Condenado por posse ilegal de arma, agricultor cita presidente em defesa, “Bolsonaro disse que pessoas de bem poderiam ter”, afirmou o agricultor durante seu julgamento.
Por volta das 21h10 do dia 10 de fevereiro, dois policiais militares entraram na casa do agricultor Shigueo Shimura, na cidade paulista de Lutécia, a 492 km da cidade de São Paulo.
Pouco antes, Shimura havia disparado para o chão com uma espingarda, calibre 38 Special, marca Amadeo Rossi. O barulho chamou a atenção de vizinhos, que acionaram a polícia acreditando que algo de grave poderia ter acontecido na casa.
Com o agricultor, os policiais dizem ter encontrado quatro cartuchos de munição, além da arma —tudo ilegal.
Pouco mais de dois meses depois, quando era julgado por posse ilegal de arma de fogo e munição, Shimura confessou o crime, mas justificou sua conduta: “Bolsonaro disse que pessoas de bem poderiam ter uma arma”, afirmou.
O juiz Tiago Tadeu Santos Coelho não considerou a justificativa e condenou Shimura a três anos de prisão por posse irregular de arma de fogo e munição, além de disparar em um local habitado.
“O argumento de que o erro decorreu de má interpretação das palavras do presidente da República não afasta a ilicitude de sua conduta”, escreveu o magistrado.
De onde veio a arma?
O disparo efetuado por Shimura foi na direção do chão. Uma testemunha afirmou que, ao chegar na casa, viu o agricultou segurando a arma. Ela teria disparado acidentalmente.
Shimura confessou que estava testando a espingarda quando houve o disparo.
Na Justiça, o agricultor confessou que estava negociando a compra da espingarda de um sobrinho por R$ 4 mil. Fez isso depois de saber pela imprensa que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) havia liberado a posse de armas para moradores de áreas rurais, como ele.
Shimura argumentou que não tinha conhecimento de que, para possuir uma arma de fogo, é preciso seguir uma legislação específica.
Segundo o advogado João Antonio Alvares Martines, o agricultor é descendente de japoneses e morava no país asiático até recentemente. Depois, ao voltar ao Brasil, comprou um terreno na cidade de Lutécia, onde vive com a família criando bois.
A BBC News Brasil não conseguiu contatá-lo.
“Ele ouviu que agora pode ter uma arma dentro de sua propriedade rural. Surgiu essa oportunidade de comprar por um valor menor, e ele resolveu comprar para dar mais segurança para a família”, disse Martines.
“Ele é uma pessoa que nasceu e cresceu na zona rural, depois saiu do país e voltou. Sem muita informação, ele acreditou na TV e achou que, como é uma pessoa de bem, poderia comprar uma arma assim mesmo”, afirmou Martines.
Decreto de Bolsonaro sobre as armas
Em janeiro, Bolsonaro assinou decreto tornando mais brandas as regras para posse de armas de fogo no país. O texto permite aos cidadãos residentes em áreas urbanas e rurais possam manter armas em casa, desde que cumpridos os requisitos de “efetiva necessidade”. Cada pedido é avaliado pela Polícia Federal.
Em maio, por meio de outro decreto, o presidente flexibilizou o porte de armas (quando o cidadão pode transportar o objeto). O texto amplia em muito as atuais condições que autorizam o porte. As medidas incluídas facilitam que certos profissionais – como advogados, caminhoneiros e políticos eleitos, por exemplo —portem armas de fogo carregadas.
O texto também aumenta o número de munições que podem ser compradas por cidadãos que tenham autorização.
‘NÃO TROUXE RISCO PARA A COMUNIDADE’
Shigueo Shimura era réu primário, não tinha antecedentes crimininais antes da condenação. Em tese, ele poderia seguir o novo decreto de Bolsonaro e ter posse de uma arma de forma legal. Mas preferiu recorrer a um sobrinho.
Pelas circunstâncias, o agricultor não será recolhido a estabelecimento prisional —ele pagará uma multa e poderá cumprir a pena em liberdade.
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O juiz refutou o argumento da defesa de que Shimura não sabia que precisava seguir a legislação para ter uma espingarda. “Ninguém pode alegar desconhecimento da lei para não cumpri-la”, escreveu o magistrado. Ele estipulou uma multa e determinou que a pena seja cumprida em liberdade.
Nessa semana, o advogado Martines recorreu da decisão judicial, pedindo absolvição de seu cliente.
“Não existiu dolo, ele não teve a intenção de prejudicar ninguém. Ele acabou mexendo na arma, testando, e ela disparou. Foi um disparo involuntário e acidental, não trouxe risco para a comunidade”, disse.
Fonte: Folha de S. Paulo