Abate de vacas prenhas, uma questão de vida ou morte

A Compre Rural, em uma entrevista esclarecedora com a renomada veterinária Raquel Cannavô, explorou a delicada questão do abate de vacas prenhas, abordando as implicações éticas e práticas associadas a essa prática; Confira

No universo complexo do agronegócio, a Compre Rural destaca-se como uma fonte confiável de informações, comprometida em oferecer conteúdos valiosos sobre as nuances desse setor. Em uma entrevista esclarecedora com Raquel Cannavô, que é Médica Veterinária, Fiscal Agropecuária, Esp. Higiene e Inspeção de Produtos de Origem Animal e Docente na área de Inspeção e Bem-Estar Animal, exploramos a delicada questão do abate de vacas prenhas, abordando as implicações éticas e práticas associadas a essa prática. Em um cenário onde a conscientização dos consumidores sobre a origem ética dos produtos está em ascensão, a discussão sobre o abate desses animais na prenhez torna-se mais urgente do que nunca.

Desvelando a realidade: Abate de vacas prenhas no contexto atual

Raquel Cannavô ofereceu perspicazes observações sobre o abate de vacas prenhas, destacando as implicações éticas e práticas que permeiam esse processo na indústria pecuária.

Os consumidores estão cada vez mais preocupados com a qualidade ética dos produtos que consomem. Dados do IBGE mostram que o número de vegetarianos no Brasil aumentou em 75% de 2012 a 2018, evidenciando uma crescente preocupação com a forma como os animais são abatidos e criados.

A população em geral não tem conhecimento do processo de abate, resultando na prática lamentável de abater vacas em fase final de gestação. O abate, historicamente, foi tratado do ponto de vista sanitário, com a ótica do bem-estar animal sendo uma consideração recente quando se trata de animais de produção.

Foto: Ernesto Souza / Ed. Globo

Ao abater vacas que estão prestes a parir, violamos questões fundamentais de bem-estar animal. O transporte em trabalho de parto, o parto em local inadequado e o subsequente transporte de volta para a propriedade junto com o bezerro violam normas de bem-estar animal e adicionam complexidades burocráticas ao processo.

Para aqueles que se preocupam com a imagem da pecuária e, principalmente, com o sofrimento desses animais, é fundamental para nosso progresso, como profissionais e como seres humanos, que vacas gestantes não sejam mais enviadas ao abate.

A veterinária conclui apelando aos profissionais da indústria pecuária para abordarem essas questões de maneira responsável, reconhecendo a necessidade de uma mudança significativa na abordagem do abate de vacas prenhas, não apenas como uma prática ética, mas como um passo crucial em direção ao avanço moral e humano.

Legislação e desafios jurídicos na atualidade: Onde estamos e para onde vamos?

A veterinária abordou o cenário jurídico relacionado ao abate de vacas prenhas, fornecendo informações detalhadas sobre as regulamentações existentes e os desafios enfrentados na mitigação desses casos.

Até o ano de 2017, o abate de vacas prenhas era permitido, com uma restrição sanitária relacionada ao consumo da carne daquelas que estavam no terço final da gestação, ou seja, nos últimos 3 meses. Hoje, a restrição sanitária mudou, sendo aplicada à carne daquelas que pariram nos últimos 10 dias.

Foto: Jerônimo Vicenzi/Divulgação

Em termos de bem-estar animal, o único avanço significativo ocorreu em julho deste ano com a publicação da Portaria 864/MAPA, que veda o abate de vacas em fase de preparação para o parto. No entanto, na prática, isso resultará em multas apenas para os casos em que a vaca parir no curral do frigorífico, não abrangendo todas aquelas enviadas ao abate nos últimos 3 meses de gestação.

Quanto ao caminho jurídico, algumas organizações não governamentais já iniciaram ações nesse sentido, mas até o momento, sem sucesso.

As declarações de Raquel destacam a evolução recente nas regulamentações, particularmente no aspecto de bem-estar animal, mas também evidenciam as lacunas que ainda persistem. A veterinária aponta que, embora haja avanços, há necessidade de uma abordagem mais abrangente para mitigar efetivamente os casos de abate de vacas prenhas, indicando que o caminho jurídico ainda é desafiador e requer esforços contínuos por parte das organizações envolvidas.

Regulamentações e responsabilidades na indústria da pecuária: Uma abordagem holística necessária

A especialista detalha as regulamentações específicas e diretrizes éticas que regem o abate de vacas prenhas, bem como as práticas adotadas pelos produtores e trabalhadores do setor para garantir o cumprimento dessas normas.

As regulamentações mais recentes que regem o abate de vacas prenhas são encontradas na Portaria 365, datada de 16 de julho de 2021, e na Portaria 864, de 31 de julho de 2023, ambas emitidas pelo MAPA. É crucial que todos os envolvidos no setor estejam atentos a essas diretrizes.

A principal exigência estabelecida por essas portarias é a realização de um diagnóstico de gestação antes de enviar as fêmeas para o abate. O não cumprimento dessa norma pode resultar em multas se as fêmeas forem enviadas nos dias que antecedem o parto.

Além disso, após o abate de uma fêmea gestante, é necessário um monitoramento contínuo em relação ao bem-estar do feto. Esta responsabilidade recai sobre o frigorífico, destacando a importância de garantir que o processo de abate seja conduzido com o máximo respeito ao bem-estar animal, mesmo em situações já regulamentadas.”

Em seu Instagram, a veterinária postou o vídeo de dezenas de fetos jogados após o abate das fêmeas. Na legenda, apontou: “Um lote de 44 vacas. 15 foram abatidas na fase final de gestação. Um único produtor. É absurdo o número de fêmeas enviadas ao abate quase parindo e é muito lamentável como isso não seja encarado como um problema de bem-estar animal. Vídeo desta semana.”

As palavras de Raquel evidenciam a existência de regulamentações específicas para mitigar o abate de vacas prenhas, destacando a importância do diagnóstico de gestação antes do abate e do monitoramento contínuo do bem-estar fetal. O cumprimento rigoroso dessas normas é crucial para garantir que a indústria pecuária opere dentro de padrões éticos e legais, promovendo o respeito pelos animais ao longo de todo o processo.

Caminhos para a minimização do abate de vacas prenhas: Um olhar para o futuro sustentável

A entrevistada oferece orientações práticas sobre como a indústria pecuária pode trabalhar para minimizar o abate de vacas prenhas, promovendo simultaneamente práticas que visam ao bem-estar dos animais e à sustentabilidade no setor.

Um passo crucial para minimizar o abate de vacas prenhas é implementar um manejo adequado desses animais. Isso inclui a prevenção da gestação indesejada das fêmeas, garantindo que apenas animais que não estejam na prenhez sejam selecionados para o abate. Em casos de dúvida quanto a isso, é fundamental realizar um diagnóstico de gestação no momento da seleção das vacas para o abate.

Foto: Vinícius Rebello/G1

A consideração fundamental é que fêmeas prenhas são consideradas animais inaptos ao transporte, conforme diretrizes da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA). Portanto, a indústria deve adotar a prática de transportar esses animais apenas para atendimento veterinário, evitando o transporte desnecessário e, consequentemente, minimizando o estresse e riscos associados.

As práticas éticas e sustentáveis devem ir além da legislação, incorporando uma abordagem proativa para garantir o bem-estar dos animais e a eficiência no setor. Ao investir em técnicas de manejo aprimoradas e adotar práticas conscientes, a indústria pecuária não apenas reduzirá o abate de vacas prenhas, mas também fortalecerá sua posição em relação à responsabilidade social e ambiental.”

As orientações de Raquel destacam a importância do manejo adequado, do diagnóstico de gestação e do respeito às diretrizes internacionais para evitar o abate de fêmeas prenhas. Ao adotar essas práticas, a indústria pecuária pode não apenas atender às regulamentações existentes, mas também promover o bem-estar animal e contribuir para a sustentabilidade a longo prazo do setor.

Impactos na saúde reprodutiva do rebanho e na qualidade dos produtos: Desvendando mitos e verdades

A veterinária compartilha sua visão sobre o impacto do abate de vacas prenhas na saúde reprodutiva do rebanho e na qualidade dos produtos de origem animal destinados ao consumo humano.

No que diz respeito à eficiência reprodutiva do rebanho, não observo um impacto significativo. Muitas vacas são emprenhadas intencionalmente para o abate, seja por facilidade no manejo ou pela crença de alguns produtores de que isso resulta em maior rendimento de carcaça. No entanto, é importante mencionar que a maioria dos frigoríficos desconta o peso dos fetos, e o envio de vacas prenhas geralmente ocorre com o consentimento dos produtores, muitas vezes por razões econômicas relacionadas ao ciclo pecuário.

Fotos: Fazenda ELGE

Em relação à qualidade dos produtos de origem animal, não há dados científicos que comprovem perda na qualidade da carne de vacas abatidas durante a gestação. Os fatos estão estritamente ligados à qualidade ética do processo. É crucial ressaltar que o abate ético e humanizado desses animais é uma consideração primordial, independente de dados científicos sobre a qualidade da carne.

As observações de Raquel destacam que o impacto do abate de vacas prenhas na eficiência reprodutiva do rebanho pode ser gerenciável, principalmente quando realizado de maneira intencional e consentida pelos produtores. Quanto à qualidade dos produtos de origem animal, a veterinária ressalta que a ênfase deve ser colocada na qualidade ética do processo de abate, independentemente da falta de evidências científicas que indiquem uma perda na qualidade da carne. Essa perspectiva enfatiza a importância de considerações éticas ao lidar com animais destinados ao abate, mesmo quando não há evidências científicas claras de impacto na qualidade dos produtos para consumo humano.

Alternativas e inovações na indústria pecuária: Rumo a práticas mais humanas e sustentáveis

A entrevistada destaca uma alternativa inovadora na indústria pecuária que busca reduzir os casos de abate de vacas prenhas, ao mesmo tempo em que atende às demandas do mercado de produtos de origem animal.

Uma alternativa promissora para produtores que enfrentam desafios no manejo e buscam evitar a gestação indesejada é o uso do Dispositivo Intrauterino Bovino (DIUB). Este dispositivo não utiliza hormônios e tem um custo acessível, variando de 20 a 25 reais por animal. O DIUB demonstra uma eficácia impressionante de 99,9% na prevenção da prenhez e cerca de 95% na inibição do cio, contribuindo para o ganho de peso do animal.

Foto: C.O.R.T. Genética Brasil

Essa abordagem inovadora não apenas oferece uma solução prática para o manejo de rebanhos, mas também alinha-se às demandas do mercado que busca cada vez mais produtos de origem animal produzidos de maneira ética e sustentável. O uso do DIUB não só previne a gestação indesejada, mas também contribui para a eficiência do rebanho e para a produção de carne de qualidade.”

A sugestão de Raquel destaca uma alternativa tangível e acessível na forma do DIUB, oferecendo uma solução eficaz para evitar a gestação indesejada e reduzir os casos de abate de vacas prenhas. Além disso, essa prática inovadora responde às crescentes demandas do mercado por produtos de origem animal produzidos de maneira ética e sustentável.

Conclusão

Em resumo, a entrevista revelou uma dualidade na indústria pecuária: por um lado, a crescente conscientização ética dos consumidores, impulsionada por um desejo genuíno de compreender a procedência dos produtos; por outro, a persistência de práticas que, apesar de melhorias legislativas, ainda carecem de alinhamento com as expectativas éticas modernas.

A Compre Rural e a veterinária Raquel Cannavô desempenham papéis fundamentais ao abrir esse diálogo, destacando a necessidade urgente de uma transição para caminhos mais éticos e sustentáveis na indústria.

abate de vacas prenhas
Foto: Divulgação/Instagram

A evolução nesse setor depende não apenas de avanços legais, mas de uma mudança cultural profunda. Minimizar o abate de vacas prenhas não é apenas uma questão técnica, mas um imperativo ético que exige a colaboração de todos os participantes da cadeia produtiva. À medida que avançamos, a busca por alternativas inovadoras e a conscientização contínua sobre o bem-estar animal moldarão não apenas a narrativa da indústria pecuária, mas também o seu futuro, inspirando uma abordagem mais humana e compassiva para com os animais de produção.

Escrito por Compre Rural.

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Juliana Freire sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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