A medida causou polêmica entre fiscais agropecuários e entidades de defesa dos direitos dos animais. Enviar uma fêmea com 8 meses de gestação ao frigorífico não cumpre as normas de bem-estar.
A mais “louca” decisão infeliz, inconstitucional, crueldade, maus-tratos, contrassenso e causa de estresse a quem acompanha abate em frigoríficos. São alguns termos usados em uma carta de repúdio divulgada nesta quinta-feira (5/8) por entidades de proteção animal para pedir a revogação do artgo 7º da Portaria 365, publicada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em 16 de julho.
O texto, que atualiza as normas técnicas federais de manejo pré-abate e de abate humanitário, permite o abate de vacas prenhas em fase final de gestação (até 90% do ciclo) e de seus fetos.
Um Projeto de Decreto Legislativo (PDL), do deputado federal Célio Studart (PV-CE), pede uma suspensão de medida que permite o abate de vacas prenhas em final de gestação, bem como de seus fetos. O projeto foi apresentado na última terça terça (17 de agosto) e depende de despacho do presidente da Câmara, Arthur Lira, para a tramitação começar nas comissões temáticas.
A portaria foi divulgada em julho pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa. Entidades e especialistas em bem-estar animal criticaram a medida. Professor de zootecnia da Universidade Estadual Paulista, Mateus Paranhos, é considerado um dos maiores especialistas do país no assunto, considera uma decisão “muito infeliz” incluir o abate de vacas prenhas em um regulamento de abate humanitário. Um manifesto foi assinado por diversas instituições de defesa dos direitos dos animais, pedindo a proibição do abate de vacas prenhas.
Na justificativa do projeto de decreto legislativo, Célio Studart, advogado que tem como uma das bandeiras à defesa dos animais, menciona trechos da portaria. Destaca, por exemplo, que o texto prevê a não remoção dos fetos do útero antes de cinco minutos após o término da sangria da fêmea. E que, se o feto estiver maduro e vivo, ao ser enviado, deve ser impedido de inflar seus pulmões e respirar ar.
E argumenta que a portaria do Ministério da Agricultura é contraditória, pois permite diminuir a solicitação em final de gestação ao mesmo tempo em que cita recomendações da Organização Internacional de Saúde Animal (OIE) vedando a prática.
O deputado acrescenta que o artigo 7º da portaria 365 viola a Constituição Federal, que veda práticas que submetam os animais à crueldade. “O Parlamento brasileiro não pode ser conivente com este ato, e deve sustar as normas do Poder Executivo que extrapolam seu poder regulamentar, conforme mandamento constitucional”, argumenta.
Os Projetos de Decreto Legislativo tramitam como os Projetos de Lei, mas são de competência exclusiva do Legislativo, ou seja, não precisa de sanção do Executivo.
Pontos importantes
O abate de vacas prenhas é questionado tanto do ponto de vista do bem-estar animal quanto do humano, porque provoca sofrimento e constrangimento às pessoas que assistem o feto se debater na barriga e morrer por asfixia enquanto a vaca está sangrando. Segundo os estudos, esses indicam probabilidades de 60% a 90% de o feto não ter consciência, mas diz que, como persiste a dúvida, o princípio da prevenção é o que deveria valer.
“Inadmissível”
Carla Lettieri, diretora-executiva da Animal Equality Brasil, entidade que atua em oito países, diz que é inadmissível que o Mapa, que deveria zelar pela proteção dos animais criados para consumo humano, legalize essa crueldade. “É uma prática de maus-tratos que fere o que está disposto na Constituição e na Lei de Crimes Ambientais que garantem a proteção a todos os animais.”
Ela relata que o regulamento sanitário antes de 2017 não era claro sobre a proibição do abate de vacas prenhas. Em 2017, o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), que o abate poderia ocorrer, mas o produto deveria ir para carnes processadas. “Essa permissão causou um aumento muito grande do abate de vacas prenhas. No Rio Grande do Sul, o aumento chegou a 1.200% e os fiscais definidos a exportar o problema. ”
Em maio, a entidade, associada a outras organizações de proteção dos animais, especialistas em bem-estar animal, fiscais agropecuários, médicos veterinários e zootecnistas, encaminhou carta ao mapa explicando as razões técnicas pelas quais o transporte e abate de vacas no terço final da gestação deveria ser proibido. “A portaria foi uma grande surpresa para nós porque representa um enorme retrocesso, permitindo ainda o consumo da carne da vaca para qualquer problema.”
A questão do transporte é crucial por ser considerada uma etapa extremamente estressante na vida dos animais criados para consumo humano, especialmente no caso das prenhas específicas. Lettieri diz that, case a vaca prenha seja canalizado para o frigorífico, não pode haver volta porque seria um sofrimento em dobro no transporte. O ideal, diz, seria incorporar o que está na instrução normativa que regulamenta o transporte de animais vivos, que exige a realização de testes de prenhez antes do embarque.
Psicológico do trabalhador
O professor Paranhos diz que o envio dessas vacas para o frigorífico não é uma atividade comercial e só pode ser explicado como acidente de manejo nas fazendas ou intenção de alguns produtores em extrema necessidade de ganhar dinheiro na engorda mais rápida dos animais, que chegam a ganhar 70 kg na gestação.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA), Artur Bueno de Camargo, lembra que a entidade já havia sido contra a medida que autorizou a destinação das carcaças, animais para o consumo in natura, quando defendeu a proibição faça abate de vacas prenhas.
“Eu vejo isso com muita preocupação porque com certeza mexe com o psicológico do trabalhador. Nós já estamos, inclusive, nos articulando para começar um movimento em cima dessa questão e trabalhar na questão da proibição, independentemente da fase da gestação ”, conta o líder sindical ao ressaltar que a preocupação da categoria com as condições de trabalho no abate dos animais é antiga.
“A matança já é uma atividade difícil para quem é mais sensível. Agora imagina um trabalhador que abateu aquele animal e também vai ter que tirar um bezerro de dentro, que vai sair vivo, para depois deixar ele morrer com falta de ar e presenciar isso ”, destaca Camargo. O plano da CNTA, segundo ele, é entrar em contato com as demais entidades que estão se posicionando contra a medida, incluindo o Ministério Público.
“Isso realmente tem consequências ruínas e precisa ser interrompido. Estamos inclusivos envolvendo nosso pessoal do jurídico do Ministério Público e acho que temos que envolver também como ONGS que têm um trabalho importante na questão e ver se a gente começa um movimento forte em cima disso e talvez criar uma lei proibindo esse tipo de procedimento ”, avalia o presidente da CNTA.
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Palavras do MAPA
Procurado nesta quinta-feira, o Ministério da Agricultura não respondeu se avaliar revogar o artigo ou se pode recomendar testes de prenhez antes do embarque, bem como outras questões específicas transmitidas pela reportagem. Repetiu apenas as informações fornecidas na semana anterior, de que, atualmente, não regra que proíba o existe transporte de gestantes para o abate, em qualquer idade gestacional, e que a portaria internaliza recomendações da OIE, que não proíbe trânsito ou abate animais, mas condições para evitar a dor ou sofrimento dos gestantes e fetos.
A nota cita ainda que outras mudanças previstas na portaria 465 incluem uma obrigatoriedade de especificações específicas técnico responsável pela avaliação das questões referentes ao bem-estar dos animais, o estabelecimento de períodos máximos de jejum dos animais e a previsão de regras específicas para o manejo de animais em sofrimento que requeiram ou abate de emergência.
Compre Rural com informações do Globo Rural