Os prejuízos pelo estresse térmico são evidentes na pecuária; entenda seu impacto e veja uma comparação entre as raças Angus, Charolês e Brahman.
As constantes alterações climáticas geram incertezas e tornam cada vez mais desafiador o cenário da produção pecuária mundial. Estima-se que o aumento na temperatura da superfície terrestre seja entre 0,3 °C e 4,8 °C até o ano de 2100 (IPCC, 2013). Os impactos destas alterações atingirão toda a cadeia agroindustrial, desde a produção pecuária, até a biodiversidade, recursos hídricos e produção agrícola, colocando em evidência uma questão de segurança alimentar. Os prejuízos do estresse por calor são bastante onerosos à pecuária, assim para obter melhores índices econômicos e sustentabilidade do setor é necessário desenvolver e empregar tecnologias que favoreçam a ambiência animal.
O ambiente térmico desfavorável pode influenciar a termorregulação dos bovinos, especialmente em regiões quentes como no Brasil. Com isso, torna-se imprescindível buscar animais mais adaptados ao calor, bem como empregar estratégias para amenizar os impactos negativos do estresse por calor. Neste contexto, é importante observar que cada espécie possui uma zona de conforto térmico no qual a temperatura ambiente é ideal para manter seus mecanismos fisiológicos de termorregulação com menor gasto energético, permitindo que expressem seu potencial produtivo.
animais zebuínos demonstraram maior capacidade de regular a temperatura corporal que animais taurino.
O sombreamento é importante?
Lees et al. (2017) constataram que nas horas mais quentes do dia, animais que tinham acesso à sombra apresentaram temperaturas ruminais menores que aqueles que estavam a pleno sol. Ruiz (2019) observou que animais confinados com acesso à sombra tiveram redução de comportamentos sociais negativos, reduzindo prejuízos econômicos. Além disso, animais zebuínos (Bos inidicus) demonstraram maior capacidade de regular a temperatura corporal que animais taurinos (Bos taurus). Isto reforça a ideia de que é necessário pensar em adaptação ao ambiente ao se escolher uma raça bovina, e que apesar de produtiva, o ambiente pode ser um obstáculo para a expressão de seu máximo desempenho.
Desse modo, o que acontece com os animais que estão sob temperaturas superiores às consideradas ideais para seu conforto?
Na tentativa de reestabelecer seu equilíbrio térmico, os bovinos buscam por sombra, aumentam a ingestão de água e reduzem o consumo de alimentos. A redução na ingestão voluntária de alimentos ocorre sob temperaturas que excedem o limite de tolerância ao calor (MEDEIROS; VIEIRA, 1997). Além disso, gastam energia em processos fisiológicos na tentativa de eliminar o calor excedente, ficando mais ofegantes, aumentando a sudorese, e desviam energia que poderia ser utilizada para a produção de carne, leite, etc.
Há diversas formas de se estimar a temperatura central, que é um indicador confiável da temperatura corporal do animal, mas pode ser correlacionada com outras medidas, como temperatura retal, vaginal, ruminal e outras. Animais taurinos e zebuínos regulam a temperatura corporal de formas distintas, para investigar essa diferença, pesquisadores australianos conduziram um estudo para determinar o efeito do estresse por calor na temperatura ruminal de bovinos das raças Angus, Charolês e Brahman (LEES et al., 2017).
A faixa de temperatura ruminal em normalidade varia entre 38 °C e 42 °C, garantindo estabilidade à microbiota ruminal (YOKOYAMA; JOHNSON, 1993). Há variações nestes valores em decorrência de fatores ambientais, como também do processo de fermentação ruminal. Se houver uma sobrecarga de calor, os animais podem não conseguir dissipar o excesso de calor do rúmen, causando aumento na temperatura, gerando desequilíbrio, alterando os parâmetros da fermentação ruminal, taxa de passagem, aproveitamento de nutrientes e comprometendo o desempenho alimentar.
No estudo realizado por Lees et al. (2017) foi encontrado um valor de temperatura ruminal de 43,7 °C, em bovinos da raça Angus sem acesso à sombra, considerado superior à faixa ideal. Estes pesquisadores chegaram à conclusão que o sombreamento foi capaz de reduzir o impacto do aumento da temperatura ruminal nas horas mais quentes do dia para as raças Angus e Charolês, já os animais da raça Brahman mostraram-se mais eficientes no controle da temperatura ruminal quando comparados às duas outras raças.
Fatores como escolha da raça, condições ambientais e disponibilidade de sombra tem implicações diretas na aclimatação dos bovinos frente aos desafios do ambiente, como variações sazonais na disponibilidade de água e alimentos, desafios com parasitos e doenças. Na literatura as recomendações de sombra são variáveis, podendo chegar de 1,8 m²/animal (HAHN, 1981) até 9,6 m²/animal (SCHÜTZ et al., 2010). Criações extensivas estão mais expostas a estes agentes estressores, que se somados, podem progressivamente prejudicar a produtividade do rebanho. Comprometendo suas reservas corporais, crescimento, reprodução, sistema imunológico até mesmo a produção de carne ou leite.
Autores:
Gustavo Pereira Viana, Amanda Aparecida Brito, Bruno Humberto Rezende Carvalho, Carolina Moreira Araújo, Gabriel de Oliveira Rocha, Muller Carrara Martins, Mara Regina Bueno de Mattos Nascimento
REFERÊNCIAS
IPCC (Intergovermental Panel on Climate Change), 2013. Climate change 2013: The physical science basis. In: Stocker, T.F. et al. Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA, p. 1535. Disponível em: < Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA, p. 1535.
LEES, A. M. et al. Effect of heat stress on rumen temperature of three breeds of cattle. International Journal of Biometeorology, Lisse, v. 62, n. 2, p. 207-215, 2018 DOI: 10.1007/s00484-017-1442-x.
MEDEIROS, L. F. D.; VIEIRA, D. H. Bioclimatologia Animal. Rio de Janeiro, 1997.
RUIZ, L. R. B. Efeito do uso de sombra no comportamento social e ingestivo de bovinos de corte terminados em sistema de confinamento. Trabalho de conclusão de curso – Universidade Federal do Mato Grosso, Rondonópolis, 2019.
SCHÜTZ, K. E. et al. The amount of shade influences the behavior and physiology of dairy cattle. Journal of Dairy Science, Champaign, v. 93, n. 1, p. 125-133, 2010.
YOKOYAMA, M. T.; JOHNSON, K. A. Microbiology of the rumen and intestine. In: Church DC (ed). The ruminant animal: digestive physiology and nutrition. Waveland Press Inc., Prospect Heights, IL, p. 12-144, 1993.