O Ministério da Agricultura e Pecuária também demonstra preocupação com alterações e pretende conversar com setor para entender impactos.
Os parlamentares europeus decidiram nesta quinta-feira, 14, pelo adiamento da entrada em vigor da lei antidesmatamento (EUDR, sigla em inglês). No entanto, o que poderia ser uma notícia positiva para o setor, trouxe um “gosto amargo” devido às aprovações de emendas à lei que a tornaram mais discriminatória, na análise da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
“A alteração reforça o caráter discriminatório da EUDR”, critica a diretora de Relações Internacionais da CNA, Sueme Mori, ao Agro Estadão. A medida aprovada nesta quinta acrescenta mais uma classificação sobre o risco de desmatamento e degradação florestal. Antes, os países seriam enquadrados com risco alto, padrão e baixo. Agora, há também o risco nulo.
Essa nova categoria traz uma simplificação da diligência pedida, ou seja, um abrandamento das exigências cobradas aos produtos dos países que figurarem nessa lista. “O sistema de classificação em quatro níveis dará aos países a possibilidade de aplicarem leis nacionais mais rigorosas em matéria de desflorestação e de se empenharem em cooperar com as convenções internacionais em matéria de clima e direitos humanos”, diz uma das justificativas apresentadas ao Parlamento Europeu.
Uma das emendas aprovadas detalha os critérios para que os países sejam classificados como de risco nulo. São basicamente três:
- ter quantidade de floresta igual ou superior ao nível que tinha em 1990;
- os países ou partes desses países participarem do Acordo de Paris e das convenções internacionais de direitos humanos e de prevenção ao desmatamento;
- cumprimento rigoroso da legislação interna sobre prevenção e conservação florestal, além de transparência sobre o assunto e monitoramento das ações.
Para a CNA, os critérios são “notadamente favoráveis a países que já passaram pelo estágio de expansão agrícola”, o que gera uma discriminação com países que estão em fase de desenvolvimento, como é o caso do Brasil, Malásia e Indonésia. “Não tem como o Brasil se encaixar. Claramente os países em expansão agrícola, como é o caso do Brasil, eles vão ser classificados como de alto risco”, pontua Mori.
O entendimento é de que as emendas visam a beneficiar países membros da União Europeia, já que houve o pleito por parte de alguns de que eles não estivessem submetidos às mesmas regras da EUDR. “O que foi aprovado hoje é uma resposta a essa crítica dos países membros, isentando eles de praticamente todas as obrigações da lei”, analisa a diretora da CNA.
Mapa diz estar preocupado e pretende escutar setor para formular estratégia
O secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Luis Rua, também comenta o potencial segregativo que a medida pode ter. “Naturalmente, nos causa certa preocupação a aprovação de uma nova classificação, tipologia, como o no risk, porque você pode eventualmente aumentar as distorções, especialmente, pelo marco temporal utilizado de 1990, pode aumentar o fardo sobre alguns países”, afirma à reportagem.
Outro ponto que o secretário lamenta é a exclusão de uma discussão da lei na Organização Mundial do Comércio (OMC). Entre as emendas apresentadas, uma acrescentava que a União Europeia iria manter um diálogo dentro da OMC com outros países para facilitar a aplicação da legislação e para evitar “tensões comerciais”. No entanto, a emenda foi recusada.
“O fato de ter sido retirada a possibilidade de se discutir dentro da OMC, algo também que a gente esperava [que pudesse acontecer], a gente entende que deverá haver espaço para algum diálogo, para alguma construção [em outra esfera]”, pondera Rua.
A expectativa do secretário é continuar as conversas com a União Europeia, especialmente agora que a lei teve a prorrogação aprovada. Segundo Rua, uma estratégia para isso deve ser montada com a ajuda do setor, além de outras áreas do governo, como o Ministério das Relações Exteriores.
“A gente vai chamar novamente aqui o setor produtivo para uma discussão aprofundada, para entender [o eventual impacto] e aí pensar em uma estratégia comum ao país. Naquilo que tiver o interesse brasileiro, o governo brasileiro não se furtará a defender sempre numa linha de diálogo, numa linha de construção. […] Eu acho que tem boa vontade das partes para que a gente possa negociar”, avalia o secretário.
Risco para o acordo Mercosul-União Europeia
A diretora da CNA é mais cética com relação à escuta ativa da União Europeia aos pedidos brasileiros. Além disso, ela aponta que é preciso considerar os efeitos negativos que a lei antidesmatamento pode trazer a um acordo entre os blocos econômicos.
“A gente tem que estar atento ao impacto dessa medida da EUDR e outras medidas que podem ter no acordo. […] Uma medida dessa tem potencial de prejudicar o acesso, fechar mercado”, salienta Mori.
Para o secretário do Mapa, se tratam de discussões distintas e uma não depende da outra. “O acordo entra numa outra esfera de estratégia, de importância, então, eu acho que não macula, ainda que possa eventualmente dificultar momentaneamente, mas acho que não macula todas as discussões que vêm ocorrendo, e de maneira bastante positiva nesses últimos meses”, afirma Rua.
Meio Ambiente vê adiamento como “saudável”, mas pondera que é preciso ter viabilidade para implementação das regras
Para o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), o adiamento do início da cobrança da lei é positivo, porém ressalta que a legislação externa não é o que vai provocar a queda no desmatamento do Brasil. “Para nós, essa lei não é o que vai determinar a derrubada do desmatamento em escala no curtíssimo prazo. Nós estamos fazendo isso já com as nossas ações. Então, ganhar mais um ano para o setor privado se adequar a norma me parece que é saudável”, pondera o secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do MMA, André Lima.
Ele também condenou iniciativas que aparentam ser ambientais, mas tem um viés protecionista. “Ações de mercado são sempre bem-vindas desde que acordadas entre os pares, desde que realmente haja condição objetiva de sua implementação. O que não pode é virar uma mera um mero bloqueio comercial sem que as medidas tenham realmente aderência à realidade dos países”, complementa à reportagem.
Tanto o adiamento como as emendas que criam a nova categoria de risco nulo ainda precisam ser adicionadas ao texto da lei europeia. Para isso, o Conselho da União Europeia e o próprio Parlamento Europeu precisam aprovar a redação final e somente depois de publicada no Jornal Oficial da UE é que as medidas entram em vigor. No entanto, esse trâmite deve acontecer de forma rápida.
Fonte: Agro Estadão
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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