Brasil pode ser dano colateral na guerra comercial de Trump

Brasil entre tensões globais: os impactos de uma possível volta de Trump na política e economia brasileira.

ORLANDO, Flórida, (Reuters) – Poucos países foram mais afetados pelo aumento do dólar e dos rendimentos dos títulos dos EUA do que o Brasil. Mas o país tem uma coisa a seu favor – enquanto o presidente dos EUA, Donald Trump, se prepara para cobrar tarifas punitivas sobre muitos dos principais parceiros comerciais dos EUA, é improvável que Brasília esteja em sua linha de fogo protecionista.

O Brasil não registra superávit comercial com os Estados Unidos desde 2007. No entanto, com sua economia e mercados em um momento delicado, o Brasil não pode ser complacente. O Brasil é mais uma vez o caso clássico de uma economia emergente sob o cosh. As condições financeiras são as mais apertadas desde 2016, segundo o Goldman Sachs, os rendimentos reais acima de 10% são os mais altos em mais de 15 anos, e sua moeda nunca esteve tão fraca.

O banco central tem buscado sustentar o real, aumentando as taxas em 100 pontos-base no mês passado e prometendo outros 200 bps por vir. O saldo fiscal primário do Brasil é saudável, mas o crescente ônus dos juros é um dreno nas finanças públicas.

O banco central também interveio pesadamente no mercado de câmbio para dar suporte ao real, gastando US$ 28 bilhões em reservas somente em dezembro. Isso foi 9% de suas reservas totais, a maior queda em 19 anos.

Os investidores estão compreensivelmente ansiosos e sacaram US$ 12,6 bilhões líquidos de fundos de dívida e ações em dezembro. Essa foi a segunda maior saída desde que a série do banco central começou em 1995.

Caso especial

Por um lado, a posição do Brasil entre os grandes países emergentes é única. Os 20 principais parceiros comerciais dos Estados Unidos em 2023 incluíam nove economias emergentes, das quais o Brasil foi o único que não exportou mais do que importou, de acordo com dados do governo dos EUA.

Enquanto o Brasil registrou no ano passado um grande superávit comercial de US$ 74,6 bilhões, o segundo maior já registrado, sua balança comercial bilateral com os EUA ficou estável. De fato, até o ano passado, o Brasil teve um déficit comercial com os EUA todos os anos desde 2007.

Portanto, Trump não pode alegar que o Brasil está “tirando vantagem” dos EUA ou tratando-os “injustamente”, acusações que ele fez a muitos outros países, incluindo Alemanha, Canadá, China, México e outras economias emergentes que têm enormes superávits comerciais com os EUA.

Danos colaterais

No entanto, há espaço para tensões em diversas áreas.
Primeiro, Trump e o líder de esquerda do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, não poderiam estar mais distantes ideologicamente, e há um profundo atrito entre Brasília e Elon Musk, o czar da eficiência de Trump, sobre o controle das mídias sociais.

O Brasil também já foi alvo dos ataques públicos de Trump, ainda que indiretamente, quando ele criticou o grupo de nações BRICS em novembro por supostamente ter planos de se afastar ou substituir o “poderoso” dólar.

Talvez mais preocupante, o Brasil pode sofrer danos colaterais se Trump cumprir suas ameaças de interromper o comércio global. Como Elizabeth Johnson, da TS Lombard, aponta, se tarifas gerais desestabilizarem a economia global – e especialmente se desacelerarem a atividade no maior parceiro comercial do Brasil, a China – haverá “quase certamente” um pouso forçado no Brasil no ano que vem.

Aula de história

A experiência do Brasil com Trump 1.0 oferece motivos tanto para esperança quanto para ansiedade desta vez.

Na primeira presidência de Trump, tarifas de retaliação levaram Pequim a tomar medidas permanentes para reduzir sua dependência de produtos agrícolas dos EUA, o que foi uma bênção para o Brasil. Em 2016, a China adquiriu 40% de sua soja importada dos Estados Unidos. Nos primeiros 11 meses do ano passado, esse número caiu mais da metade para 18%. Enquanto isso, a participação do Brasil cresceu de 46% para 74%, de acordo com dados da alfândega chinesa.

Por outro lado, a China poderia concordar com Trump concordando em aumentar as importações agrícolas dos EUA em troca de tarifas mais baixas. Isso teria um efeito cascata sobre os exportadores brasileiros, justamente quando Brasília espera que exportações maiores, devido a uma taxa de câmbio fraca, sejam uma fonte essencial de crescimento neste ano.

Há também o risco de que Lula responda aos movimentos disruptivos de Trump com medidas populistas e protecionistas próprias. A economia dos EUA – e especialmente seus mercados – provavelmente são fortes o suficiente para suportar um período de disrupção liderado por Trump. Infelizmente para Lula, a do Brasil quase certamente não é.

Fonte: Reuters

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