A obra faz uma análise geográfica inédita dos resultados definitivos do Censo Agro 2017, mas também utiliza outras fontes do próprio Instituto.
Como parte das comemorações dos 100 anos do Censo Agropecuário, o IBGE lança hoje (15) a segunda edição do Atlas do Espaço Rural Brasileiro. A obra faz uma análise geográfica inédita dos resultados definitivos do Censo Agro 2017, mas também utiliza outras fontes do próprio Instituto – como a publicação Regiões de Influência das Cidades (Regic 2018), a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM) e a Produção Agrícola Municipal (PAM) – além de informações provenientes de fontes externas, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Nacional do Índio (Funai).
Em quase 250 páginas de mapas, gráficos, tabelas e textos, o Atlas traz informações sobre as características do produtor e dos estabelecimentos agropecuários, evidenciando as diversidades e desigualdades territoriais presentes nos 5.073.324 estabelecimentos pesquisados no país.
“A complexidade das questões presentes no espaço rural brasileiro exige que sua análise contemple uma visão multidisciplinar das dimensões sociais, econômicas, ambientais, políticas e culturais”, explica a geógrafa coordenadora do projeto, Adma Hamam de Figueiredo.
A publicação pode ser acessada gratuitamente em formato digital no Portal do IBGE e na Plataforma Geográfica Interativa (PGI). Por meio da PGI, é possível cruzar dados, criar outros mapas e baixar tabelas e projetos em diversos formatos.
Pretos ou pardos são minoria na direção de grandes estabelecimentos
Pela primeira vez, o Atlas traz as informações sobre a cor ou raça do produtor dirigente do estabelecimento. Isso possibilita análises inéditas quanto à distribuição espacial do produtor segundo sua cor ou raça, bem como o cruzamento dessa variável com a área dos estabelecimentos, entre outros quesitos da pesquisa. Segundo o Censo Agro 2017, cerca de 47,9% dos estabelecimentos agropecuários tinham produtores declarados como brancos, proporção maior que a dos estabelecimentos com produtores pardos (42,6%), pretos (7,8%), indígenas (0,8%) e amarelos (0,6%).
A desigualdade se reflete na distribuição de área dos estabelecimentos agropecuários. Entre os produtores que dirigem estabelecimentos com área total de até 1 hectare, 57,9% declararam-se como de cor ou raça parda, 25,5% branca, 13,6% preta, 8,3% indígena e 1,8% amarela. Já nos estabelecimentos com mais de 500 hectares, 72,2% dos produtores proprietários são brancos, 23,9% pardos, 2,5% pretos, 0,4% indígenas e 0,06% amarelos. Ou seja, quanto maior a área dos estabelecimentos, maior a predominância dos produtores declarados brancos.
Em estabelecimentos de mil a 10 mil hectares, há mais que o triplo de proprietários brancos (74,7%) face aos pretos ou pardos (23,8%). Na última faixa estabelecida pela pesquisa, de mais de 10 mil hectares, a proporção desses grupos é de 79% contra 18,9%.
“Os dados refletem o processo de ocupação e apropriação do território brasileiro desde o início da invasão e da colonização portuguesa”, diz a geógrafa do IBGE Daiane de Paula Ciriáco. Ela acrescenta que, com as leis posteriores que estabeleciam o acesso à terra apenas pela compra, a exclusão dos povos indígenas e das populações escravizadas de origem africana ficou evidente, com reflexos nos dias atuais.
Estrutura fundiária do Brasil segue concentrada
A área média do estabelecimento agropecuário no Brasil é de 69 hectares, com grande variação regional. A maior quantidade de estabelecimentos permanece nas mãos dos pequenos proprietários, mas a porção muito inferior das áreas que eles ocupam são a expressão da concentração fundiária brasileira.
Se, por um lado, 81% dos estabelecimentos agropecuários no país tinham até 50 hectares, por outro, eles ocupavam apenas 12,8% da área total dos estabelecimentos no Brasil. No outro extremo, apenas 0,3% do número de estabelecimentos tinham mais de 2.500 hectares, porém chegavam a ocupar 32,8% da área total dos estabelecimentos agropecuários do país.
Os dados se tornam mais próximos à realidade quando vistos regionalmente. A média de área dos estabelecimentos do Centro-Oeste (322 hectares) é quase cinco vezes maior do que a média nacional (69 hectares). Além disso, 12,8% da área de estabelecimentos abrigaram mais de 70% das pessoas ocupadas, sobretudo nos estabelecimentos com menos de 50 hectares. Em contrapartida, nos estabelecimentos acima de 2.500 hectares, essa taxa não chega a 5%.
“Se no passado, o Centro-Oeste já se caracterizava pela pecuária ultraextensiva, o que induzia já a uma concentração fundiária, no presente esse processo se acirrou com a expansão das commodities de soja e de milho e da pecuária bovina”, esclarece Adma.
A pecuária, inclusive, é a principal atividade no campo, em especial nos maiores estabelecimentos, seguida pela lavoura temporária. Juntas, são praticadas em mais de 80% dos estabelecimentos do país e, entre os estabelecimentos acima de 2.500 hectares, chegam a 90%. Na lavoura temporária, mandioca e soja seguem retratando as desigualdades regionais do país. A primeira, fortemente marcada pela produção em estabelecimentos de até 50 hectares (64,2%), e a segunda, pela produção em estabelecimentos com mais de 2.500 hectares (39,5%).
No que se refere à condição legal da terra, as terras próprias predominam em todos os grupos de área, com taxas superiores a 80%, chegando a 90,1% entre os estabelecimentos com mais de 2.500 hectares. O assentamento e a ocupação praticamente só existem nos estabelecimentos de até 50 hectares (91,4% e 92,3%, respectivamente), em especial no Nordeste.
Todas essas desigualdades são ainda transpassadas pelo sexo do produtor, com os estabelecimentos dirigidos por mulheres ocupando menos de 10% das áreas dos estabelecimentos, ainda que em número de estabelecimentos sejam responsáveis por cerca de 18% do total. Consequentemente, a área média desses estabelecimentos é bem menor, de 36 hectares, quase a metade da média daqueles dirigidos por homens.
Utilização da terra nos biomas carece de investimentos em tecnologia e conservação
A análise contida no Atlas demonstra a necessidade de maior investimento em tecnologia, em práticas de manejo e conservação dos solos e na preservação ou recomposição das áreas de preservação permanente, para a garantia de uma melhor qualidade ambiental e a sustentabilidade dos recursos naturais.
“No país, 26% de todos os estabelecimentos ainda fazem uso do cultivo convencional, em que, de forma geral, há muita perda de solo”, explica a engenheira florestal do IBGE Luciana Temponi. Além disso, mais da metade dos produtores não utilizam sequer uma das práticas agrícolas em benefício do solo investigadas no Censo Agro, como plantio em nível, rotação de cultura, proteção de encostas, recuperação de mata ciliar ou reflorestamento em área de nascentes. “Em estados como Rondônia, Tocantins, Mato Grosso e Goiás, mais de 60% dos estabelecimentos não utilizam nenhuma das boas práticas”, pontua Luciana.
Apenas 24,2% da utilização das terras nos estabelecimentos do bioma da Mata Atlântica são destinados às florestas, naturais ou plantadas, e às áreas de preservação. No Cerrado, considerado o berço das águas, práticas de reflorestamento para proteção de nascentes e recuperação de mata ciliar foram declaradas em menos de 4,0% dos estabelecimentos nos estados de Goiás e Tocantins, centrais do bioma. No Pantanal, em função de suas características ambientais propícias, as pastagens – naturais ou plantadas – representam mais de 67% da área dos estabelecimentos, o maior percentual entre todos os biomas.
Na Caatinga, dois fatores, maiores que em todos os outros biomas, chamam atenção: os 19,9% dos estabelecimentos ocupados com Sistemas Agroflorestais e o maior percentual de áreas de pastagens declaradas como tendo algum nível de degradação. O Pampa tem 83,5% dos estabelecimentos ocupados com a agropecuária. O bioma Amazônia compreende cerca de 49% do país e é exceção em termos de área ocupada pelos estabelecimentos, com apenas 20%. Embora o percentual da área dos estabelecimentos ocupado por florestas seja, em média, o mais alto entre os biomas, ainda não reflete os 80% a serem preservados, segundo legislação ambiental vigente.
Proporção de estabelecimentos que usam agrotóxicos sobe 22,9%
No capítulo dedicado à tecnologia, informação e conhecimento, os dados sobre uso de insumos químicos poluentes se destacam. A proporção de estabelecimentos que admitiram usar agrotóxicos aumentou 22,9% nos últimos 11 anos, passando de 27,0% em 2006 para 33,1% em 2017. O aumento ocorreu em todas as grandes regiões, com o Centro-Oeste apresentando a maior elevação em pontos percentuais (13,3) em comparação a 2006.
Em 2017, 83% dos estabelecimentos agropecuários tinham acesso à rede elétrica, um resultado 22% maior se comparado ao ano de 2006. Se a energia elétrica se consolidou, a internet ainda é escassa no espaço rural. Em todas as grandes regiões estava presente em menos de 30% estabelecimentos. Contudo, em 2006, apenas 1,5% dos estabelecimentos tinham acesso à internet.
No que se refere ao maquinário — trator, colheitadeira e plantadeira — a média de ocorrência é de 21,8% no país, sendo menor no Nordeste, com apenas 3,0% dos estabelecimentos com algum maquinário. O destaque positivo foi o Centro-Oeste, com cerca de 40% dos estabelecimentos equipados com alguma máquina.
Turismo rural é fonte de receita para proprietários
O Atlas dedica ainda todo um capítulo às análises geográficas que descrevem as diferentes formas de complementação da receita dos estabelecimentos agropecuários. Por “outras receitas” considera-se os valores obtidos com outras atividades dos estabelecimentos que não aquelas ligadas à agropecuária, como receitas com desinvestimento, serviços de turismo rural, exploração mineral, atividade de artesanato, entre outras.
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O número de estabelecimentos que apresentam outras receitas é substancialmente significativo nos municípios que compõem a Amazônia Legal e o Semiárido Nordestino. O destaque fica para o Município de Monte do Carmo, em Tocantins, onde 66,2% do total das receitas dos estabelecimentos agropecuários é composto por essas outras receitas.
Em Santa Cruz de Minas (MG), 100% dos estabelecimentos agropecuários obtiveram receitas com turismo rural e o montante de dinheiro oriundo do turismo corresponde a 50,6% das receitas totais dos estabelecimentos. Poá, em São Paulo, surge em segundo lugar, com 24,7% do total das receitas dos estabelecimentos oriundas do turismo rural, porém somente 14,3% dos estabelecimentos relataram obter alguma renda com essa atividade. Em valores absolutos, os estados que apresentam maiores valores para as outras receitas como um todo são Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Fonte: IBGE