Novo tratamento reduz custos e potencializa o controle da linfadenite caseosa, ou mal do caroço, que acomete animais em todas as regiões produtivas.
A Embrapa e a Universidade Federal de Lavras (Ufla [1]) estão utilizando técnicas de nanotecnologia para controlar a linfadenite caseosa, doença também conhecida como “mal do caroço”, que atinge caprinos e ovinos em todas as regiões do País. O novo tratamento consiste no uso racional de antibióticos aplicados diretamente na área afetada por meio de nanopartículas e nanofibras.
Os principais benefícios do novo procedimento são a biossegurança e a diminuição do resíduo de antibiótico no leite e na carne oriundos desses animais. O tratamento disponível atualmente envolve um manejo trabalhoso e gera custos com mão de obra e medicamentos, tornando-se pouco viável para rebanhos numerosos, além de apresentar riscos de contaminação para o manejador e o meio ambiente.
A linfadenite caseosa ou “mal do caroço” é uma doença bacteriana infectocontagiosa que promove a formação de abscessos em linfonodos superficiais (gânglios linfáticos) ou em linfonodos e órgãos internos do animal. A enfermidade está presente em 94,2% dos rebanhos de ovinos e em 88,5% dos rebanhos de caprinos na Região Nordeste, onde se localiza a maior produção desses animais.
O tratamento convencional do abscesso maduro consiste na drenagem cirúrgica do conteúdo purulento do caroço, seguida da cauterização química da ferida com tintura de iodo a 10% por, pelo menos, dez dias. Caso o procedimento seja feito de forma incompleta, o abscesso pode voltar a aparecer na mesma região após alguns meses. O custo desse tratamento para o produtor é de aproximadamente 86 reais por animal.
As opções disponíveis, além de terem alto custo para o produtor, são trabalhosas e não possuem 100% de eficiência na eliminação do agente infeccioso no abscesso. O tratamento com iodo ainda apresenta risco de contaminação tanto para o manejador quanto para o meio ambiente, uma vez que requer a abertura do caroço e a drenagem do conteúdo, que possui alta carga bacteriana. Como a linfadenite caseosa é uma zoonose, pode ser transmitida para o ser humano.
O tratamento que está sendo desenvolvido pela Embrapa e Ufla avalia o uso racional de antibiótico priorizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS [2]), a cloxacilina, maximizando a biossegurança e reduzindo o risco ambiental. O objetivo da equipe de pesquisa é chegar a um protocolo que seja pouco laborioso, tenha um custo mais acessível, alta eficiência e elevada biosseguridade.
De acordo com a pesquisadora da Embrapa Caprinos e Ovinos [3] Patrícia Yoshida [4], que lidera o projeto, o resultado esperado é a cura do abscesso precoce, sem a necessidade de abertura e exposição ao material purulento, o que seria um procedimento mais seguro. “O novo tratamento consiste em administrar altas concentrações de antimicrobiano diretamente no abscesso, mesmo com baixas concentrações nos demais tecidos e sangue. Dessa forma, espera-se menor resíduo de antibiótico no leite e carne desses animais”, explica.
Nanotecnologia potencializa aplicações do antibiótico
Os pesquisadores utilizam a nanotecnologia para desenvolver duas novas opções de procedimento. Para o abscesso fechado, ainda no início da doença, está sendo testado o uso de nanopartículas, que têm a capacidade de direcionar o antibiótico para o interior das células infectadas pela bactéria causadora da linfadenite caseosa, para obter uma concentração maior do medicamento no local, o que pode favorecer o combate ao patógeno.
“A bactéria se ‘esconde’ no interior das células de defesa do caprino, local onde muitas vezes o antibiótico não consegue atingir concentrações suficientes para eliminá-la. Por isso, muitas vezes ela sobrevive ao tratamento. Ao utilizarmos as nanopartículas para direcionar o antibiótico para o interior das células de defesa, conseguimos aumentar sua concentração nesse local e assim tornar o medicamento mais eficiente”, explica o pesquisador Humberto Brandão [5], da Embrapa Gado de Leite [6]. Como as nanopartículas direcionam o antibiótico para o local da infecção, espera-se que o tratamento seja mais efetivo que os disponíveis atualmente.
A outra opção é o uso de nanofibras para o tratamento do abscesso maduro após a drenagem, em substituição à tintura de iodo a 10%, de modo a eliminar a bactéria e favorecer a cicatrização. “As nanofibras são ferramentas bastante interessantes para aplicações médico-veterinárias, pois podem ser produzidas com materiais biocompatíveis com elevada área de superfície e porosidade, que mimetizam a matriz extracelular, e permitem carregar grandes quantidades de fármacos, possibilitando sua liberação de forma lenta no sistema”, relata o pesquisador da Embrapa Instrumentação [7] Daniel Corrêa [8].
Na Ufla, estão sendo desenvolvidos modelos computacionais com base nos resultados obtidos com animais para determinar com precisão os protocolos (doses e intervalos) de tratamento. O pesquisador Marcos Ferrante explica que trabalhar com modelos computacionais permite simular diferentes cenários, diminuindo o número de animais usados na pesquisa, além de maximizar o uso dos recursos financeiros. “Essas pesquisas permitirão otimizar as doses para protocolos terapêuticos em diferentes cenários produtivos, possibilitando aos produtores tratar os animais com a mínima quantidade de antibiótico necessária e sem comprometer a eficácia do tratamento”, complementa Ferrante.
Tecnologia depende de parceiros para chegar ao mercado
Atualmente, o desenvolvimento da nova técnica está em fase de testes com caprinos para definir a melhor forma de uso do produto, incluindo dosagem e frequência de aplicações. Segundo Yoshida, a equipe espera concluir os ensaios com os animais em condições controladas nos próximos três anos e encontrar parceiros na indústria farmacêutica para viabilizar a produção em larga escala para comercialização.
“Estamos prospectando parceiros para colocar o produto no mercado. A parceria com essa formulação pode ser em codesenvolvimento desse e de outros medicamentos. O parceiro interessado entraria com a expertise e infraestrutura de linha de produção, capaz de receber a tecnologia de formulações nanotecnológicas para uso farmacêutico. Essa tecnologia mostra potencial, visto que já foi testada em outras espécies animais e infecções, como mastite e ceratoconjuntivite em bovinos”, afirma a pesquisadora.
Impactos da doença no sistema de produção
A presença da linfadenite caseosa no rebanho traz diversos prejuízos para o criador, como queda na produção, aumento do custo com mão de obra e medicamentos para o tratamento, desvalorização da carne e da pele do animal, além de causar a morte de caprinos e ovinos quando a doença está muito disseminada no rebanho. Outro prejuízo importante é o descarte de carcaças (ou partes delas) e vísceras no frigorífico, podendo também impossibilitar a exportação da carne.
O produtor José Roberto Oliveira Alves possui um rebanho de 60 ovinos e 20 caprinos no município de Tauá (CE). Seus animais já foram afetados pela doença e ele adotou todos os procedimentos recomendados pelos especialistas: fez a inspeção dos animais e, quando o abscesso estava maduro, fez o corte e drenou a secreção, passou iodo e isolou o animal. “Tivemos um bom resultado porque retiramos do rebanho os animais afetados, controlamos e conseguimos diminuir. Claro que não acabou, mas diminuiu bastante. A linfadenite caseosa traz muitos prejuízos; os maiores são com relação à pele que fica estragada e à qualidade da carne, que fica imprópria para o consumo”, explica.
Medidas de controle e prevenção
- 1. Ao comprar os animais, o produtor deve colocá-los em quarentena para observar o aparecimento de abscessos e tratá-los antes de inseri-los no rebanho. Os produtores não devem compartilhar animais (reprodutores).
- 2. Os animais com abscessos antes da ruptura devem ser separados e isolados.
- 3. O corte cirúrgico do abscesso deve ser seguido de cauterização química da ferida.
- 4. O animal somente deve retornar ao rebanho após a completa cicatrização da ferida.
- 5. Todos os casos de linfadenite no rebanho devem ser anotados, com a identificação do animal, data em que teve a doença e localização.
- 6. As instalações devem ser desinfectadas com cal hidratada ou vassoura de fogo.
- 7. Animais que apresentam mais de um abscesso em sua vida produtiva devem ser descartados (sacrifício ou abate).
- 8. As carcaças dos animais mortos devem ser levadas para compostagem.
- 9. A carne de animais com abscessos não deve ser consumida. A linfadenite caseosa é uma zoonose e pode ser transmitida aos seres humanos.
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