Aplicativos para reconhecimento automático de doenças, disponibilizados em dispositivos móveis, estão sendo desenvolvidos a partir desta base de dados.
Graduada em análise de sistemas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUC, possui mestrado em Automação pela Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, Unicamp, e doutorado em Computação Aplicada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe. Desde 1989, é pesquisadora da Embrapa Informática Agropecuária, onde lidera projetos na área de engenharia de software, inteligência artificial e computação científica aplicada.
Scot Consultoria: Massruhá, poderia comentar quais são os objetivos atualmente dos projetos em desenvolvimento pela Embrapa Informática?
Silvia Massruhá: Algumas tecnologias inovadoras apontadas como críticas para a transformação digital são: computação em nuvem, internet das coisas, mídias sociais, Big Data e ciência de dados, inteligência artificial, realidade aumentada e realidade virtual, robótica, conectividade ubíqua, aprendizado de máquina, gêmeos digitais (digital twins, em inglês), automação, biotecnologia e bioinformática, além da nanotecnologia. Essas tecnologias, agindo de forma sinergética e complementar, têm poder de transformação que culmina no que tem sido apontada como a quarta revolução industrial, também chamada Indústria 4.0, que tem fomentado por sua vez a Agricultura Digital ou a Agricultura 4.0.
A Embrapa Informática Agropecuária, centro de pesquisa da Embrapa que tem como foco atuar de forma multidisciplinar nas áreas de agroinformática e bioinformática para desenvolver pesquisas e soluções para a agricultura, aplicando métodos, técnicas e ferramentas computacionais, tem envidado esforços para promover a agricultura digital no país, em conjunto com as demais unidades da empresa e instituições parceiras do setor público e privado.
Esse centro de pesquisa tem se dedica a integrar as tecnologias da informação e comunicação (TIC) com as tecnologias disruptivas e inovadoras citadas acima, para promover a transformação digital transversalmente, em toda a cadeia produtiva, por meio de seus quatro eixos de atuação: bioinformática e biologia computacional, computação científica e automação, modelagem agroambiental e geotecnologias, além de engenharia da informação.
Scot Consultoria: Atualmente, como você vê a transformação digital que vem acontecendo no agronegócio brasileiro? Como isso tem ajudado a garantir a sustentabilidade nos sistemas produtivos?
Silvia Massruhá: A transformação digital vem acontecendo em vários setores da economia e no agronegócio brasileiro não poderia ser diferente. As tecnologias digitais têm um papel transversal em toda cadeia de valor do agronegócio. A previsão no cenário mundial é que a população alcance nove bilhões de habitantes em 2050 e que esse crescimento demandará, consequentemente, um aumento da produção agrícola em aproximadamente 70%. É esperado que pelo menos 40% desse aumento da produção seja suprido pelo Brasil.
Atrelado à necessidade de aumento da produção de alimentos, temos também o consumo crescente de água e energia. Esse aumento da demanda por alimentos, aliado aos novos desafios da agricultura, impõe a necessidade de buscar maior produtividade e eficiência por meio da otimização do uso dos recursos naturais e ambientais, o que tem dependido, cada vez mais, do uso das diferentes tecnologias digitais.
As tecnologias digitais podem ajudar a garantir a sustentabilidade em toda a cadeia produtiva, desde a pré-produção, produção até a pós-produção. Por exemplo, na fase de pré-produção, o uso das tecnologias de mineração de dados, computação de alto desempenho, modelagem e simulação, junto com a biotecnologia e a bioinformática, proporcionará a descoberta de genes que promoverão avanços para impactar diversas áreas da produção animal e vegetal, como o manejo, a nutrição, a resistência a doenças e ao estresse hídrico, a sanidade e o melhoramento genético, resultando em produtos mais sustentáveis, com melhor qualidade nutricional e segurança.
Na fase da produção, a agricultura de precisão e a robótica, amparadas por tecnologias como sensoriamento remoto, sistema de informação geográfica e monitoramento do uso da terra, permitem o uso de sensores sem fio, localizados no solo, na planta, na atmosfera ou em máquinas e equipamentos que, em conjunto com software de análise de dados, possibilitam um mapeamento mais preciso do campo. Nessa fase de produção, emergem as fazendas digitais ou fazendas inteligentes, onde o estabelecimento agropecuário estará massivamente conectado, monitorado e automatizado em uma infraestrutura totalmente integrada.
Na fase de pós-produção, as novas tecnologias devem proporcionar uma comunicação altamente integrada e a automação das mais variadas atividades nos setores agroalimentar e agroindustrial: sistemas de predição podem prever as safras agrícolas e os riscos envolvidos; sistemas avançados de monitoramento e controle podem informar aos consumidores sobre segurança e sustentabilidade dos alimentos; sistemas de rastreabilidade devem propiciar o acompanhamento do escoamento da produção desde a fazenda até os centros de distribuição, reduzindo perdas; informações de mercado e variações econômicas serão processadas e orientarão os processos de comercialização; o armazenamento, a infraestrutura e a logística se tornarão mais eficientes, além dos marketplaces, que permitirão conexão virtual entre vários atores das cadeias produtivas, oferecendo soluções de negociação e vendas. Algumas áreas adicionais que serão impactadas são os setores de embalagens, meio ambiente e reciclagem, restaurantes on-line e consultoria.
Scot Consultoria: Considerando pequenos/médios produtores, como tornar o acesso à tecnologia mais fácil e aplicável para essas realidades? Qual o impacto isso pode gerar?
Silvia Massruhá: A tecnologia já é acessível para essa classe de pequenos e médios produtores. A Embrapa, em parceria com o Sebrae Nacional e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) realizaram uma pesquisa, em 2020, sobre tendências, desafios e oportunidades para a agricultura digital no Brasil voltada para esse público de produtores. Essa pesquisa revelou que 84% dos agricultores brasileiros já utilizam ao menos uma tecnologia digital como ferramenta de apoio na produção agrícola. Os resultados mostram que a facilidade de comunicação e de acesso à informação, proporcionada pela internet, são a porta de entrada hoje para introduzir o agricultor nessas novas tecnologias. Pensando no futuro, 95% dos participantes dessa pesquisa indicaram ter interesse em receber mais informações e aprofundar o uso dessas tecnologias em agricultura digital.
As tecnologias digitais podem ajudar a produzir mais alimentos, com qualidade e com menor uso de recursos naturais. Essa transformação será interdisciplinar e transversal à regiões, cultivos ou classe social. Seus benefícios podem atingir todos os elos das cadeias produtivas agrícolas, promovendo inovações para os setores de insumos, para os produtores rurais, processadores, distribuidores e consumidores.
Scot Consultoria: Comente a respeito do sistema de informações agrometeorológicas Agritempo e como ele pode auxiliar o produtor nas tomadas de decisões.
Silvia Massruhá: O Agritempo, disponível em portal e por meio dos aplicativos móveis Agritempo Mobile e Agritempo GIS, vem oferecendo gratuitamente dados agrometeorológicos para apoiar as atividades agrícolas tanto no âmbito da propriedade rural, pela redução de riscos relacionados ao clima e ao tempo, quanto no suporte a políticas públicas, permitindo ações on-line de monitoramento agrometeorológico.
O Agritempo envolve uma rede colaborativa com 40 instituições, possibilitando o intercâmbio de dados meteorológicos, ações de pesquisa em agrometeorologia, geração de novas tecnologias, como módulos e funcionalidades do sistema, e disponibilização de informações como estudos e publicações científicas. O sistema organiza e administra um conjunto de mais de 1.600 estações meteorológicas, número esse em constante expansão. Também contém uma base de dados de pelo menos dez anos de imagens de satélites que podem ser usadas para auxiliar pesquisas em agrometeorologia.
Atualmente, a Embrapa Informática Agropecuária conta também com um sistema para integração de dados meteorológicos e de sensoriamento remoto de diversas fontes. No entanto, a baixa densidade de estações meteorológicas em vastas regiões do país, além de falhas inerentes à operação e à manutenção das estações existentes, acarreta ausência de dados confiáveis para muitas regiões produtoras. Mas recentemente, desenvolvemos o CONPREES, acrônimo para Dados Meteorológicos Consistentes, Preenchidos e Espacializados. Esse sistema utiliza um número muito maior de fontes de dados, provenientes de estações meteorológicas de instituições públicas e privadas, de modelos meteorológicos e de sensoriamento remoto. A partir disso, torna-se possível desenvolver uma base de dados com resolução e precisão suficientes para o monitoramento da ocorrência de eventos adversos e sinistros agrometeorológicos.
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Scot Consultoria: O que é o Sistema Diagnose Virtual? Como ele funciona?
Silvia Massruhá: O Diagnose Virtual é um site dirigido para a área de sanidade animal e vegetal que possibilita o diagnóstico remoto de doenças. O primeiro sistema disponível neste site é um sistema especialista para diagnóstico de doenças de milho que permite aos agrônomos, produtores e extensionistas diagnosticar doenças de sua plantação através da internet. Esse sistema utiliza técnicas de inteligência artificial como lógica abdutiva e nebulosa. Ele também está disponível para outras culturas como soja, trigo, arroz e feijão. Além de um sistema especialista para diagnóstico de doenças, o sistema também permite que os usuários entrem em contato com os fitopatologistas da Embrapa através de e-mail, chat, lista de discussão, entre outros. Entretanto, esse trabalho tem evoluído para um sistema de reconhecimento automático de sintomas a partir de imagens e fotos utilizando outras técnicas de inteligência artificial, como visão computacional, aprendizado de máquina e reconhecimento de padrões.
Atualmente, temos uma base de dados disponibilizada publicamente, chamada Digipathos. Essa base de dados contempla mais de 2 mil imagens contendo a identificação da cultura e da doença, bem como cerca de 46 mil imagens de sintomas isolados. A partir de modelos baseados em processamento de imagens e inteligência artificial, foi possível criar essa base de dados para identificação de sintomas de doenças para as culturas do algodão, café, cajueiro, cana-de-açúcar, citros, coqueiro, couve, feijão, mandioca, maracujá, milho, soja, trigo e videira. Vários aplicativos para reconhecimento automático de doenças, disponibilizados em dispositivos móveis, estão sendo desenvolvidos a partir desta base de dados da Embrapa.
Fonte: Scot Consultoria