos”, afirma a economista.

No curto prazo, o gerente de consultoria agro do banco Itaú, Guilherme Bellotti, ressalta que a crise da Evergrande tende a trazer mais volatilidade às cotações das commodities agrícolas diante da movimentação de fundos e grandes investidores internacionais.

“Já no longo prazo, se isso de fato tirar crescimento da economia chinesa de maneira mais significativa, poderia acabar impactando a demanda por produtos alimentícios, notadamente os mais elásticos à renda como é o caso de algodão e de proteínas animais”, destaca Bellotti ao ressaltar que, embora os fundamentos ainda sejam positivos para as commoditites agrícolas, o desenrolar da crise chinesa é mais um fator de risco para o setor.

“É bom acompanhar. É um grande ponto de tensão, é mais um ponto de risco no radar. Em que pese o fato do setor ter se mostrado mais resiliente a crises, já que grande parte dos produtos atrelados ao agro são menos elásticos à renda, não dá pra descartar a hipótese de que, se tivermos um choque mais relevante no crescimento chinês, que isso não vá se reverberar para os mercados agrícolas também”, completa o gerente de consultoria agro do Itaú.

Revista globo

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