O Brasil é conhecido como a “nação do café”, maior produtor, exportador e segundo mercado consumidor. É também o maior exportador de cafés especiais do mundo.
A ciência é parte constituinte da vida humana e as pesquisas científicas são consideradas as molas propulsoras do conhecimento. Esse processo acontece num ciclo de constante retroalimentação e simbiose com a sociedade. Em alguns momentos, apresenta inovações e tecnologias que modificam o meio. Em outros, é a própria evolução social e comportamental que mostra os caminhos a serem seguidos pela pesquisa.
Para o consumidor, é fácil imaginar o arcabouço tecnológico que existe na cura e prevenção de doenças, nos meios de comunicação e nas jornadas espaciais. Mas, o que muita gente não sabe, é que existe ciência até no cafezinho.
O Brasil é conhecido como a “nação do café”, maior produtor, exportador e segundo mercado consumidor. É também o maior exportador de cafés especiais do mundo, cerca de 20% das exportações são de grãos de alta qualidade. O país detém quase 40% do mercado mundial. Tudo isso, é fruto do seu modelo de colonização, características naturais favoráveis e, principalmente, das evoluções tecnológicas que acompanharam a cafeicultura ao longo dos anos.
Foi, graças às expedições científicas, que se tem conhecimento de que o gênero coffea, ao qual pertence o café, possui 124 espécies. Mas, apesar de toda essa diversidade, apenas duas espécies, Coffea canephora e Coffea arabica, são produzidos em escala global.
A espécie arábica foi originada na Etiópia e apresenta maior aptidão para se desenvolver em regiões de altitudes elevadas e climas amenos. Já as plantas da espécie canéfora, variedades botânicas conilon e robusta, são originárias de Guiné, na Bacia do Congo e possui distribuição geográfica em vários países africanos. As plantas de canéfora se adaptaram às terras de baixa altitude e temperaturas mais elevadas.
Apesar de ser considerada uma planta exótica no Brasil, o café encontrou condições adequadas para se desenvolver em plenitude. Isto, talvez se explique pelas semelhanças entre os continentes, africano e sul americano, que segundo estudiosos, há mais de 200 milhões de anos eram indissociáveis e parte de um bloco único, denominado de pangeia (do grego, todas as terras).
O Brasil, em função da sua diversidade de ambientes e continentalidade, cultiva com excelência, tanto a espécie arábica, quanto canéfora. Com muita tecnologia, história e tradição, que remontam os tempos coloniais, a cafeicultura no país, tem proporcionado uma verdadeira imersão num mundo movido a experiências culturais e sensoriais.
Apesar de toda essa riqueza, o mercado parece ainda desconhecer que possui uma das cafeiculturas mais emblemáticas do mundo. De certa forma, o país ainda é reconhecido pela sua capacidade de produzir em grande escala. Uma visão antiga e desfocada, que o desenvolvimento de novas tecnologias tem ajudado a deixar no passado.
É graças a ciência que a “nação do café” começa a reconhecer e valorizar o fato de possuir uma grande diversidade de “terroirs”, regiões de excelência que se espalham de norte a sul do país. Tudo isso, numa paleta sensorial, tão diversa quanto o próprio brasileiro.
O café possui no Brasil mais regiões com selos de Indicação Geográfica – IG que produtos nobres como o vinho. Atualmente são reconhecidas dez denominações de origem e cinco indicações de procedência. Nesse cenário, o trabalho realizado pelo Embrapa no Estado de Rondônia, é um exemplo claro de como investir em pesquisa e transferência de tecnologia pode gerar bons frutos e mudar vidas.
A origem do café na Amazônia
Antes de contar como tudo aconteceu, é importante salientar que o café na Amazônia, e mesmo em Rondônia, não é uma história recente. A região foi a porta de entrada das primeiras sementes e mudas do café no Brasil. Trazidas, como parte de uma missão, pelo militar luso-brasileiro Francisco de Melo Palheta, em 1727. As primeiras lavouras foram plantadas no Pará e de lá migraram para a região sudeste.
Há ainda relatos que mesmo antes dessa migração, mudas e sementes de café chegaram ao Estado de Rondônia. Elas foram cultivadas nos arredores do Forte Príncipe da Beira, cuja as ruínas ainda podem ser encontradas à margem direita do Rio Guaporé, localizado no município de Costa Marques, em Rondônia. Mas, estas lavouras eram cultivadas com cafés da espécie arábica. O processo de evolução dos cafés amazônicos tem uma estreita relação com a formação do próprio estado.
Apesar dessa origem antiga, a cafeicultura em Rondônia só voltou a ter importância econômica e social a partir da década de 1970. Sob o slogan: Integrar para não entregar! Incentivados pelo governo militar, verdadeiros exércitos, formados principalmente por mineiros, capixabas e paranaenses, marcharam para as terras do Norte. Famílias inteiras, homens, mulheres e crianças, vieram em busca de uma vida melhor, o “Eldorado Amazônico”. Traziam em sua bagagem, entre sementes e mudas, conhecimento, tradição e a cultura do cultivo do café.
Com isso, novas lavouras surgiram na Amazônia, principalmente no Estado de Rondônia. Inicialmente, foram cultivados cafeeiros da espécie arábica. Mas, por influência dos capixabas, também foi introduzida uma nova espécie de café, Coffea canephora, mais precisamente, da variedade botânica conilon.
Mas, foi na década de 1990 que o milagre da hibridação ocorreu na cafeicultura Amazônica. Materiais genéticos superiores foram trazidos para a região, numa parceria de intercâmbio científico entre a Embrapa e o Instituto Agronômico de Campinas – IAC. Com isso, criou-se uma verdadeira coleção genética de plantas híbridas entre as variedades botânicas conilon e robusta. Esse verdadeiro tesouro genético foi, aos poucos, compartilhado. Foram mais de 7 toneladas de sementes, que foram propagadas nas lavouras rondonienses e que gerou uma verdadeira alquimia genética em solos Amazônicos.
Essa mistura, lapidada ao longo de mais de quatro décadas, formou a base genética da cafeicultura Amazônica. São plantas híbridas, de conilon e robusta, que se diferenciam pelo alto vigor e pelas características predominantes do robusta. Além da robustez, são plantas tolerantes ou resistentes a importantes pragas e doenças, de alto potencial produtivo e que originam uma bebida encorpada e agradável.
Estas plantas, forjadas na Amazônia, são parte constituinte de um “terroir” único. Atualmente, mais de uma centena de cultivares clonais são cultivados pelos produtores em Rondônia. A seleção genética, aliada a técnica de clonagem foi um dos grandes propulsores da evolução da cafeicultura na Amazônia, principalmente na última década.
Esta cafeicultura única e emblemática, construída pelos pioneiros, que aliaram tradição, cultura e tecnologia, deu a gênese aos Robustas Amazônicos, que teve a sua origem nas Matas de Rondônia. Região essa, reconhecida como a primeira Indicação Geográfica – IG, do tipo Denominação de Origem – DO, para cafés canéforas no mundo.
Antes mesmo de seu reconhecimento, sob a indicação da Embrapa Rondônia, a cadeia produtiva já havia mudado a alcunha dos seus cafés, de conilon para Robustas Amazônicos. Diversas pesquisas da Embrapa, em parceria com institutos e universidades, já demonstravam que os cafés cultivados na Amazônia tinham características híbridas e “arrobustadas”. E, essa carga genética, diferenciava os cafés amazônicos dos cultivados em outras regiões do país, como por exemplo, o Espírito Santo.
Mais que um nome tecnicamente apropriado, esta identidade carrega informações e agrega valores. É o reconhecimento de um café que tem características únicas em uma região que não tem igual no mundo. A Embrapa foi audaciosa ao propor para o setor cafeeiro nacional uma nova identidade para os cafés amazônicos. A aceitação do mercado e os resultados obtidos até o momento demonstram a importância dessa diferenciação.
O reconhecimento que a cafeicultura do estado tem conquistado nos últimos anos é reflexo da união de esforços entre produtores, instituições de pesquisa, extensão rural e órgãos governamentais. São homens e mulheres, jovens e experientes, tradicionais e indígenas trabalhando em sintonia para produzir cafés únicos. Construindo uma cafeicultura que vem se preparando para atender os mais diversos nichos de mercado.
Ainda há muito que fazer e evoluir. Mas, os primeiros passos indicam o rumo certo de uma cafeicultura cada vez mais ocupada em se fazer sustentável, inclusiva, eficiente e regenerativa.
IG Matas de Rondônia, reconhecer para valorizar
O reconhecimento de uma Indicação Geográfica – IG, principalmente as do tipo Denominação de Origem – DO, é um processo baseado em comprovação científica. A IG serve para designar produtos ou serviços, que tem características positivas únicas e indissociáveis dos fatores que compõem a sua origem. Para produtos agrícolas, estes fatores também são conhecidos como “terroir”. Uma mistura que leva em consideração clima, solo e aspectos culturais da população envolvida no processo produtivo. O saber fazer também é crucial na definição de uma IG. Afinal, o fator humano e sua capacidade de modificar o ambiente, selecionar materiais genéticos e manejar lavouras, não pode ser ignorado.
O reconhecimento da IG Matas de Rondônia se fundamentou em estudos realizados pela Embrapa Rondônia, ao longo dos seus mais de 45 anos de existência. Para subsidiar o trabalho, foram considerados estudos que vão desde as qualidades intrínsecas do produto, caracterização de clima e solo, condições de manejo, genética dos materiais cultivados e envolvidos a um grande levantamento sobre a notoriedade histórica da produção de café em Rondônia.
A região da IG “Matas de Rondônia”, abrange 15 municípios e representa 58,4% das unidades de produção de café do estado (10.147 famílias). Considerando as 54.381 pessoas ocupadas na cafeicultura no estado, 29.630 (54,5%), também estão nessa região, dados IBGE 2017.
A IG “Matas de Rondônia”, tem grande importância econômica e social, estando associada a aproximadamente 17% da população e da extensão territorial do estado. Nesta região está mais de 60% das áreas de lavouras de café e gera 83% da produção de Rondônia. Em resumo, qualquer trabalho desenvolvido em prol da cafeicultura nessa região, pode ter um impacto direto na vida de mais de 300 mil pessoas.
Esse processo, de contínua evolução, apresentou aos cafeicultores rondonienses uma melhor compreensão dos frutos do seu trabalho. Realizam colheitas cuidadosas, no ponto ideal de maturação, associados a um processo de secagem lenta, são alguns dos avanços observados. Há ainda os que têm investido em técnicas de processamento via úmida e processos fermentativos diversos. São passos importantes e que tem feito a grande diferença na qualidade.
O conjunto de características dos Robustas Amazônicos, sua origem e produção com base na qualidade e sustentabilidade, tem transformado estes cafés nos componentes principais de bebidas finas, puros ou na forma de blends (misturas) finos.
Ciência amazônica, construindo conhecimento e mudando realidades
Devido a sua alta produtividade e o fato de os grãos serem valorizados segundo o seu perfil de qualidade, o café pode gerar qualidade de vida, mesmo em pequenas áreas. Talvez por isso, a cafeicultura em Rondônia, é a principal fonte de renda para mais de 17 mil famílias. Em média, esses agricultores cultivam áreas inferiores a cinco hectares. A cada ano que passa, estas áreas se tornam mais produtivas, tecnológicas e lucrativas. Com isso, não apenas fixa a família no campo, como também diminui a pressão sobre a floresta.
Na agricultura amazônica moderna, não há necessidade de explorar novos espaços para se obter mais renda. A conservação dos solos, mananciais e a manutenção da biodiversidade (macro e microbiológica), começa a ser encarada como estratégia para controlar pragas, doenças e os desafios climáticos. Estes cafeicultores enxergam as suas terras como um verdadeiro legado, que deve ser passado para as novas gerações.
A cafeicultura apresenta em números o resultado obtido por meio do uso de boas práticas agronômicas e novas tecnologias de produção. Ao se observar os dados da CONAB, numa progressão temporal de 20 anos, se observa um inequívoco aumento da capacidade de suporte do solo. Graças a um salto de produtividade no campo, as lavouras, que em média produziam menos de dez sacas por hectare, tem produtividade média estimada de 48 sacas por hectare, em 2023. Com isso, ainda que a área cultivada no estado tenha reduzido cerca de 80%, a produtividade aumentou quase 500%.
Dessa forma, a produção atual de Robustas Amazônicos, saltou de menos de dois, para mais de três milhões de sacas. Em resumo, ao longo de duas décadas, houve uma evolução na eficiência de uso da terra, resultado da contínua substituição das lavouras de perfil quase extrativista por outras que incorporam conceitos de tecnologia e sustentabilidade, preconizados pela Embrapa.
Muitos são os fatores e tecnologias responsáveis pela evolução da cafeicultura amazônica. Apesar de, a propagação clonal ser um marco na evolução da cafeicultura amazônica, o simples uso de clones ao invés de sementes não garante uma lavoura produtiva. É preciso também que ela seja bem manejada, seguindo todas as recomendações técnicas, para que as plantas expressem o seu potencial genético. No caso das plantas de canéfora, além das práticas de poda, controle de pragas e doenças, irrigação e nutrição de plantas, se deve considerar os novos arranjos espaciais.
Dentre todos os fatores de produção, considerando-se apenas a evolução do arranjo espacial, pode-se estimar o ganho de produtividade obtido com o manejo das plantas. Em experimento coordenado pela Embrapa, em um hectare de café plantado com tecnologia adequada, no espaçamento 3 m × 2 m, totalizando 1.666 plantas, foi possível obter cerca de 2,6 quilos de grãos beneficiados por planta e pouco mais de 70 sacas por hectare. Neste mesmo experimento, no espaçamento reduzido, 3 m × 1 m, com densidade para 3.333 plantas por hectare, obteve-se cerca de 1,9 quilos de grãos beneficiados por planta e a produtividade chegou a, aproximadamente, 105 sacas. Neste caso, o ganho em produtividade foi de aproximadamente 50%, quando comparado à produtividade média estimada.
Isso, em parte, explica como foi obtido o aumento na produtividade do café em Rondônia nas duas últimas décadas. Pesquisas em andamento, indicam que um plantio ainda mais adensado, e com menos hastes por planta, pode gerar um uso ainda mais eficiente do solo e maiores produtividades médias. Com o uso de novas tecnologias há uma nova gama de possibilidades na produção de cafés canéforas, inclusive para a qualidade de bebida.
Na pós-colheita, os maiores avanços estão na busca do ponto ideal de colheita e nos processos de secagem lenta e cuidadosa dos frutos para atingir a qualidade desejada.
Além disso, com a evolução dos materiais genéticos e registro de clones individuais, os pesquisadores recomendam que, apesar de serem plantados em linhas sucessivas, seis ou mais clones, no momento dos tratos culturais, adubação, poda e, principalmente, durante a colheita e pós-colheita, cada clone receba uma atenção individual. Cada clone tem características genéticas distintas e isso reflete em seu ciclo de maturação, conferindo características sensoriais próprias.
Diversos tipos de secadores solares foram validados e recomendados para a melhoria da qualidade dos frutos em temperatura ideal (35 °C) e de forma sustentável. Estes métodos são adequados para a produção de microlotes ou em pequenas áreas, como acontece em Rondônia. Técnicas mais elaboradas de processamento dos frutos são constantemente desenvolvidas e validadas nos campos experimentais da Embrapa ou áreas de produtores.
Estas tecnologias já fazem parte da realidade dos cafeicultores. Como é o caso de fermentações controladas, ou positivas. O efeito da ação dos microrganismos nos frutos e grãos evidenciam e tornam mais intensas características sensoriais importantes dos grãos, como por exemplo acidez e doçura.
Durante o ano de 2019 a equipe da Embrapa e parceiros realizou visitas técnicas à produtores de cafés especiais para incentivar a adoção de novas práticas de pós-colheita. Os cafeicultores que se apropriaram destas técnicas obtiveram cafés premiados. Hoje, os Robustas Amazônicos fermentados, já fazem parte de um processo de transformação do perfil sensorial dos cafés canéforas, no Brasil e no Mundo, deixando estes grãos ainda mais exóticos e diferenciados.
Estes novos perfis sensoriais dos cafés amazônicos, conquistado por meio de novas tecnologias de pós-colheita, representam a conquista de novos mercados. Aumentando a valorização do produto, a renda do cafeicultor e trazendo novas opções sensoriais para o consumidor.
Empreendedorismo social, um café mais étnico e feminino
A cafeicultura, em todo o mundo, tem um vínculo muito forte com a agricultura familiar. É uma cultura perene, que possui certa rusticidade e grande plasticidade agronômica, se adapta bem a diversos modelos de cultivo: a pleno sol, sistemas agroflorestais e lavouras consorciadas. Se mostra viável, tanto em grandes empreendimentos agrícolas, quanto em uma agricultura de pequena escala. Até mesmo para cafeicultores indígenas que tem um modo peculiar de agricultura, realizada em clareiras e agroflorestas.
No início de 2018, a Embrapa Rondônia, em parceria com a Secretaria de Agricultura de Alta Floresta D’Oeste (Semagri) e apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai), iniciou um projeto para a produção sustentável de cafés especiais. Esta ação, que inicialmente contou com três famílias indígenas, agora, com apoio da iniciativa privada, já atende mais de 130 famílias indígenas de diversas etnias do estado.
Cafeicultores já há mais de 30 anos no estado, os indígenas têm cultura, tradição e níveis de relação com o ambiente muito amplo e diferenciado. A melhoria da qualidade de vida dessas populações, assim como sua inserção social, é questão de política pública e uma demanda antiga desse conjunto de etnias remanescentes no País.
O projeto se baseou no conceito de que a agricultura sustentável pode ajudar a proporcionar o equilíbrio entre a obtenção de recursos financeiros, melhoria de vida nas aldeias e a conservação da floresta.
Já no primeiro ano o projeto rendeu bons frutos. O primeiro microlote produzido pelo indígena Valdir Aruá, da Terra Indígena Rio Branco, conquistou, em 2018, o 2° lugar no Concafé. Estes grãos especiais foram comercializados ao dobro do preço da commodity tradicional. Atualmente, o projeto evoluiu e tem o nome de “Tribos”, uma ação social do Grupo 3Corações, que promove treinamento, logística e valorização dos cafés segundo à sua qualidade de bebida. Além disso, criou um concurso que premia os melhores cafés indígenas. Estes, dão origem a microlotes, que são comercializados, como café “Tribos” na linha de especialidades do grupo, conhecida como “Rituais”.
O café “Tribos” é um produto que quebrou paradigmas na cadeia de produção e transformação do café no Brasil. Primeiro por reconhecer, nacionalmente, os cafés robustas como um produto fino. Segundo, por valorizar o protagonismo indígena como cafeicultor na Amazônia.
Outra ação importante da Embrapa Rondônia, foi a valorização do protagonismo feminino na cafeicultura amazônica. As mulheres sempre tiveram importante papel em todas as etapas do setor do café, seja na lavoura, na comercialização, como baristas – especialistas no preparo de bebidas com café, pesquisadoras, extensionistas e comunicadoras. Apesar de ativas, continuavam quase invisíveis no processo.
Em Rondônia, isso começou a mudar a partir de 2017, com a publicação do livro Mulheres dos Cafés no Brasil, pela Aliança Internacional das Mulheres do Café no Brasil – IWCA, Embrapa e parceiros, que incluiu capítulo referente ao estado.
Em 2018 foi realizado pela Embrapa, em parceria com o Governo de Rondônia, o primeiro Encontro das Mulheres do Café no estado, reunindo especialistas mundiais como a indiana Sunalini Menon, embaixadora do café na Ásia, a especialista em cafés especiais Josiana Bernardes e a diretora da IWCA Brasil, Cristiane Yuki Minami. Foi um momento de motivação, empoderamento e troca de experiências e interação com mulheres do setor do café de Rondônia.
Os temas tratados foram a produção de cafés especiais, valorização do trabalho feminino no campo e oportunidades de novos mercados. Também, foram realizadas ações de transferência de tecnologia voltadas para as mulheres. Foi criado o grupo “Mulheres dos Cafés de Rondônia” em diversas plataformas digitais. Nele há compartilhamento de experiências, informações técnicas, oportunidades e divulgação de conquistas femininas no setor.
Na atualidade, o movimento se fortaleceu e as mulheres de Rondônia tem conquistado o protagonismo na produção de robustas finos, seja em concursos de qualidade, estaduais e nacionais, ou no empreendedorismo. As cafeicultoras trabalham para acessar diretamente o mercado consumidor, por meio de ações de turismo rural e também nas microtorrefações.
Como reflexo dessa revolução social, o Grupo 3Corações, na safra de 2022, permitiu que as produtoras de cafés da espécie canéfora, participassem do internacionalmente premiado, “Concurso Florada”. Em sua primeira edição do “Florada canéfora”, dos dez melhores cafés premiados, todos foram produzidos pelas “Mulheres do Café de Rondônia”. Ainda em 2022, o movimento foi considerado, pela Revista Forbes, um dos mais relevantes do agro para o setor feminino brasileiro.
Riqueza genética e melhoramento participativo
O grande diferencial da cafeicultura amazônica está em como os cafés foram se adaptando e se adequando às condições regionais de cultivo. Foram plantas que evoluíram à medida que novas tecnologias foram geradas pela ciência e adotadas pelos cafeicultores. As características únicas dos Robustas Amazônicos e sua diversidade genética, podem ser considerados a maior riqueza da cafeicultura amazônica e nacional. Por isso, a Embrapa Rondônia tem dedicado esforços de pesquisa na manutenção e caracterização da diversidade genética dos cafeeiros, em suas coleções genéticas e também nas áreas de produtores.
Se os materiais lançados pela Embrapa estão devidamente caracterizados, o mesmo ainda não se pode dizer dos materiais selecionados pelos cafeicultores. Por isso, a empresa de pesquisa elaborou o projeto “Rede Estadual de Avaliação de Clones de Cafés”, popularmente conhecido como: “REDE CAFÉ – Melhoramento Participativo”.
Com o intuito de fortalecer a cafeicultura em Rondônia e promover uma agricultura sustentável na Amazônia. Envolve a participação da pesquisa, de instituições governamentais do estado e de produtores. Estão sendo avaliados, por quatro safras, os 64 melhores materiais genéticos disponíveis atualmente nas principais regiões produtoras de café em Rondônia. As avaliações serão realizadas em cinco experimentos instalados em propriedades de cafeicultores que estão nas principais regiões produtoras do estado: Cacoal, Alta Floresta do Oeste, Cujubim, São Miguel do Guaporé e Seringueiras.
Ao final das avaliações, será elaborada uma ficha técnica para cada clone avaliado, com as informações agronômicas e qualitativas, possibilitando ao produtor o registro do material genético junto ao Registro Nacional de Cultivares – RNC, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa. As cultivares poderão ser recomendadas para todo o estado, fortalecendo ainda mais a cafeicultura na região.
A geração de conteúdo e conhecimento acerca dos materiais genéticos amazônicos, empoderam a cafeicultura. É uma maneira de fomentar a cadeia de produção e transformação do café, com informações relevantes sobre a genética, manejo e características, físicas, químicas e sensoriais dos robustas.
Como resultado de todo esse arcabouço genético gerado pela pesquisa, a Embrapa Rondônia fez uma parceria com a World Coffee Reseach – WCR, para uso de uma plataforma global de conteúdo técnico científico sobre cafés. Com isso, os agricultores de Robusta têm um novo recurso de acesso aberto ao seu alcance – o World Coffee Research’s (WCR). Catálogo de Variedades Robusta. O catálogo, disponível em inglês e espanhol, traça o perfil de 47 variedades robusta – de origens como Brasil, Índia, Indonésia, Uganda, México e Vietnã – usando mais de 20 variáveis, como potencial de rendimento, estatura, tamanho do grão, requisitos nutricionais, linhagem, suscetibilidade a pragas/doenças e muito mais. O catálogo está disponível juntamente com o Catálogo de Variedades de Café Arábica do WCR.
Com a crescente prevalência do robusta no mercado global, a WCR espera que o catálogo reduza o risco associado à cafeicultura, fornecendo informações diretas para permitir que os agricultores e outros tomadores de decisões de plantio façam uma escolha informada sobre quais variedades crescerão melhor em determinados ambientes.
Como a vida útil de um cafeeiro é de 20 a 30 anos, a decisão dos cafeicultores sobre qual variedade plantar tem consequências de longo prazo. Se um agricultor tomar uma decisão desinformada sobre a variedade, a perda cumulativa pode ser enorme. Comparativamente, se um agricultor tomar a decisão certa, o ganho cumulativo pode ser significativo.
Este é o exemplo do pioneirismo de Rondônia no melhoramento participativo do café, com uma proposta inovadora que envolve a participação de órgãos públicos e cafeicultores, todos com objetivo de fortalecer a cafeicultura da Região Norte e promover a agricultura sustentável na Amazônia
Um futuro sustentável: A valorização dos serviços ambientais dos Robustas Amazônicos
Como uma cultura exótica ou “naturalizada, pode representar algo de positivo para a Amazônia? Não é um contrassenso? Definitivamente, não! O café, pode se tornar uma cultura “coringa” nas estratégias para a conservação ambiental na Amazônia.
Mas afinal, a cafeicultura na Amazônia é sustentável? Para responder essa questão, é necessário antes entender o conceito de sustentabilidade. Se trata de uma forma de resiliência espaço/temporal, em que, as necessidades de uma geração não podem se sobrepor às da geração futura. Então, para uma atividade agrícola ser considerada sustentável, é preciso que ela leve em consideração que os meios de produção podem se tornar finitos. Principalmente se não forem utilizados de forma racional.
Outra informação importante, a sustentabilidade deve ser encarada como um tripé, que tem como suporte questões econômicas, sociais e ambientais. Não se atinge a sustentabilidade plena sem esta observância. Dito isto, a resposta é sim! A cafeicultura na Amazônia é sustentável sob vários aspectos. Mas, ainda existe muito a evoluir.
Primeiramente, há de se levar em consideração que, em mais de 50 anos, o Estado de Rondônia, responsável por mais de 90% de todo o café da Amazônia, conseguiu manter e ampliar a sua capacidade produtiva. Um aumento de produtividade que saiu de níveis extrativistas, para as atuais 48 sacas por hectare. Essa evolução ainda pode atingir outros patamares! Com o emprego de tecnologias adaptadas às condições de cultivo amazônicas, é possível atingir médias superiores a 100 sacas por hectare. De forma pontual, alguns cafeicultores têm demonstrado isso na prática.
Cerca de um quinto de toda mão de obra agrícola do estado está empregada nas lavouras de café. Em resumo, uma cultura com estas características representa a sobrevivência da agricultura familiar de pequena escala e menor pressão sobre a floresta.
Apenas para se ter uma ideia, segundo o MAPA, o café possui em 2023 uma área de 65 mil hectares de lavouras em produção e com o valor bruto estimado para a produção de 2,4 bilhões de reais. Em termos agronômicos, a cafeicultura na Amazônia se mostra bastante viável e sustentável.
Os Robustas Amazônicos, apesar de não serem plantas nativas do Brasil, são muito bem adaptadas ao clima e solo da região. Com isso, a quantidade de insumos e adequações tecnológicas tende a ser menor. Até mesmo, se comparado à produção em outras regiões tradicionais como o Sudeste. Os Robustas Amazônicos são tolerantes ou resistentes a importantes pragas e doenças do café. Além disso, possuem vigor, rusticidade e se desenvolvem bem até mesmo sem irrigação.
Mas, se as estatísticas demonstram o quão sustentável a cafeicultura na Amazônia pode ser, ainda é preciso fundamentar isso com dados técnicos e científicos, de diferentes plataformas. Os mercados que valorizam produtos de maior valor agregado, ou mesmo commodities, tem exigido isso do Brasil. Quando se pensa em produtos da agricultura amazônica, é ainda mais imprescindível estudos que sirvam para certificar a sustentabilidade para a cafeicultura na Amazônia.
E o futuro, reserva ainda novos caminhos de sustentabilidade para a região. Em 2023, uma parceria público/privada entre a CAFERON, Embrapa Rondônia, Embrapa Territorial e SICOOB deu início aos estudos denominados como “Serviços Ambientais Gerados para Cafés Robustas Amazônicos”. O objetivo por meio desse trabalho de pesquisa científica será a mensuração e valoração dos serviços ecossistêmicos como uma forma de oportunidade estratégica para o setor cafeeiro amazônico.
Com isso, criar um valor de referência ao consumidor mostrando que os cafés das Matas de Rondônia podem ser, por exemplo, produzidos de forma sustentável, com qualidade, ter origem comprovada e principalmente, não possuir vínculo com o desmatamento. Isso, criará as condições mínimas para o pequeno produtor permanecer na terra com maior ganho de rendimento econômico no imóvel rural.
A cafeicultura amazônica, culturalmente, já apresenta uma menor suscetibilidade a atividades ambientais predatórias por parte dos agricultores, é esta a base da oportunidade que o projeto se insere. Então, por meio do inventário e da mensuração dos estoques de carbono – retido na biomassa e no solo – nos cafeeiros amazônicos, será estimada o potencial da sua valoração, em termos de serviços ambientais e ecossistêmicos.
Para tanto, o projeto busca responder questões importantes do setor produtivo cafeeiro da região das Matas de Rondônia: Qual a área de café atual da região das matas de Rondônia? Como se caracterizam os imóveis rurais cafeeiros dessa região? O desmatamento da Amazônia tem alguma relação com a produção cafeeira? Os imóveis rurais apresentam quantidades satisfatórias de vegetação florestal nativa? As áreas de café sequestram maior ou menor quantidade de carbono que áreas de pastagem adjacentes? A cultura do café emite ou sequestra carbono durante a fase agrícola?
Para responder a essas perguntas o projeto prevê: (1) Mapeamento das áreas cafeeiras da região das Matas de Rondônia; (2) Mapeamento de áreas de pastagens aptas à cafeicultura de qualidade; (3) Mapeamento da vegetação florestal conservada nos imóveis produtores de café; (4) Estruturação da base de dados espaciais dos imóveis rurais cafeeiros, a partir de fontes oficiais – CAR-SFB/IBGE; (5); Análise da mudança de uso e ocupação das áreas florestais nos imóveis rurais entre 2008 e 2023; (6) Estimativa do Carbono no solo mais fitomassa dos cafeeiros, bem como o inventário das emissões de GEE da fase agrícola de produção. Adicionalmente, ocorrerá o levantamento de dados primários junto aos imóveis rurais para identificação do perfil dos imóveis rurais, das práticas agrícolas de manejo dos cafezais com potencial mitigador das emissões de gases de efeito estufa e/ou aumento dos estoques de carbono.
Com isso, espera-se gerar impactos positivos de valoração ambiental dos sistemas de produção dos imóveis rurais cafeicultores da Amazônia. Os resultados a serem obtidos poderão embasar uma possível comercialização futura de Créditos de Carbono por parte dos pequenos produtores, muitos dos quais a margem do setor financeiro, por meio da criação de um título de crédito para financiar atividades sustentáveis, tal como, uma Cédula de Produto Rural Verde (CPR Verde).
Em resumo, existe um caminho de sustentabilidade que vem sendo trilhado pela cafeicultura amazônica. Entretanto, ainda há muito por se fazer em termos de geração de tecnologias de produção sustentável, adequações por parte do produtor e gestão da informação. Mas, é preciso reconhecer o esforço formidável de toda a cadeia em prol da construção de uma cafeicultura que tem tudo para ser um modelo de desenvolvimento agrícola e sustentável para a Amazônia e para o Brasil. Mas, para que isso se concretize é preciso um esforço mútuo de valorização dos bons exemplos que vêm da floresta. A primeira Indicação Geográfica, do tipo Denominação de Origem, de Cafés Robustas Sustentáveis do Mundo, são exemplo desse esforço comunitário e uma deliciosa bandeira de valorização social e conservação ambiental.
Fonte: Embrapa
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