O Deputado Federal pelo Psol, Guilherme Boulos, afirmou que a culpa das altas no preço do café são as exportações; informações foram contestadas por uma das maiores autoridades do setor
O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) publicou em suas redes sociais uma matéria onde mostra que as exportações de café do Brasil em 2024 superaram as 50 milhões de sacas pela primeira vez na história. “Em 2024, o agro exportou R$ 75 bilhões em café. No mesmo ano, o preço do café aqui dentro aumentou quase 40%” – escreveu o político em suas redes sociais.
No ano passado, o consumo brasileiro de café solúvel também alcançou seu maior nível na história. O mercado interno absorveu 1,069 milhão de sacas do produto, apresentando um crescimento de 0,6% na comparação com 2023, ano do recorde anterior.
“Isso porque o agro vende para fora o que se planta aqui dentro. 1º vem o lucro; se sobrar algo, vendem no mercado interno. Resultado: riqueza para meia dúzia de exportadores ,e comida mais cara no prato de milhões de brasileiros” – finalizou o psolista.
Boulos esquece que o Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo. Esses números fazem o país destinar à cafeicultura (arábica e conilon) um total de 2,26 milhões de hectares. O Brasil é o segundo maior consumidor de café no mundo, atrás somente dos Estados Unidos.
O deputado federal também esquece que o café é uma commodity negociada em bolsa de valores, os preços são determinados pela oferta e demanda, sem contar que os custos de produção cresceram muito depois da pandemia do Covid-19 e guerras travadas pelo mundo. Se equivoca quando diz que “meia dúzia de exportadoras” ficam com a riqueza, já que a cultura tem um forte apelo social, tendo em vista a grande concentração de produção em propriedades familiares onde as lavouras são cultivadas.
A cultura representa uma importante receita para as famílias, com grande emprego de mão-de-obra não só na produção como em todo o processo industrial e comercial.
Quem também rebateu as declarações do esquerdista foi o premiado professor Marcos Fava Neves, mais conhecido como Doutor Agro, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEARP) da USP.
Em suas redes sociais o Prof. Marcos diz que é muito importante que antes de atacar um setor da produção, possamos estudar para não cometer injustiças. Segundo o próprio Governo do Brasil são cerca de 300 mil propriedades que fazem café, 70% destas de pequeno porte, geridas pelas próprias famílias.
O preço do café, por ser uma commodity é único no mundo em dólar, e este sobe ou desce devido à produção e consumo. O café subiu no mundo todo devido a problemas no clima. No Brasil, em Reais, ele subiu mais que no mundo devido a erros crassos de gestão pública que fizeram o Real perder grande valor.
Do café produzido no Brasil, cerca de 22 milhões de sacas abastecem muito bem o crescente mercado interno e cerca de 50 milhões são exportadas, o que confere ao Brasil a liderança no mercado mundial e a entrada de US$ 12,3 bilhões no país em 2024, recursos que foram para centenas de milhares de pequenos produtores, colhedores, caminhoneiros, cooperativas, produtores de mudas, prestadores de serviços e para os comércios de todas as cidades produtoras.
“Esta postagem acaba sendo injusta com todas estas famílias. Parabéns às milhões de pessoas envolvidas na produção de café, que silenciosamente trabalham e contribuem para construir nosso país, nos dando um exemplo de esperança” – finalizou Marcos.
Números consolidados do café brasileiro
Os Estados Unidos lideraram o ranking dos principais parceiros comerciais dos cafés solúveis do Brasil em 2024 com a importação de 777.401 sacas, o que representou um avanço de 10,9% na comparação com os dados de 2023. Fechando o top 3, aparecem a Rússia, que adquiriu 253.240 sacas do produto (+346%), e a Indonésia, com 243.455 sacas (+7,6%).
Além dos indonésios, merece destaque o desempenho das exportações do produto brasileiro a tradicionais produtores de café solúvel, como o México, sétimo na tabela, e o Vietnã, que ocupou a 11ª colocação.
“Há uma esperança de que o acordo Mercosul-União Europeia vingue e o setor consiga aumentar a capacidade de embarque. A UE é o nosso segundo maior destino de exportações no conjunto de países, atrás apenas dos Estados Unidos. Então há uma possibilidade grande de crescimento muito rápido dos embarques para o bloco se o acordo for consolidado o mais breve possível”, analisa o diretor de Relações Institucionais da Abics, Aguinaldo Lima.
Ciclo do café no Brasil
O café está presente na história do Brasil desde o século XIX, na época do Império. Após os ciclos econômicos do pau-brasil, da cana-de-açúcar e do ouro, o ciclo do café, que vai até o século XX, representou a maior fonte de riqueza do país e o principal produto de exportação.
O café chegou ao Brasil em 1727, entrando pelo Pará e cultivado na cidade de Belém. Nos anos seguintes, foi levado para o Maranhão e para o Rio de Janeiro, onde foi cultivado para consumo doméstico. Levado para terras da Serra do Mar, chegou ao Vale do Paraíba por volta de 1820, onde encontrou a “terra roxa”, solo rico para os cafezais. De São Paulo foi para Minas Gerais, Espírito Santo e Paraná.
De acordo com o professor e historiador Diogo Dionizio, o ciclo do café foi muito importante para o desenvolvimento da região Sudeste, pois até então o Norte e Nordeste eram as regiões mais importantes do Brasil. “O ciclo do café surge no contexto do Brasil Império, então a partir do século 19 que vamos passar a ter esse ciclo e o café foi um produto muito importante principalmente para as regiões de São Paulo e do Paraná”, explica.
No final do XIX e começo do século XX, os barões de café passaram a ter uma grande influência na política nacional, sobretudo, na política do “café com leite”, que dividiu o poder no Brasil. “Nós vamos ter num ano, cafeicultores paulistas com o poder no Brasil e com poder central da presidência, e no outro ano nós vamos ter os produtores de Minas, que são os grandes produtores de leite”, diz.
O café passou a ser uma bebida bem comercializada no mundo todo e o Brasil se tornou um dos principais exportadores de café do mundo até a crise de 1929, quando o grão deixou de ser um dos principais produtos de exportação e o Brasil perde essa “soberania” no setor.
O historiador também lembra que o café fez parte da bandeira do Império brasileiro e atualmente integra o Brasão da República. “No período do Império, a bandeira vai apresentar os ramos de café, mostrando ali como essa cultura se transformou numa planta tão importante para economia brasileira, e até hoje o café é um dos principais produtos de exportação brasileiro. Até hoje o café movimenta a economia global e também a economia brasileira”, diz Dionizio, atualmente formador de professores de História na Divisão Pedagógica da Diretoria Regional de Educação de Guaianases, na Zona Leste de São Paulo.
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