Pesquisa analisa desempenho de bactéria no combate à ferrugem do cafeeiro, um dos graves desafios para a cafeicultura brasileira
Pesquisa apoiada pela FAPESP analisou o papel de uma bactéria no controle biológico do fungo Hemileia vastatrix, patógeno causador da ferrugem do cafeeiro, um grave desafio para a cafeicultura brasileira. O artigo foi publicado na revista BMC Microbiology.
A ferrugem infecta o tecido foliar e, de forma mais severa, causa desfolhamento precoce das plantas, prejudicando a taxa fotossintética. Pode ainda ocorrer a seca de ramos e um menor vingamento da florada e dos frutos. Tradicionalmente, o controle da doença é feito com pesticidas à base de cobre, que podem causar impactos ao ambiente.
“Nosso trabalho tem um viés de ciência básica que é entender o comportamento das bactérias que habitam as folhas de café. Primeiro, há uma série de compostos que são danosos às bactérias, podendo agredi-las”, explica Jorge Maurício Costa Mondego, pesquisador do Centro de Recursos Genéticos Vegetais do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), doutor em genética e biologia molecular pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos autores do artigo. “Segundo, as folhas são ambientes que sofrem muita pressão ambiental, como luz solar e chuva. Queríamos então entender como essas bactérias que vivem na folha do café conseguem resistir tanto aos compostos produzidos pelo cafeeiro quanto ao estresse hídrico e à incidência luminosa.”
Além desse front mais básico, a pesquisa também se debruçou sobre desafios aplicados. O grupo de pesquisa se interessou em desvendar se essas bactérias que habitam a folha do cafeeiro conseguem combater o fungo que causa a ferrugem. O início do projeto se deu a partir do artigo de identificação das sequências transcritas do cafeeiro, derivado do Projeto Genoma EST-Café, financiado pela FAPESP e pela Embrapa.
“Fui o primeiro autor do artigo, juntamente com o professor Ramon Vidal, da Unicamp, dessa compilação das sequências expressas pelo Coffea arabica. Esse artigo foi publicado em 2011. Naquela época nem pensávamos em metagenômica ainda, mas foi o que fizemos, meio que por acaso.”
Metagenômica acidental
No meio das sequências transcritas das folhas do café, foram localizadas sequências consideradas “contaminantes”. “Pegávamos essas sequências, jogávamos no banco de dados e aparecia que eram de Pseudomonas spp., um gênero de bactéria. Isso gerou curiosidade em nosso grupo de pesquisa, que era coordenado pelo professor Gonçalo Pereira na Unicamp. Nos perguntamos: será que fizemos uma metagenômica sem querer? E será que realmente essas bactérias habitam a folha do cafeeiro?”
Na época, Mondego já era pesquisador do IAC. Poucos anos depois teve o aporte de um aluno de iniciação científica, Leandro Pio de Sousa, primeiro autor do estudo publicado na BMC Microbiology e hoje doutor em genética e biologia molecular pela Unicamp. “Chamei Leandro para fazer essa pesquisa, que consistia em verificar se Pseudomonas realmente habitam as folhas do cafeeiro, o que comprovaria os dados que foram verificados anteriormente. Ele topou na hora.”
O trabalho consistiu em um processo de isolamento das bactérias habitantes das folhas do cafeeiro em um meio de cultura específico. Sob luz ultravioleta, é possível caracterizar as Pseudomonas, que adquirem uma coloração arroxeada, o que viabiliza selecionar facilmente as bactérias nesse meio de cultura. “Elas foram então coletadas, fizemos a extração do DNA e o sequenciamento de uma delas, à qual demos o nome de MN1F.”
Observando a composição de genes que fazem parte do arcabouço genômico dessa bactéria, os cientistas verificaram dados muito interessantes. A MN1F tem um sistema de secreção bacteriano relacionado à sua sobrevida em meio hostil, perante fungos e outras bactérias. “Isso já nos deu indício de que essa bactéria poderia estar relacionada a controle biológico, porque esse sistema de secreção produz uma série de compostos antibacterianos e antifúngicos”, conta Mondego.
Também foi detectada uma série de proteínas relacionadas ao combate ao estresse hídrico. A partir disso o grupo passou a delinear experimentos fisiológicos – fazendo a bactéria crescer em determinados meios de cultura para comprovar o que havia sido observado no genoma. “Várias das nossas inferências foram comprovadas pelos experimentos biológicos. Vimos que realmente a bactéria tem uma grande capacidade de resistir a forte pressão osmótica, que seria análoga ao estresse que ela vive nas folhas, como a seca”, detalha Mondego. “Além disso, MN1F é capaz de degradar compostos fenólicos que podem ser nocivos à bactéria. E ainda quebra esses compostos vegetais e os transforma em material para sua própria sobrevivência.”
Os pesquisadores testaram se a MN1F tinha capacidade de impedir ou diminuir o desenvolvimento do fungo causador da ferrugem no cafeeiro – a parte de biocontrole propriamente dita. Foi realizada uma bateria de experimentos, em casa de vegetação, em sala controlada e também tentando inibir a germinação do fungo in vitro. Em todos os experimentos a bactéria foi capaz de refrear o desenvolvimento tanto de esporos (unidades de reprodução) quanto do micélio (massa de ramificação que forma sua parte vegetativa) do H. vastatrix.
Além de Mondego e Sousa, assinam o trabalho agora publicado Matheus Aparecido Pereira Cipriano (IAC), Márcio José da Silva (Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp), Flávia Rodrigues Alves Patrício (Instituto Biológico da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), Sueli dos Santos Freitas (IAC) e Marcelo Falsarella Carazzolle (Laboratório de Genômica e Expressão do Instituto de Biologia da (Unicamp).
Ricardo Muniz via Agência FAPESP
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