FAO teme que perturbações possam aparecer na cadeia alimentar a partir de abril ou maio. Também prevê menor consumo de carnes na pandemia.
A FAO, agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, aponta risco de tensões no sistema alimentar mundial no rastro do covid-19. Diz que perturbações podem aparecer na cadeia alimentar a partir de abril ou maio. Também prevê menor consumo de carnes na esteira da pandemia.
Para a agência da ONU, impactos do coronavírus na produção de alimentos e na agricultura vão ocorrer na medida em que os casos da pandemia aumentam no mundo e o confinamento e outras restrições são adotadas para frear a propagação do vírus.
No momento, o órgão considera que as interrupções são mínimas, porque os abastecimentos de alimentos têm sido adequados e os mercados continuaram estáveis. Os estoques mundiais de cereais são ainda elevados e as previsões sobre a colheita de trigo e as principais culturas são positivas para este ano.
Para a FAO, é provável uma menor produção de alimentos básicos de valor elevado, como frutas e legumes, mas a agência ainda não constata perturbações nesse segmento. No entanto, a agência vê desde já desafios crescentes na circulação de produtos alimentares.
Em entrevista ao Valor, o economista-chefe da FAO, Maximo ToreroCullen afirmou que o problema fundamental vai acontecer na parte de logística, mas a situação é diferente para distintos tipos de commodities.
“Para os cereais, intensivos em capital, as reservas são suficientes e a colheita atual é muito boa”, diz. Ele nota que não há problema em termos de disponibilidade de alimentos. Mas dificuldade pode ocorrer na parte da logística, na medida em que cadeias de distribuição podem ser afetadas pelo lockdown.
“Se os países ficarem nervosos, isso poderá levar os exportadores a impor restrições à exportação, e é algo que deve ser evitado. No lado de commodities de alto valor, produtos perecíveis, demandam muito trabalho e, portanto, a parte da produção pode ser afetada pela redução na oferta de mão-de-obra devido a aspectos de doenças ou pelo lockdown que está afetando o fluxo de trabalhadores temporários (migrantes). Também os problemas na cadeia logística são muito mais preocupantes por serem produtos perecíveis”.
Por isso, diz Maximo, a FAO reitera que é importante que os países tentem evitar esses problemas e permitam que “a cadeia alimentar possa ser mantida viva e eficiente”.
Especificamente sobre possíveis perturbações na cadeia alimentar a partir de abril, o economista-chefe da FAO diz que isso pode acontecer porque os efeitos do confinamento e a redução na oferta de mão-de-obra serão claros nos próximos meses no setor agrícola. E prevê que as colheitas de muitos produtos de países exportadores podem ser afetadas.
Sobre o impacto da crise do covid-19 para exportadores como o Brasil, Maximo ToreroCullen apontou dois efeitos: “O da oferta vai ser dada principalmente por problemas logísticos e trabalhistas, devido a doenças ou incapacidade de mover-se para o trabalho”.
O economista-chefe da FAO lembra que, no Brasil, já há problemas de logística, em Mato Grosso por exemplo. Ele menciona o caso da cidade de Canarana. O prefeito emitiu decreto para frear a propagação do coronavirus e a medida poderia interromper a logística de exportação de grãos e as operações das principais trading agrícolas.
Quanto à demanda, ToreroCullen diz que a crise atual vai gerar uma recessão “e isso vai se refletir na demanda, podendo afetar os preços, levando-os à baixa no futuro próximo”.
Ele observa também que a estrutura de custos do setor agrícola brasileiro vai ser afetada pela desvalorização do real em relação ao dólar.
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Sobre a expectativa de queda na produção e no consumo agrícola, já que as pessoas estão comprando menos e muitos não estão produzindo, o economista-chefe da FAO diz: “Se a cadeia de valor não estiver protegida, é possível que ocorram problemas de preço e possível escassez de alimentos, especialmente de produtos de alto valor (frutas e vegetais), porque são mais trabalhosos e serão mais afetados por problemas logísticos”.
Para ToreroCullen, é muito cedo para se prever baixa de produção de grãos. No entanto, a queda no crescimento econômico mundial como resultado do coronavírus afetará negativamente a demanda e, portanto, os preços, diz ele.
A FAO considera possível uma queda maior, desproporcional, do consumo de carne. “A indústria de carnes tem três problemas. Tem o efeito oferta. O problema logístico está afetando o segmento de carnes, já muito fechados por causa de quarentena. Isso é algo a evitar, tomando-se medidas de saúde necessárias para os empregados”.
Em segundo lugar, afirma, há o problema de informação. “Tem havido muita especulação de que o coronavirus tenha se originado de animais para humanos. Isso não tem evidência científica, mas a especulação levou consumidores a temerem comer carnes”.
E em terceiro lugar, tem o efeito da demanda. “A recessão vai reduzir a demanda e isso afetará os preços da carnes para uma baixa”, diz.
Fonte: Valor Econômico.