Aftosa na Indonésia: Repercussão na pecuária brasileira assusta Sidan

Necessidade de reforçar a comunicação sobre o Programa Nacional de Erradicação e Prevenção da Febre Aftosa (PNEFA), que prevê a retirada total da vacina até 2026.

A repercussão na pecuária brasileira do recente foco de febre aftosa na Indonésia necessita, no mínimo, uma reflexão, avalia o vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), Emílio Salani. “Assustou-me o nível de preocupação da nossa pecuária com a possibilidade de risco de reingresso da doença no nosso território”, diz, classificando como de médio para grande o impacto no Brasil dos mais de 230 mil casos da doença detectados no país do sudeste asiático.

Em entrevista ao AGROemDIA, o executivo do Sindan pontua que a reação deixou a impressão de que algunuaristas percebeu que, a partir da retirada da vacinação, não vai ter mais essa proteção.”

Para Salani, a repercussão do foco de aftosa na Indonésia na pecuária brasileira também aponta para a necessidade de reforçar a comunicação sobre o Programa Nacional de Erradicação e Prevenção da Febre Aftosa (PNEFA), que prevê a retirada total da vacina até 2026. A comunicação, uma das diretrizes estratégicas do programa, é essencial para esclarecer o pecuarista sobre seu papel no contexto das ações de prevenção, destaca o executivo do Sindan.

Leia os principais trechos da entrevista:

AGROemDIA: O senhor se surpreendeu com a reação dos pecuaristas brasileiros com o foco aftosa na Indonésia?

Emílio Salani: Antes de mais nada, é preciso esclarecer que a nossa principal responsabilidade com o PNEFA é com o abastecimento [de vacinas]. Desde 1995, a gente acompanha o plano detalhadamente. Então, o que me preocupou – e também a toda equipe técnica do Sindan –foi o impacto de médio para grande que houve sobre um possível risco de reingresso da doença no Brasil.

AGROemDIA: Como o senhor interpreta essa repercussão?

Emílio Salani: Assustou-me a classe pecuária ter essa preocupação nesses níveis. Eu dividi essa preocupação em três categorias de pecuaristas. Primeiro, aquele pecuarista muito bem envolvido, que está acompanhando e que é favorável [a retirada da vacina]. Ele está se preocupando e dizendo: ‘Será que estamos preparados no Brasil [para enfrentar uma emergência sanitária semelhante à da Indonésia]? Temos um banco de vacinas?” Quando você olha o que está ocorrendo na Indonésia e vê a apreensão na Austrália, quando se estabelece o tamanho do problema, há dois jeitos de enxergar: é difícil controlar um problema envolvendo mais de 200 mil cabeças, porque você tem que controlar e não pode deixar espalhar, e, paralelamente, é preciso ter vacinas.

Vão abater meu animal e vão me pagar com o quê, como e quando?”

AGROemDIA: A vacina é, então, essencial nos casos de emergência sanitária animal?

Emílio Salani: Se há mais de 200 mil animais afetados, você tem que fazer um círculo grande e vacinar os dos [países] vizinhos. Se você não tiver vacina pronta e em quantidade adequada, vai ser um Deus nos acuda e parece que a Indonésia não tem essa vacina. Tanto que o Brasil já está iniciando uma colaboração, através de algumas associações, como a Abeg e a Abiec, para fornecer 100 mil doses de vacinas, cada uma delas, à Indonésia. Então, fiquei muito preocupado com esse entendimento dos pecuaristas envolvidos [com o assunto].

AGROemDIA: E qual as repercussões nos outros dois grupos de pecuaristas?

Emílio Salani: O segundo grupo é o do pecuarista que faz comparação: “Será que compensa parar [de vacinar] e correr o risco pelo manejo e pelo valor da vacina? Ele só olha isso. Ele não olha mais nada. Isso é importantíssimo. E o terceiro grupo é o dos pecuaristas que perceberam agora que não vão ter mais essa proteção.

AGROemDIA: A pandemia de covid-19 acabou potencializando a reação dos pecuaristas brasileiros com o foco de aftosa no sudeste asiático?

Emílio Salani: Todos esses três grupos de pecuaristas estão sensibilizados pelo tema da covid-19. Nos grupos de WhatsApp e nas entrevistas à mídia, muitos deles falam em banco de antígenos, banco de vacinas, fundos privados. Há uns que entendem que o reingresso da doença é uma coisa que pode acontecer e buscam respostas para o ressarcimento, para o momento em que se usa o rifle sanitário. “Vão abater meu animal e vão me pagar com o quê, como e quando? Vou receber o valor real genético do meu animal ou vou receber um valor de pauta pré-estabelecido? Esse dinheiro vem de onde? De um fundo misto, de um fundo público ou de um fundo privado?” Dependendo de onde vem, pode demorar bastante.

AGROemDIA: Isso significa que situação na Indonésia trouxe uma nova perspectiva para o debate sobre a erradicação da aftosa no Brasil?

Emílio Salani: A impressão é que a ficha caiu meio que geral. Até então, todo mundo só falava, nas reuniões, sobre benefício. “Vamos abrir exportação, vamos vender para o Japão, vamos vender para Europa etc.” Os estados que já tiraram a vacina podem até ter se beneficiado da exportação suína, mas isso ainda não se refletiu no preço da arroba do boi. Para um pecuarista comum o que interessa no final do dia é o preço. “A arroba do meu boi hoje é R$ 317. Legal. E quando for livre [de aftosa] quanto será? Quando se lança um olhar sobre o perfil de preços no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rondônia e Acre [esses estados fazem parte do primeiro bloco do PNEFA a ser declarado como livre de aftosa sem vacinação] e sobre o perfil de preços de São Paulo [o estado ainda vacina o rebanho], você vê que não faz muito sentido. O maior preço da arroba continua sendo o do estado de São Paulo, no município de Araçatuba.

Deveríamos ter nos esforçado mais para rastrear, para ampliar o nosso status de livre com vacinação”

AGROemDIA: A cadeia da pecuária passa, então, por um momento de questionamento em relação ao enfrentamento à aftosa?

Emílio Salani: Parece que está tendo um freio de arrumação. A classe de pecuaristas é muito grande. A pecuária tem vários matizes. Achei interessante o grupo de pecuaristas intermediários, porque o grupo do topo está preocupado com fundo e banco e vai parar mesmo [de vacinar]. Já o grupo do meio está dizendo: “A minha relação de custo-benefício é manejo, que eu vou ter que continuar fazendo. Vou parar e vou economizar? Não está tendo muito benefício. A relação custo-benefício não está legal.” E o terceiro grupo fala: “Vou parar e a minha arroba vai a quanto?  A R$ 400?” Isso também começou a ser questionado.

Foto: Divulgação

AGROemDIA: Esses questionamentos mostram a necessidade de reforçar a estratégia de comunicação?

Emílio Salani: Nós não esperávamos isso, porque há um bom valor e um bom tempo dedicado à comunicação [no programa], seja para o proprietário, seja para a sociedade. Ao proprietário, é preciso dizer quais serão, após parar [de vacinar], as suas responsabilidades e quais serão as dos governos estaduais e federal. Percebi pessoas de peso, que já foram da liderança no passado, falando: “O tempo passa e vem o esquecimento”. Se eu estivesse hoje no comando, pensaria em fazer o quê? Em retroalimentar. A partir de agora, ter um plano de mídia, de comunicação, envolvendo a mídia especializada e a mídia em geral, para os estados que já tiraram [a vacina] e para os que vão tirar [a imunização].

AGROemDIA: Então, a repercussão aponta para uma possibilidade efetiva de risco?

Emílio Salani: Para quem é do ramo, a Indonésia não deveria ter assustado, porque você tem uma vigilância sanitária, um sistema de vigilância, de atenção, um sistema de controle. Agora, se ele não pega nenhum caso, você começa a questionar o teu sistema. Alguma coisa vai aparecer, estamos tratando de biologia.

AGROemDIA: A situação sanitária na América do Sul também preocupa?

Emílio Salani: Há um grupo de pessoas, mais antenado, que está preocupado com a questão continental. Uma coisa é acontecer na Ásia, outra coisa é aqui, na América do Sul. A gente está vendo alguns movimentos políticos, como Pacto Andino, [eleições na] Colômbia, [situação na] Venezuela, problemas na Bolívia, que podem criar algum problema de manutenção desses programas para os nossos vizinhos. Aí é diferente. Alguém pode dizer que estou falando uma coisa parcialmente verdadeira, mas, apesar de estarmos em outro continente, a globalização passou uma borracha nisso tudo. Aí, entra um sapato sujo, um animal com isso, uma carne contaminada, uma embalagem contaminada. É a aerofilia, é um vento. E estamos falando de um país que está se firmando como exportador de animais vivos. Quando você exporta um boi vivo é o maior atestado sanitário de que o teu país tem controle de tudo. A coisa é bastante complexa. Acho que hoje muitas dessas coisas devem estar sendo debatidas a nível governamental, principalmente porque em dezembro, provavelmente, o grande núcleo pecuário deste país, o Centro-Oeste e parte do Sudeste, vai parar de vacinar. Então, temos que repensar um dos itens do plano, que é o da comunicação. Nós do Sindan colaboramos, na medida do possível, em tudo que se refere à comunicação. Isso, no mínimo, necessita de uma reflexão. Estamos bem? Comunicamos bem? Tem que fazer algo?

O fazendeiro tem que estar ciente de qual é o seu papel e qual é o seu benefício”

AGROemDIA: Qual posição do Sindan sobre o atual cronograma de erradicação da aftosa no Brasil?

Emílio Salani: Não falo nem em manter, nem em postergar, nem em manter essa parte, postergar essa ou vice-versa. Nada disso, porque nós somos principalmente comercializadores de vacina. Nosso papel aqui é colaborar. Agora, esse evento [na Indonésia] e essa repercussão aqui merecem no mínimo uma reflexão. Estamos no caminho certo? Temos que investir mais em comunicação? Qual tipo de comunicação? Porque o fazendeiro tem que estar ciente de qual é o seu papel e qual é o seu benefício. Se não ver o benefício…Então, acho que as autoridades devem estar pensando em fazer um debate. Se nos chamarem, estamos à disposição. O importante é que as três empresas brasileiras de veterinária que operam com a produção de vacinas contra aftosa estão totalmente abertas e dialogando com o Mapa para elaboração de um banco de antígenos e vacinas. Gosto muito da terminologia banco de vacinas, porque uma vacina tem que chegar com muita rapidez à pessoa [que vai usá-la no rebanho]

AGROemDIA: O Uruguai vacina e, mesmo assim, exporta para bons mercados?

Emílio Salani: O Uruguai consegue mostrar a rastreabilidade de todo o seu rebanho, cerca de 11 milhões de cabeças. Eles imunizam com vacinas brasileiras e argentinas, devidamente aprovadas pelos organismos oficiais desses países. Conseguem rastrear e mostrar [ao mercado]. A minha tese é que deveríamos ter nos esforçado um pouco mais para desmistificar o status de livre de aftosa com vacinação. Não vou entrar na seara da Abiec, que hoje analisa com bastante calma se é vantagem ou não, se vai ter essa grande vantagem. Não estou nem falando da seara do produtor. Agora, deveríamos ter nos esforçado mais para rastrear, para ampliar o nosso status de livre com vacinação, de fortalecer nossos serviços, de comunicar melhor. Acho que a gente deveria [feito isso] para ter segurança, porque temos um rebanho enorme, comercialmente falando, e espalhado. Temos que comunicar melhor, e acho que o governo vai fazer uma reflexão. O que não pode é politizar esse tema, é um tema técnico, que depende de estruturas, de auditorias, de notas de avaliações. Esse é um tema muito sério.

O que não pode é politizar esse tema, é um tema técnico, que depende de estruturas, de auditorias, de notas de avaliações”

Fonte: AGROemDIA
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