Canetada do governo contra cisticercose pode levar preços do boi a patamares de 2014; Decreto altera as normas de fiscalização da doença em carcaças bovinas nos frigoríficos em todo o País.
Se por um lado há quem comemore, a cada dia, mais um preço histórico da arroba do boi, como nesta semana chegando aos R$ 260 em praças paulistas, por outro há produtores que, de certa forma, estão voltando no tempo. Justamente, para meados de outubro de 2014, quando a arroba era cotada a cerca de R$ 130.
A redução pela metade do preço da arroba do boi é uma das mais drásticas já relatadas por um produtor no País. O fato ganhou destaque na reportagem da DBO. O pecuarista sul-mato-grossense Nedson Rodrigues, dirigente da Associação Sul-Mato-Grossense dos Produtores de Novilho Precoce (Novilho MS), sofreu um desconto de 50%, que gerou um prejuízo de R$ 7 mil.
A queda de preço é consequência da alteração, pelo governo federal, do artigo 185 do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produto de Origem Animal (Riispoa), a partir do dia 18 de agosto, com a publicação do Decreto nº 10.468.
De acordo com o decreto publicado no dia 18 de agosto, se houver a detecção de cistos durante o abate nos frigoríficos, as carcaças bovinas podem ser condenadas sob alguns novos critérios, o que inclui o encaminhamento para as graxarias ou o tratamento pelo frio. A medida abrange até mesmo as carcaças que contenham cistos (cisticercos) já calcificados, causando prejuízos e transtornos tanto aos pecuaristas quanto para a indústria.
Pecuarista diz que está com perdas médias da ordem de 5% no preço da arroba. “Ao todo, tive um prejuízo de cerca de R$ 48 mil”, diz.
“A regra anterior era mais flexível, menos rigorosa”, explica o diretor-executivo da SRB, Luiz Roberto Zillo. Segundo ele, quando fosse encontrado um único cisto já calcificado, por exemplo, a antiga portaria liberava a carcaça para o consumo, sem restrições, após a limpeza dos locais afetados.
Outra mudança estabelecida pelo decreto nº 10.468/2020, publicado pelo Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal, estabelece que se o número de cistos encontrado for reduzido, que não caracterize infecção intensa, passa a ser obrigatório o tratamento pelo frio ou pelo calor, após a remoção das áreas atingidas. “Os frigoríficos não tem nem espaço físico para manter as carcaças por 15 dias a menos de 10°C conforme determina esta nova legislação”, alerta Zillo.
O dirigente da SRB informa que a entidade está recebendo inúmeros relatos e reclamações de pecuaristas sobre os descontos no preço final pago pela carcaça ao produtor, em função deste decreto.
Segundo Zillo, o frigorífico tem como aproveitar parte destas carcaças para outros fins. Ao vender um bovino de 20 arrobas, por exemplo, cada pecuarista estaria sujeito a um desconto que pode chegar a R$1.700,00 por carcaça. Caso a determinação seja encaminhar para a graxaria, o pecuarista não receberia nenhum valor por este animal.
Com o envio do ofício a SDA/MAPA, a SRB espera esclarecimentos sobre os motivos da mudança. A entidade afirma que existem pesquisas recentes que consideram outras formas de tratamento a frio, com menos tempo de câmara. Após o posicionamento do MAPA, a SRB vai decidir sobre quais medidas poderá adotar para tentar minimizar o prejuízo aos pecuaristas.
A cisticercose bovina é uma enfermidade provocada pela presença de larvas parasitárias da Taenia saginata. Quando no estágio adulto, este parasita (solitária) afeta o sistema intestinal do ser humano.
Em propriedades com saneamento e sistema de esgoto precários, os dejetos humanos acabam contaminando pastagens, água e alimentos, colocando em risco os sistemas de criação a pasto ou terminação em confinamento. No Brasil, estima-se que a cisticercose bovina atinja entre 0,7% e 5,3% do rebanho, dependendo da região.
Prejuízos
No entanto, agora, o frigorífico que encontrar pelo menos um cisto, mesmo calcificado, deve submeter a carcaça a tratamentos térmicos (calor ou frio), o que muda o destino ou uso da carne e, consequentemente, altera a sua valorização. Um animal que antes poderia chegar ao nível de exportação, no melhor dos casos vira matéria-prima de carne termoprocessada. Nesse caso, o tratamento por calor é economicamente mais viável.
A decisão sobre as penalidades, que variam de frigorífico a frigorífico e incide sobre o animal infectado, foi repentina demais, segundo os produtores.
“O produtor foi pego de surpresa com essa decisão do governo, sem ter tempo algum para se readequar. Nossa esperança é que essa decisão seja revista, pois só penalizar o produtor não é o caminho de controle desse mal”, diz o pecuarista Francisco Olavo Pugliesi de Castro, da fazenda Pauliceia, em Rondonópolis (MT), e um dos dirigentes da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato).
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“Vou matar um lote de 100 animais neste sábado. Espero não ter nenhum tipo de surpresa”, diz ele. Segundo Castro, há outros relatos de perdas no valor da carcaça que giram entre 20% e 30%.
Um produtor no interior de São Paulo, ouvido pelo Portal DBO e que pediu anonimato, diz que está com perdas médias da ordem de 5% no preço da arroba. “Ao todo, tive um prejuízo de cerca de R$ 48 mil”, diz. “Sou um produtor pequeno, engordo cerca de 1.000 a 1.500 animais por ano, mas imagine os prejuízos dos grandes pecuaristas.”
Compre Rural com informações do Portal DBO