Subproduto da produção de vinhos, bagaço de uva pode ser útil como antioxidante e anti-inflamatório.
Um dos maiores problemas relacionados à agroindústria é a abundante quantidade de resíduos gerados durante o processamento da matéria-prima.
Na maioria dos casos, essas sobras não são tratadas e reaproveitadas, apresentando uma disposição ambientalmente inadequada, com potenciais riscos de contaminação dos solos e da água.
Diante desse contexto, o professor Severino Matias de Alencar, do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, pesquisa alternativas para os principais resíduos gerados na agroindústria alimentícia.
Ele coordena o projeto Prospecção e identificação de compostos bioativos de resíduos agroindustriais para aplicação em alimentos e bebidas.
A proposta é mapear suas potenciais formas de reaproveitamento, no intuito de fornecer informações para a elaboração de planos de gestão adequados ao setor.
O trabalho ocorre em conjunto com alunos de iniciação científica do curso de Ciências dos Alimentos da Esalq, mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos, além de contar com o professor Pedro Luiz Rosalen e sua respectiva equipe de pós-graduandos e pós-doutorandos da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Uva, uma aliada natural
A vitivinicultura (atividade que envolve o cultivo das vinhas e a fabricação de vinho) gera subprodutos, como o bagaço (composto de casca e sementes), que podem representar até 30% da quantidade total de uvas vinificadas. A estimativa de produção de uvas no Brasil para 2017 é de 1,3 milhão de toneladas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Supondo que a produção total de uvas seja processada, cerca de 390 mil toneladas de resíduos serão geradas somente no Brasil e a maioria descartada sem qualquer tipo de tratamento, um grande impacto ambiental seria causado. “Estudos já mostraram que esses subprodutos podem ser fontes de antioxidantes naturais, especialmente porque contêm compostos fenólicos. Esses materiais podem ser reutilizados como substitutos de aditivos ou novos ingredientes nas indústrias alimentícias e farmacêuticas”, avalia Alencar.
Ação antioxidante
Em um estudo conduzido pela pesquisadora Priscilla Melo, doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Esalq, foram analisadas as castas francesas Chenin Blanc, Petit Verdot e Syrah. Essas variedades de uva foram cultivadas e vinificadas em uma importante região de vitivinicultura no Brasil, no município de Petrolina, no Vale do Rio São Francisco.
O estudo avaliou o potencial antioxidante de extratos de subprodutos vinícolas, o qual foi determinado com base na capacidade de desativação de radicais livres sintéticos e espécies reativas de oxigênio (ROS). Segundo os professores, dentro do universo conhecido, esta é a primeira vez que o potencial antioxidante dos subprodutos dessas três variedades de uvas europeias, aclimatadas a uma região semiárida, é avaliado.
Os resultados obtidos mostraram que os resíduos possuem elevada atividade antioxidante, além de serem fontes de moléculas bioativas naturais, tais como catequina, procianidina B1, epicatequina e ácido gálico. A pesquisa foi publicada na revista Food Chemistry.
Ação anti-inflamatória
Atualmente, a uva francesa Petit Verdot é cultivada no Vale do Rio São Francisco, em Pernambuco, para produzir vinhos finos envelhecidos devido ao potencial fenólico elevado. Adaptada pela primeira vez em uma extensão tropical, essa variedade tornou-se alvo de diversas pesquisas para verificar sua composição química e suas propriedades biológicas.
Um estudo preliminar no modelo de edema de pata de ratos, conduzido por Carina Denny, pós-doutoranda em Farmacologia, Terapêutica e Anestesiologia pela Unicamp, selecionou o extrato etanólico do bagaço Petit Verdot, devido a efeitos anti-inflamatórios e alto teor de conteúdo fenólico.
O estudo avaliou a atividade anti-inflamatória do extrato do bagaço de uva e suas frações de hexano, clorofórmio e acetato de etila, além de identificar o potencial das frações ou dos compostos ativos. Foi observada uma redução significativa do edema de origem inflamatória. Os resultados foram publicados no Journal of Functional Foods.
Investimento e sustentabilidade
Para os professores, é imprescindível a continuidade de pesquisas nesta área, fomentada por órgãos de pesquisa, buscando soluções ambientais, sociais e economicamente corretas, antes mesmo da intensificação destes problemas nos próximos anos.
O professor Rosalen, da Unicamp, destaca a necessidade de o governo investir mais nas universidades e o papel dos educadores. “Nós precisamos que o governo fomente mais e que tenha uma política de ciência e tecnologia nessa área de pesquisa, que, além de colaborar com a sustentabilidade da produção agrícola, pode agregar significativamente valor ao setor agroindustrial. Nós formamos alunos de alto nível, publicamos as pesquisas e temos patente, ou seja, a Universidade está cumprindo a sua função.”
Pensando na sustentabilidade, o professor Alencar destaca o que vai acontecer futuramente se nós não reaproveitarmos melhor os resíduos agroindustriais, assim como já é feito na Europa e nos Estados Unidos. “Se não nos preocuparmos com a relação meio ambiente x resíduos, ao passo em que crescermos e aumentarmos nossa produção aumentará também a poluição causada pelo descarte inadequado desses materiais. Isso pode representar também uma forma de perdermos competitividade no mercado, já que algumas indústrias e setores de mercados externos olham como nós produzimos e se nós desmatamos. Portanto, isso tudo é importante para que o mercado internacional, no futuro, não crie barreiras advindas da grande geração de resíduos agroindustriais e da falta de destino adequado a eles”, finaliza.
Fonte: De Divisão de Comunicação da Esalq, com edição do Jornal da USP