A perda estimada de território produtivo em Corumbá já chega a mais de 1,5 milhão de hectares e coloca em desespero pequenos e grandes produtores rurais.
De acordo com levantamentos da Embrapa os prejuízos econômicos superam o valor de R$ 1,2 bilhão somente na pecuária, devido à retirada ou morte de cerca de 500 mil cabeças de gado. Em ICMS esse valor ultrapassa os R$ 50 milhões. A produção pesqueira, que na década de 70 era de 6oo mil toneladas/ano, hoje não chega a 10%, o que gira em torno de 35 a 60 toneladas/ano.
O Pantanal de MS sofre as consequências de um desastre ambiental. Com o assoriamento, um dos principais rios da região, o Taquari, rompe suas margens e deixa milhares de hectares de terra permanentemente debaixo d’água.
Assim, não acontece o ir e vir das águas, a enchente e as secas, essenciais para manter a vida no Pantanal. E as consequências são enormes.
Na fazenda Santa Gertrudes, em Corumbá-MS, no meio do Pantanal, 4 mil cabeças de gado estão em 5 mil hectares de terra. Mas 80% da área está alagada. e o rebanho precisa ser retirado com urgência. São 3 dias só pra retirar da parte inundada.
Essa retirada do gado é uma prática bem comum no Pantanal, mas só no período das chuvas, quando grande parte da área fica alagada. Mas não é o que está acontecendo. Estamos numa época de seca e a fazenda está debaixo d’agua.
O criador Luciano de Barros aproveita o tempo seco para engordar os animais. Mas assim, com tanta água, não tem pastagem que resista. “São as melhores áreas de pastagem na época da seca. Nesta época é auge de seca e nós estamos com isso aqui tudo cheio d’agua”. Ele conta que o risco é o gado morrer de fome, sem ter o que comer.
Essa água toda é do rio Taquari. Ele tem 800km de extensão: começa no estado do MT, percorre todo o MS, até chegar ao rio Paraguai. O que está acontecendo é que, no Pantanal, as margens do rio se rompem e formam novos leitos. É o que os pantaneiros chamam de arrombamentos. As áreas ficam permanentemente alagadas. Até mesmo uma fazenda que fica 25km distante do rio, foi atingida pelos leitos do arrombamento.
Os problemas que o Taquari sofre no Pantanal são uma consequência do que acontece desde a sua nascente, no município de Alto Taquari-MT.
Ali, onde o rio nasce, em uma grande área de várzea estão varias vertentes – pequenas nascentes que vão fomar o rio. E já no seu começo, o Taquari sofre suas primeiras pressões: Uma ferrovia passa sobre essas pequenas nascentes; em todo o entorno, há plantações; e o canal por onde a água das vertentes corre, vai em direção à área urbana do município, a apenas 3 km de distância.
O gestor ambiental Nilo Peçanha coordena um consórcio de municípios que trabalha pela recuperação do rio e alerta para os perigos na nascente: “já aqui em cima, a questão das plantações, a aplicação de defensivos agrícolas, às vezes excessivo. E a questao da ferrovia, que corta a própria nascente.”
Na divisa de MT e MS está o Parque das Nascentes da Bacia do Taquari, uma área de conservação. Os afluentes que descem os canions se encontram com o rio Taquari que passa ao norte do Parque. Nessa área, o Taquari cai de uma altituide de 800 metros para 360 metros acima do nível do mar. Essa queda brusca facorece o poder de erosão, característica natural do Taquari. Um processo que foi acelerado nas últimas décadas, principlamente pela ocupação do solo pela pecuária, como explica Peçanha: “o que o rio demoraria 100, 500 anos pra fazer, de repente passa a fazer em poucas décadas. O gado, no processo de descer para beber água no fundo do vale, ele cria aquelas trilhas, isso acaba canalizando a água da chuva, e começa um processo de erosão; até criar voçorocas e até desestabilizar e atingir as nascentes”.
Algumas voçorocas são gigantes, e estão até mesmo nas redondezas do Parque das Nascentes. Em Alcinópolis-MS, o técnico agropecuário Edilson Gomes trabalha na recuperação de áreas degradadas. Uma dessas áreas tem uma voçoroca de 1 km de extensão, que chega a 80 metros de profundidade, em alguns pontos. “Fizemos as curvas de nível para evitar que a água dos pastos viessem para a voçoroca. E a adequação da estrada, porque era um canal que levava a água para a voçoroca.”, conta Edilson.
Peçanha explica o que ocorre com o rio quando passa pelo município de Coxim, onde ele recebe as águas do seu maior afluente, o rio Coxim: “Desse trecho de Coxim, até 150km adentrando o pantanal, é o que nós chamamos de médio Taquari. É a parte onde ele deposita a maior quantidade de sedimentos. Porque ele entra na planície, perde um pouco de declividade e de energia de transporte. Então esse material já começa a depositar no leito do rio.”
O Taquari desce com tantos sedimentos, que uma característica dele fica ainda mais forte: é um rio de cumieira, como explica o biólogo Carlos Padovani: “em geral, quande parte dos rios estão no fundo de um vale. O Taquari está numa cumieira, está na porção mais alta da planície. Então, nesta situação, ele tende realmente a extravasar nos ponto mais vulneráveis.”
Um dos maiores canais que se abriram foi o arrombamento do Caronal na região conhecida como Paiaguás. Caronal é uma referência ao nome da primeira fazenda invadida pela água. Lá, a água do arrombamento que tomou conta não somente a fazenda Caronal, mas várias outras propriedades, se espalha pelos campos.
A equipe de reportagem adentrou de barco a área do Caronal. Até mesmo as pequenas embarcações têm difciculdade para passar pelos bancos de areia e pelo caminho tomado de vegetação aquática. Enquanto estas florescem, a vegetação terrestre não aguenta tanta água e morre. “Aqui mesmo esse pé de Ipê, é centenário. E morreu tudo com a água… umedeceu, eles já morre tudo” diz o Sr. Ramão Duarte, barqueiro que conhece bem a região do Caronal. “Eu fico triste porque eu conheci isso aqui quando era tudo seco, eu vinha de carro de Corumbá até aqui.”
O mato alto e o terreno encharcado impossibilita a equipe de chegar mais perto da sede. Mas de cima, é possível ver a casa da fazenda, abandonada.
70 km distante do Caronal, está a casa do Sr Cacildo Androlage, dono de uma das únicas fazendas que ainda não foram tomadas pela água. Mas durante o ano inteiro, só é possível chegar de até lá de barco.
Aos 87 anos, ele resiste em deixar a fazenda. Vive ilhado, mesmo em períodos sem chuva.
A luta do filho, Clévis, é para tirar o pai de lá. Ele, a mãe e os 7 irmãos se mudaram. “Nós deixamos aqui só algumas cabelças de gado. Que é pro pai distrair com ele, entendeu? Nós conseguimos tirar tudo, menos o pai”.
O Sr. Cacildo guarda boas lembranças do lugar, que não pretende abandonar: “Criava o gado manso, o gado de leite… era bonito aqui”. E, apesar de admitir ter medo que a água entre na casa, ele é firme em sua decisão: “eu já acostumei aqui. Tem amor no lugar, vizinhos muito bons. E pra mim, que já trabalhei tanto, forcejei a minha vida… pra sair sem nada… tá certo ou errado?”
Fonte Globo Rural