Senadores da base aliada e da oposição reconhecem a necessidade de excluir pontos controversos, como a autorização para garimpo.
Após a votação surpresa do Senado que aprovou o marco temporal para demarcação de terras indígenas, senadores da oposição e da base aliada do governo reconheceram nesta quinta-feira (28) que trechos do texto poderão ser retirados, em nome de um consenso. Um desses trechos pode ser, por exemplo, aquele que prevê retirada de comunidades indígenas das áreas demarcadas em caso de mudança dos “traços culturais”.
Outro ponto que pode sair, segundo parlamentares, é a autorização para garimpo e plantação de transgênicos dentro de terras indígenas.
A proposta aguarda agora a sanção ou veto do presidente Lula (PT). Já há negociações entre governo e Congresso sobre a decisão que Lula deverá tomar.
Segundo o projeto aprovado nesta quarta (27), o governo pode tomar a terra ou destiná-la ao Programa Nacional de Reforma Agrária se houver “alteração dos traços culturais” ou se for verificado que a área não é mais “essencial” à comunidade indígena.
O líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN), classificou este artigo como um “erro”.
“Eu acho realmente que é um erro do projeto. Por que não foi corrigido? Porque caso houvesse correção, voltaria para a Câmara. Nesse momento, para nós é importante mostrarmos que o Congresso se posicionou”, disse.
Para o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), a Presidência deve manter o “eixo central” da matéria, que determina que os povos indígenas só poderão reivindicar a posse de áreas que ocupavam, de forma permanente, em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Na prática, se as comunidades não comprovarem que estavam nas terras nesta data, serão expulsas.
Jaques Wagner pondera, porém, que os pontos mais polêmicos serão vetados.
Se o presidente Lula rejeitar uma parte da proposta ou seu conteúdo na íntegra, os vetos também terão de passar pela análise do Congresso. O governista reconheceu nesta quinta que a oposição concordou com a exclusão de artigos, como o da plantação de transgênicos.
Espaço para negociação
Rogério Marinho disse que a líder do PP, Tereza Cristina (MS), ex-ministra da Agricultura no governo Bolsonaro, se reuniu nesta semana com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. De acordo com o senador, há espaço para negociar trechos mais controversos, desde que o governo mantenha a tese do marco temporal.
“E deve ter o processo de negociação, que deverá ocorrer ainda até o presidente se pronunciar. Podemos, inclusive, chegarmos a uma sessão do Congresso em que isso esteja acordado e não haja problemas. Agora, se o governo entender que deve vetar a essencialidade, a integralidade do projeto, aí você não tenha dúvida que o sentimento hoje da Casa é derrubar o veto, caso venha dessa forma, que eu não acredito. Acho que o governo vai ter juízo”, afirmou Rogério Marinho, que também foi ministro na gestão Bolsonaro.
Durante a votação em plenário, o relator, Marcos Rogério (PL-RO), que é da oposição, também reconheceu chance de acordo na apreciação dos vetos.
“Preservado o núcleo central, existem pontos aqui que são escolhas de governo. Por exemplo, o ingresso em algumas áreas sem a necessidade de uma autorização prévia e tal para realizar lá ações de interesse público. Vai se construir uma estrada, vai passar por lá uma linha de transmissão, alguma coisa. Está no projeto. Não é o ponto central para quem defende o marco temporal. É uma matéria de mais interesse do governo do que propriamente daqueles que defendem o marco temporal”, argumentou o relator.
Trechos que podem ser excluídos
Dessa forma, senadores sinalizam que, ou via veto ou por meio de votação em sessão do Congresso, poderão sair do texto os seguintes pontos:
- autorização para garimpos e plantação de transgênicos dentro de terras indígenas;
- possibilidade de o governo tomar a terra ou destiná-la ao Programa Nacional de Reforma Agrária se houver “alteração dos traços culturais” ou se for verificado que a área não é mais “essencial” à comunidade indígena;
- possibilita contato com povos isolados com objetivo de realizar “ação estatal de utilidade pública”.
São trechos que a bancada ruralista não abre mão:
- a tese do marco temporal a partir da data da promulgação da Constituição;
- que o governo indenize a desocupação das terras e valide títulos de propriedade em terras das comunidades indígenas.
Sobre este último ponto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) é contrária e defende a separação do processo de indenização, no caso de boa-fé do proprietário da terra, do requerimento de demarcação do mesmo terreno.
A entidade teme que, a partir do projeto, indenizações começarão a ser pagas àqueles que “tenham se envolvido em conflitos possessórios com indígenas que resultaram na expulsão dos povos originários de suas terras”. Isso, de acordo com Apib, “incentivaria invasões e premiaria graves violações de tratados internacionais de direitos humanos e do texto constitucional”.
Julgamento no STF
O movimento de avançar com o projeto, liderado pela bancada ruralista, contraria decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) concluída nesta quarta. A corte definiu a tese do marco como ilegal.
Diante da contradição entre Congresso e STF, pode haver judicialização do tema. Os ministros do tribunal definiram que não é válido usar a data da promulgação da Constituição como um critério para a definição da posse indígena.
Como o projeto foi aprovado depois e como uma lei comum, partidos políticos poderão contestá-lo por ser inconstitucional e provocar o tribunal a debater novamente o marco temporal. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, há 226 processos aguardando um desfecho do caso.
Fonte: G1
ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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