Considerado um dos maiores confinamento do Brasil, a Fazenda Santa Rosa, do Grupo Campanelli, mais parece uma “cidade do boi” com mais de 60 mil cabeças por ano!
Em Altair, município de pouco mais de 4 mil habitantes no extremo norte de São Paulo, cada boi que entra para engorda na Fazenda Santa Rosa tem seus passos vigiados numa espécie de big brother rural. O consumo de ração, o ganho de peso e a sanidade são monitorados com o uso de softwares e uma parafernália eletrônica como câmeras, drones e sensores. As informações são acessadas em tempo real, por meio de computadores, tablets e smartphones.
Com uma capacidade estática para mais de 18 mil cabeças de gado, o confinamento mais parece uma cidade do boi, com uma terminação anual de mais de 60 mil animais no cocho, o Grupo Campanelli é exemplo de produtividade e gestão com uso de tecnologia e resultados lucrativos. Como ocorreu nas quatro últimas safras de boi. A companhia faturou no ano passado R$ 253,4 milhões, 11,1% a mais que em 2017 e 71,6% acima de 2014.
Nem os 280 funcionários da Santa Rosa escapam ao irmão mais velho. Todos os dias, eles apresentam pelo celular um relatório com uma avaliação da jornada de trabalho na lida nos currais e no trato das plantações de cana e milho – atividades que fazem da fazenda uma das mais modernas do país quando se trata de agropecuária de precisão.
Em cada piquete do confinamento da empresa, entre os cochos e os bebedouros, existe um sensor equipado com um microchip transmissor de radiofrequência, que envia para um central de controle de dados captados da balança eletrônica onde os bois são pesados, nove vezes por dia .
Todas as manhãs, um zootecnista da fazenda passa por todos os piquetes do confinamento. Para cada um deles é feito, uma avaliação visual se há ou não sobra de comida e uma análise do comportamento dos animais naquele momento. A partir daí, ela dá “nota de cocho” para cada um dos piquetes.
Por meio de um tablet, uma nota dada pela zootecnista é enviada em tempo real para um central de controle. Os dados sobre a curva de consumo de cada lote repassados pela zootecnista e os colhidos na pesagem dos animais servem de base para calcular a quantidade de ração que deve ser distribuída em cada piquete naquele dia e até a eventual necessidade de substituição da dieta.
As informações geram uma ordem de produção, que é enviado à fábrica de ração da fazenda. Os operadores são informados sobre quais ingredientes e os volumes que devem ser considerados no misturador que processará o alimento. O desempenho do operador, inclusive, é controlado em tempo real, para saber se ele está ministrando uma certa dose dos ingredientes. Essa análise é usada como referência para deduzir a variável de funcionário no mês.
Todo o processo da fábrica é monitorado em tempo real, por meio de câmeras, e acompanhado por monitores pela equipe da sala de controle. É ali que fica também o NIRS, um sistema de infravermelho que mede características como quantidade de proteína, fibra e umidade da matéria-prima, como caroço de algodão, polpa cítrica e outros ingredientes.
A ração também é controlada no piquete, onde na chegada do caminhão os sensores identifica se está carregada com o alimento certo para o lote de animais confinados. A distribuição da comida é feita nos locais exatos e nos volumes precisos, sem interferência humana. Ao piloto do caminhão cabe apenas a tarefa de dirigir entre os piquetes.
A Santa Rosa pertence ao Grupo Campanelli, uma empresa familiar que, nos últimos sete anos, investiu R $ 10 milhões de recursos próprios na compra de equipamentos, máquinas e montagem de toda a infraestrutura de tecnologia da informação.
Uma rede própria formada por torres integra como sete unidades do grupo num raio de 100 milhas, em sete diferentes municípios do norte paulista.
O responsável pela virada tecnológica foi Victor Campanelli, um jovem administrador de empresas de 37 anos, diretor do grupo e membro da terceira geração à frente dos negócios da família. Ele conta que a fazenda mantém tudo sob controle, todo o histórico de cada lote de animais que passa pelo confinamento: quem é o fornecedor, quanto custou o garrote, o número de mortes, gastos com medicamentos, etc.
Ele explica que, na prática, tem uma DRE (demonstração de resultados do exercício) por lote, com a rentabilidade de cada um, escolher. “Sei o peso inicial e o peso final e, por fim, o frigorífico informa o rendimento de cada uma das carcaças”, explica Victor, que diz ter um algoritmo que informa o melhor momento de venda dos animais.
O sistema permite ter gado para abate o ano inteiro, enquanto no confinamento tradicional os animais estão prontos no segundo semestre, durante a entressafra da pecuária. O rastreamento e o controle de todas as informações sobre o manejo do gado possibilitaram à empresa a habilitação para fornecer carne ao exigente mercado europeu. Neste ano, serão adquiridos 75 mil animais, em um contrato de fornecimento exclusivo com a JBS. A pecuária de corte representa cerca de 80% do faturamento do grupo estimado em R $ 320 milhões para 2019.
O segredo do sucesso dos Campanelli não se deve apenas ao rigoroso controle do confinamento. A automatização começou nos canaviais. A proibição da queimadas gerou o desafio de viabilizar a colheita mecanizada sem perda de produtividade. Para ter lavouras mais produtivas e longevas, uma companhia decidiu, em 2006, implantar o piloto automático na colheita e transbordo da cana.
Como não existiam na época equipamentos de agricultura de precisão específicos para canaviais, Victor Campanelli teve de desenvolver adaptações junto com uma empresa norte-americana. A partir de 2 mil mensurações de solo na fazenda e utilizando um jogo de estatística, ele chegou a um índice de correlação que permite aplicar fósforo e potássio na dose certa e no local certo sem desperdícios.
A cana, que ocupa uma área de 8 mil hectares, respondendo por 15% da receita do grupo, está associada ao cultivo do milho, que é colhido inteiro. Grão, palha e sabugo, colhidos ainda verdes, são utilizados na silagem para o gado. O plantio dos 2.500 hectares de cereal, em áreas de reforma dos canaviais, é feito com uma precisão de 3 centímetros. Isso é possível porque 100% da frota de máquinas agrícolas – o que inclui tratores, plantadeiras e colheitadeiras – possui sistema autônomo de direção.
Victor destaca a sinergia das atividades. Um pequeno percentual da palha é enfardado para suprir a demanda por fibra no confinamento. O canavial abre o espaço para o milho, que alimenta o gado, que por sua vez devolve mais de 50 mil toneladas de adubo orgânico para as lavouras. A empresa também conta com a vinhaça da indústria para a qual oferece cana, que lhe garante uma fonte de potássio.
O negócio mais recente do grupo é a Tecno Beef, uma empresa de nutrição animal que produz suplementos minerais sob medida para seus clientes e já responde por 5% do faturamento. Com menos de um ano em operação, o braço de nutrição já passado por quatro ampliações, necessário para atender a clientes em nove Estados do país.
Tecnologia
A 300 milhas de Altair, em Rafard, também no interior paulista, o médico-veterinário Rafael de Genaro Bartipaglia há quatro anos utilizando software e hardware na Fazenda Arte Real para acompanhar dados zootécnicos do rebanho, sem sequer estar na lida. “Estar na propriedade continua importante, mas já faço muitos procedimentos de qualquer outro lugar. Posso verificar detalhes de performances dos animais e encaminhar decisões muito mais acertadas e precisas com base em números (data drive) ”, comentou.
A chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária, Silvia Massruhá, organiza a transformação digital no campo em quatro níveis tecnológicos: o agro 1.0 não utiliza ferramentas digitais; o agro 2.0 tem softwares de gestão; e o agro 3.0 emprega softwares e também sensores de precisão. Já o 4.0 conecta tudo isso e vai além. “Estamos em um processo de revolução digital na pecuária e também em outros setores da economia.”
“O Agro 4.0 reúne diversas tecnologias de conectividade, software com alta capacidade de processamento e hardware disrruptivo, que possibilitam um nível elevado de eficiência”, explica o pesquisador.
Rafael de Genaro lembra que “deu sorte” por ter acesso à internet de operadoras comerciais para superar a primeira técnica no caminho da “digitalização”: uma conexão.
Atualmente, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 1,5 milhões de propriedades (do total de 5 milhões) têm acesso à rede mundial de computadores. O número cresceu 1.790% desde 2007, mas seria bem maior caso a conexão chegasse a áreas onde o agro é forte.
“Em nosso caso, coletamos os dados manualmente, inserimos no sistema de maneira offline. Ainda em 2019, vamos adicionar um sistema de curral automatizado com sensores totalmente conectados para darmos mais um passo à digitalização ”, diz Rafael.
O professor Rubens Coelho, do Departamento de Biossistemas da Esalq, da USP, lembra que satélites ou padrões alternativos de rádio também podem permitir aos produtores rurais conectar suas atividades à rede mundial.
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“Necessidade da fazenda, o rádio é uma solução acessível. Mas, se o objetivo de conectar muitos pontos, cada animal por exemplo, ainda é muito caro, sem falar na questão da bateria dos receptores. Animal não tem tomada ”, afirma o especialista.
A conexão de um ponto a outro na propriedade e dela para o mundo abre um universo de possibilidades para os pecuaristas em software e hardware. Na opinião do professor da Esalq / USP, a fazenda digital será regra regra entre os melhores na produção intensiva daqui a cinco ou dez anos. Já na extensiva, ele acredita que vai levar entre 15 e 20 anos para os criadores ingressarem no mundo digital.
Resumo do Big Brother no confinamento Campanelli:
Compre Rural com informações do Globo Rural