Problemas econômicos e fiscais no Brasil podem desvalorizar ainda mais o real pressionando o açúcar em centavos de dólar por libra-peso
Por Arnaldo Luiz Corrêa* – Temores de uma nova onda de covid-19 na Europa derrubaram os preços de energia no mercado internacional. O petróleo tipo Brent despencou na sexta-feira encerrando a 78.70 dólares por barril totalizando uma queda de 6% no acumulado do mês.
Segundo o jornal The New York Times, o número de novos casos da doença na Alemanha subiu 40% e estão agora no ponto mais alto desde o início da pandemia. Detalhe: 68% dos alemães estão com a vacinação completa. No Brasil, são 61%.
O retorno do vírus e o possível lockdown de alguns países europeus alteram completamente a perspectiva acerca da recuperação da economia global e, para o setor, põe em dúvida a estratégia das usinas de favorecer a produção de etanol no início da próxima safra. Vamos ter que lidar uma vez mais com o imponderável.
O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a semana praticamente inalterado nos meses que cobrem a safra 22/23 no Centro-Sul (maio/22 a março/23), e um aumento de menos de dois dólares por tonelada para a seguinte. O vencimento março/22 no after-market de sexta-feira surpreendeu e fechou cotado a 20.17 centavos de dólar por libra-peso, uma alta de 16 pontos na semana (3.53 dólares por tonelada).
Segundo um (muito bem humorado e ácido) veterano corretor novaiorquino essa alta inesperada no apagar das luzes deveu-se a uma das seguintes alternativas: a) uma anomalia no momento da digitação da ordem (conhecida como fat finger), b) alguém que perdeu uma ordem de compra e entrou em pânico, c) um contrato físico negociado no último instante e precisava de cobertura; d) asneira pura e simples. Podem escolher.
O executivo de uma usina de alto padrão expressou seu contentamento com o “clima muito favorável com o retorno das chuvas em outubro e em grande quantidade”. Na região em que a usina está localizada ele apurou que “em média choveu 250 milímetros em outubro, contra zero no ano passado”. Essa quantidade de “chuvas no meio de uma safra cuja colheita estava bem adiantada, pode ser um fator muito positivo para o ano que vem”, continua ele.
“Novembro está indo muito bem também, chovendo pouco acima da média e bem mais do que o volume observado ano passado. Estamos ficando mais animados com relação à produtividade da próxima safra, pessoal falando em 10% a mais”. Se essa percepção se estender às outras regiões, o spread maio/julho em NY vai começar a refletir rapidamente esse novo possível cenário.
Os fundos adicionaram 15,700 contratos novas compras segundo o COT (Commitment Of Trades), relatório dos comitentes, publicado pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission), agência independente do governo dos Estados Unidos, que regula os mercados de futuros e opções das commodities, considerando a posição de terça passada em relação à semana anterior.
Os fundos estão comprados um total de 189.600 contratos. O efeito desse aumento na posição dos fundos não parece ter adiantado muita coisa, pois o mesmo ímpeto que o mercado apresentou na subida se desfez de maneira muito rápida na queda. Ou seja, o mercado está subindo graças aos fundos.
A fixação de preços do açúcar para exportação por parte das usinas, para a safra 22/23, deve estar se aproximando dos 50%. As incertezas que rondam o mercado não apenas nos fundamentos, mas nos fatores extra açúcar sobre os quais não temos nenhuma influência colocam um freio – ainda que temporário – nas fixações de preços. Na nossa maneira de ver, esse freio está errado. Vejamos.
Analisando desapaixonadamente, uma piora do quadro sanitário europeu pode refletir em queda no consumo de energia, derrubando o preço do petróleo no mercado internacional e contaminando por meio da arbitragem o preço do hidratado aqui dentro, fazendo a usina considerar uma mudança de mix pró-açúcar, aumentando a oferta e derrubando preços. Em resumo: o que segura o preço do açúcar no mercado internacional nos próximos meses é o comportamento do preço do petróleo. Portanto, não fixar preços de venda do açúcar para exportação parece-nos inapropriado.
Um eventual recrudescimento da crise política, fiscal e econômica no País pode desvalorizar ainda mais o real pressionando o açúcar em centavos de dólar por libra-peso. O efeito dólar sobre o preço dos combustíveis teria menor impacto devido ao encolhimento do PIB.
O hidratado na bolsa brasileira já aponta um desconto de 200-250 pontos em relação à NY para o primeiro trimestre de 2022, muito embora o volume quase inexistente de negócios na B3 possa distorcer preços. Mas, os vencimentos mais curtos mostram um desconto de 130 pontos.
E a safra do ano que vem, depois de ouvir o executivo acima citado? No final da conversa ele ainda afirmou que está “acreditando que podemos ver uma recuperação substancial na cana. Não seria absurdo 580 milhões de toneladas ou até mais caso chova bem em abril e maio”.
Comprar puts (opções de venda) de açúcar para a 22/23 fixando o câmbio não faz mal a ninguém. Meu receio, por já ter visto esse filme antes, é de ver o mercado cair no vazio por conta de eventos que não conseguimos enxergar ou acreditar nesse momento e que, quando ocorrem, temos a sensação de premência que muitas vezes nos obriga trocar o pneu do carro em movimento. Não funciona.
Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting