Falta armazém para o agro; Brasil vai bater recorde de grãos, mas não tem armazéns para guardar; lucro poderia aumentar 55%!
O agronegócio brasileiro é um caso global de sucesso: passou de importador de alimentos nos anos 1970 para um dos maiores exportadores do mundo, com a previsão, para a safra 2020/2021, de uma produção recorde de 260,8 milhões de toneladas de grãos, como soja, milho, arroz e feijão. O recorde anterior foi na safra 2019/2020, com 257,8 milhões de toneladas.
O valor bruto da produção (VBP), cálculo que estima o valor real da produção descontada a inflação do Índice Geral de Preços (IGP), é calculado em R$ 1,11 trilhão para este ano, 11,8% acima de 2020. Mas esse crescimento esconde um problema: a falta de espaço para armazenagem coloca o país em risco e reduz o lucro dos agricultores.
O Brasil não tem onde guardar toda a produção que sai do campo, acumulando um déficit de armazenagem de 100 milhões de toneladas por safra, conforme estudos da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio.
No Brasil, só 14% das fazendas têm armazéns ou silos. No Canadá, são 85%; nos Estados Unidos, 65%; e na Argentina, 40%, segundo o Boletim Logístico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Sem armazéns nas propriedades, os agricultores correm para vender a colheita com os preços do dia, para não acumular perdas. Com silos, seria possível guardar a safra e negociá-la aos poucos, ao longo do ano.
Para o país, o problema ameaça a segurança alimentar. Sem ter onde guardar, o Brasil fica exposto a riscos de abastecimento, em caso de quebras significativas de safra, como ocorreu com o arroz no ano passado.
Poucas fazendas têm silos
O Boletim Logístico da Conab, divulgado em junho, apontou que apenas 14% das fazendas brasileiras possuem silos para armazenar a produção e a situação varia muito de região para região.
“Há um descolamento significativo entre a produção e a capacidade estática disponível e a situação é mais grave, especialmente em algumas regiões, como Mato Grosso, e em determinados períodos do ano, como no auge da safra, disse Thomé Guth, superintendente de Logística Operacional da Conab.
Segundo o levantamento, em junho o Brasil acumulava um déficit de armazenagem de 122 milhões de toneladas. Só em Mato Grosso, que é o maior produtor de soja e milho do país, em 2021, o déficit de armazenagem para o milho era 38 milhões de toneladas antes do fim da safrinha (safra de inverno).
Mas tudo indica que esse cenário vai mudar nos próximos cinco anos. Segundo ele, a mudança será uma consequência da competição no mercado internacional. “Guardar e conservar a safra colhida são fatores vitais para o país se manter competitivo como fornecedor de alimentos”, diz.
Para Guth, o diferencial do país é que, ao contrário de países como os Estados Unidos, por aqui não é preciso ter armazenagem estática para 100% da produção do ano porque o país produz até três safras por ano e há uma grande movimentação o ano todo. “O importante é que haja na região produtora uma capacidade que suporte o fluxo de produtos até o final da venda”, afirmou.
Agricultor poderia ganhar 55% a mais
Os ganhos com a armazenagem de grãos em silos próprios, instalados dentro da fazenda, podem chegar a até 55%, já que permitem que o agricultor venda grãos no período da entressafra quando os preços estão mais altos, diz um estudo do Serviço de Aprendizagem Rural (Senar).
Esse lucro viria do planejamento da venda dos grãos ao longo do ano, da redução com os custos de frete e do aumento do rendimento da colheita, já que, sem filas logo após a colheita, o produtor não perde parte da produção no transporte.
Piero Abbondi, CEO da empresa do setor de armazenagem Kepler Weber, explica que, com o silo instalado na fazenda, o produtor pode optar por formas mais lucrativas da comercialização de sua safra.
“Como todo negócio, o agricultor pode, ao fim da safra, vender um determinado volume para pagar a conta e gerar fluxo de caixa, e, depois, ter volumes estocados para comercializar na entressafra, ao longo do ano, com preços mais altos e estratégicos”, disse.
Segundo ele, outra vantagem é a redução dos custos de transporte. “O frete no Brasil tem o seu ápice durante a safra, pois sem ter alternativa o produtor paga para não ter prejuízo”, afirmou. “Com o armazém instalado na fazenda, ele foge desse custo, não precisa ficar na fila e alivia a pressão sob o sistema logístico [estradas e portos].”
Menos umidade, mais qualidade (e preço)
Outro ponto citado por Abbondi, da Kepler Weber, é a qualidade do produto armazenado. “Um sistema de beneficiamento e armazenagem de grãos permite padronizar os grãos colhidos na fazenda”, disse. Um dos beneficiamentos possíveis é regular a umidade dos grãos, o que deixa a produção com uma qualidade melhor diante dos padrões exigidos pelo mercado.
Para atingir um bom preço, o grão da soja deve ter umidade em torno de 11% e manter os grãos estocados, com umidade controlada, Isso também aumenta os ganhos do agricultor.
“Hoje em dia, com as tecnologias disponíveis no setor, ter um silo não é mais um bicho de sete cabeças para o agricultor”, disse. “Tudo é computadorizado, os sensores são capazes de controlar as condições para o armazenamento ideal.”
Investir pode custar caro
Instalar um armazém na propriedade é caro, mas segundo o executivo Abbondi, da Kepler Weber, é um investimento necessário, que se paga em cinco ou seis anos. Segundo ele, um silo custa entre R$ 750 a 1 mil por tonelada de grão armazenado.
Fazendas com área de produção em torno de 400 hectares já tornam o investimento válido. “Um silo na fazenda é como um prédio na cidade: ele vai precisar de manutenção para funcionar bem, e daqui algumas décadas um retrofit. Ao longo desse período, pode ser equipado com as tecnologias que estiverem disponíveis.”
No Plano Safra anunciado em junho, o governo aumentou em 84% os recursos disponíveis para investimentos no setor. Ao todo, foram anunciados R$ 4,2 bilhões para o Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA). No programa, o produtor deve investir em silos de, no mínimo, 6.000 toneladas.
Pelos cálculos do Ministério da Agricultura (MAPA), o dinheiro é suficiente para aumentar em até 5 milhões de toneladas a capacidade instalada no país, com a implantação de 500 novas unidades de armazenagem.
Porém, o volume só será suficiente para armazenar 61% da safra, segundo especialistas.
“Embora seja um aumento expressivo, o valor ainda é insuficiente para resolver o problema da falta de armazenagem no país. Com o uso de todos os recursos, a capacidade estática subiria das atuais 176,4 milhões de toneladas para 181,4 milhões em 2022, diante de uma produção de grãos estimada de 294,6 milhões de toneladas”, disse Carlos Cogo.
Mato Grosso é o estado que mais sofre
O maior estado produtor de grãos do Brasil, Mato Grosso, é a região que mais sofre com a diferença entre a produção e a capacidade de armazenagem. Segundo Fernando Cadore, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja/MT), no estado são produzidas 43 milhões de toneladas de soja e milho e só existem 2.211 armazéns ativos (o suficiente para estocar 11,8 milhões de toneladas). “O produtor precisa ser dono daquilo que produz e a armazenagem tem que ser para todos”, afirmou.
Há um mês, a Aprosoja lançou um programa chamado Armazém para Todos para incentivar os investimentos no setor. “Não temos silos para guardar toda a nossa produção de soja e milho, é um gargalo gigante.” Segundo ele, é hora de quebrar paradigmas da agricultura e desburocratizar o acesso ao crédito.
Associado da Aprosoja em Mato Grosso, o produtor Zilto Donadello, contou que, neste ano, perdeu sete sacas de soja por hectare justamente por não possuir armazém na sua fazenda. Ao fazer uma simulação com dados da propriedade, por meio de plataformas eletrônicas, concluiu que seria mais lucrativo gastar com a obra. “Se eu construir um armazém de 1.000 toneladas, deixaria de perder em média 6,5 sacas por hectare”, disse Donadello.
De acordo com a Aprosoja, Mato Grosso precisaria ampliar a capacidade de armazenamento de grãos para 125 milhões de toneladas até 2030, o que implicaria em uma taxa de crescimento anual de 22,9%, frente ao ritmo de 3,7% observado nos últimos três anos.
China na contramão do Brasil
Se o Brasil ainda está atrasado no setor de armazenagem, a China investe pesado no setor. Na semana passada, anunciou que vai adicionar 10,85 milhões de toneladas em capacidade de armazenagem ao seu já enorme programa de estocagem de grãos. A Sinograin, estatal que comanda os estoques no país, dará início neste ano à construção de 120 projetos de armazéns em 18 províncias.
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O foco, segundo o governo chinês, é aumentar as ofertas de grãos à população. Hoje, a capacidade de armazenamento de grãos na China é de 650 milhões de toneladas. De janeiro a maio deste ano, a China importou 38,23 milhões de toneladas de soja, 12,8% acima do mesmo período do ano passado. Em junho, as importações somaram mais 10,48 milhões de toneladas, e o Brasil é o principal fornecedor do grão.
Os chineses importam soja em grãos para transformá-la em farelo de soja, utilizado como ração para animais e em óleo de soja para cozinha, para vender, posteriormente, ao Brasil com um valor mais alto. “Com maior capacidade de armazenamento de grãos, é possível transformar a indústria, agregando valor aos produtos derivados”, declarou Piero Abbondi, da Kepler Weber.
Fonte: UOL