Alguns produtores ainda culpam fatores internos e externos para o insucesso na pecuária, mas se esquecem de fazer o dever de casa
por William Marchió – Sempre nos perguntamos, se temos tecnologias capazes de transformar significativamente nossas propriedades rurais, aumentando a produtividade, a renda, empregos, enfim mudando para melhor tudo e todos…. Mas qual o motivo da demora na adoção destas tecnologias?
No caso da Integração Lavoura-Pecuária, estes modelos existem há décadas, e ainda temos que trabalhar muito para estimular uma maior adoção.
O que falta, o que leva à manutenção de sistemas tão arcaicos, desde a gestão à produção? Acredito que estamos começando a entender um pouco destes motivos.
Gostando de fotografar pastagens degradadas, pastejadas por “almas penadas” extremamente resilientes, acredito que estou chegando a uma destas respostas.
A grande culpada é a tal da “Vaca” (figura acima); este animal ruminante que na Índia a consideram sagrada, que cada vez mais me convenço que realmente é sagrada, capaz de resistir a impiedosos meses de seca, pastagens absurdamente carcomidas pelo descaso, tirando de si própria seu sustento, se alimentando de suas entranhas até que cheguem as “monções” e daí, um pouco de alento com o ressurgimento, a seus pés, de outro ser extremamente resiliente, a Brachiaria. Este vegetal que sabe como ninguém, tragar a luz do sol e traduzir em verdes folhas e caules que irão ressuscitar a sagrada “Vaca”.
Brasil tem 61 milhões de hectares de pastagens sem manejo
E daí, essa duplinha de resilientes, se une a um ditatorial proprietário e assim vão seguindo por anos a fio. Daí ela, a vaca e algumas de suas irmãs, vão ainda jogar algum rebento ao chão para dar continuidade à saga.
Ou seja, estes zebuínos são capazes de tolerar muito desaforo, consomem toda sua carne, a um custo absurdo e dão continuidade a um processo de exploração pecuária que resiste ao uso de tecnologia.
Administradores de capital e não de produção vão acumulando áreas e animais nestas condições, deixando a natureza por sua própria sorte.
Não sei se os posso chamar de produtor rural, mas estes indivíduos continuam na atividade, mantendo extensas áreas degradas e muito resistentes ao uso de alguma tecnologia, não só a ILPF, qualquer coisa que possa modificar estes cenários são ignoradas por eles. Não querem trabalho, querem apenas extração, exploração e valorização deste patrimônio.
Mais sobre ILPF:
- Embrapa: Ganho de peso em ILPF é o maior da Pecuária
- ILPF é modelo ideal para intensificação na pecuária
- ILPF: Produtor pode poupar com adubo até R$ 243,00/ha
- Case de sucesso na ILPF: Rendimento cresceu dez vezes mais
É triste saber que em pleno 2018 e por ironia do destino, no estado dito o mais avançado do país, São Paulo, ainda perdurem sistemas pecuários desta natureza.
Mas, voltando aos culpados, esta resistência exagerada da Vaca e da Braquiária é que tem mantido sistemas degradados e improdutivos ainda vivos. Claro que, estes casos das fotos se enquadrariam perfeitamente em uma denúncia de maus tratos animais e o proprietário podendo até ser preso. Porém, jamais veremos isso na suinocultura, na avicultura, na sojicultura e em outras atividades agropecuárias.
Para nós, o desafio é muito maior, quais as ferramentas para conversão destes desgarrados? Estamos pregando apenas para convertidos? Como podemos atingir estes “infiéis”? Quais ferramentas midiáticas poderíamos utilizar para ganharmos a confiança destes proprietários e promover a adoção tecnológica nestas áreas?
Com certeza, a grande maioria destes donos de terras degradadas se utilizam de celular, tomam coca cola, bebem cerveja, veem novelas da Globo, andam de carros modernos e ainda, alguns até rezam para algum Deus. Me pergunto, se estas coisas conseguiram romper a carapaça e foram por eles adotadas, por que não conseguimos enfiar goela abaixo, estas maravilhosas tecnologias, onde estamos errando?
Será que não estamos enfeitando esta “boneca” adequadamente?
Estes inúmeros pacotes tecnológicos (ILPF, reforma de pastagens, cerca elétrica, pastejo rotacionado, adubação de pastagens, suplementação animal, identificação eletrônica, balança eletrônica-autônoma, etc.) não estão com uma roupagem atrativa, não estão encantando como os smartphones, carros, roupas, bebidas e muitos outros artigos que todos consomem?
Socorram-me meus colegas do marketing, como reverter estes cenários de forma massiva. Se hoje temos provas concretas da efetividade destas tecnologias, modificando drasticamente estes cenários para melhor, como isso não está na prateleira de cada dispensa destas fazendas?
Será que, como técnicos também estamos apegados a tecnologias retrógradas, quando se fala em difusão de tecnologia. Será que alguém do marketing e da sociologia está também olhando para nós e tendo a mesma visão da qual olhamos para este produtor que não adota a tecnologia?
Inovação, precisamos mudar substancialmente a forma de abordagem, estas “novas” tecnologias precisam encantar, provocar, massificar, perturbar a mente deste produtor dia e noite, assim como fazem todas as informações que recebo neste meu smartphone, como fazem todas as telas que temos acesso, nos perturbam dia e noite, até que meu subconsciente internalize e me faça comprar a Coca Cola e não a Pepsi Cola.
Enfim, temos hoje inúmeras ações de difusão tecnológica, muita informação de acesso gratuito, por todos os lados, sitesdedicados, canais de youtube, canais de TV, rádios, revistas, etc.. Porém, o uso massivo de tecnologia na pecuária ainda tem muito a caminhar.
A ressurreição de fazendas com a integração lavoura pecuária
Cabendo a nós a “nossa culpa”, não estamos sendo eficientes em nosso processo de comunicação, precisamos inovar, descobrir maneiras eficientes em “converter infiéis”.
Estamos deixando a Vaca e a Brachiaria serem niveladas por baixo, o que deveria ser uma dádiva, está sendo um carma.
Somos todos capazes, precisamos apenas encontrar melhores formas de fazer. Atingirmos o êxtase sempre que convertemos sistemas degradados em sistemas produtivos, como o da figura abaixo.
William Marchió via SCOT Consultoria
Médico veterinário pela UNESP – campus de Jaboticabal, especialização em produção animal pela UFLA e atual Diretor Executivo na Rede de Fomento à Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF – Embrapa).