Longe de ser o celeiro do mundo, o Brasil percorreu um longo caminho até se tornar essa potência na Agricultura que conhecemos atualmente
Em 1500 ao ser ‘descoberto’ pelos portugueses, os colonos viviam com as culturas já conhecidas e cultivadas pelos índios como feijão, milho, mandioca, amendoim, batata-doce e pimenta, além de produtos asiáticos como coco, banana, manga e jaca, pois nada entendiam de plantio. Até tentaram na 1ª expedição colonizadora realizada no ano de 1532 na qual Martim Afonso de Souza plantou trigo em São Vicente, mas as plantas davam flores e murchavam sem grãos. Plantaram uva também, mas as parreiras não frutificavam a quantidade para fazer vinho, a mesma coisa foi com o arroz e também com o gado que morria ou passava mal com o calor. Grandes problemas que podem ser resumidos em apenas dois fatores: clima e decisões políticas.
A estrutura agrícola era controlada pelo governo português. Segundo o historiador Carlos Roberto Antunes dos Santos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), para plantar alimentos em solos brasileiros era exigido a mesma licença para plantar cana, então nas fazendas plantar comida era secundário, apenas para o sustento. O que se observa bem em festas juninas, a nutrição na época colonial era basicamente feijão, farinha e carne-seca. “Se você observar os pratos numa festa junina, pode ter uma ideia da dieta daquela época”, disse o historiador.
Cana: sinônimo de dinheiro antes do café
Como o clima brasileiro e as prioridades da coroa favoreceram plantar aqui, já que não poderia ser plantada na Europa, a cana de açúcar, originária da Índia, se tornou base da economia da colônia. Em 1532 foi instalado o primeiro engenho em São Vicente. Até que por volta de 1630 os holandeses levaram mudas para o Caribe e acabaram com o monopólio.
Alguns anos depois, a partir de 1727 o café começou a se tornar o principal produto de exportação, adaptou-se bem em São Paulo onde se tornou o centro da economia do país.
Segunda fase de produção agrícola quando o Sul conhece o arroz
Como no século 19 o Império decidiu trazer os Europeus para o país, que trabalharam com o café em São Paulo e ocuparam terras quase que selvagens no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, os italianos e alemães não precisaram abandonar totalmente seus hábitos alimentares, pois começaram a plantar alimentos em escala para comercialização.
Com isso, pão de trigo e macarrão entraram para a dieta, a cerveja passou a ser produzida aqui e o arroz começou a se tornar o famoso prato preferido dos brasileiros acompanhado do feijão.
Segundo o engenheiro agrônomo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Ariano de Magalhães Jr, o arroz não tem problemas com o clima tropical, mas se desenvolve melhor em regiões alagadas , era plantado desde os tempos coloniais, mas isso era feito no seco, o que só rende um terço do arroz alagado e resulta em grãos pequenos, que não ficam soltos quando cozidos.
“Para plantar em terras alagadas, é preciso áreas planas e amplas e um solo com camada impermeável a pouca profundidade. “Na maioria do país, o solo só vai ter essa camada impermeável a 1,80 m. No Rio Grande do Sul, a 30 cm, por isso, o arroz se deu melhor por lá”, explicou engenheiro agrônomo da Embrapa.
Guerra à saúva
O problema em implantar novos cultivos é que a espécie pode não encontrar predadores e doenças locais, o que faz com que se dê melhor no ambiente importado do que no original, ou encontra predadores e doenças aos quais não está adaptada.
Em 1911 a espécie de formiga saúva foi a grande inimiga das plantas que chegou ao Brasil, junto com as novidades de cultivo. O estrago foi tão grande que se encontra na literatura vários casos, como o romance mais conhecido de Lima Barreto, O Triste Fim de Policarpo Quaresma. A obra narra a história do major Quaresma, um homem cujo patriotismo exagerado só lhe causa problemas. Ele tem a ideia de tornar o tupi-guarani a língua oficial do Brasil e se dedica à agricultura nacional, mas é vencido pelas formigas saúvas.
Em 1928, Mário de Andrade colocou na boca de Macunaíma: “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”. Até que em 1935, sob Getúlio Vargas, o Brasil decretou guerra à formiga. A Campanha Nacional Contra a Saúva tinha o lema “Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”.
Essa foi a 1ª iniciativa científica do Estado em lidar com as condições agrícolas. Como não foi encontrada alguma solução com predador natural, decidiu-se pelo uso de inseticidas químicos, o que incentivou a indústria nacional.
A procura do boi ideal
Com o aumento da população a demanda pela carne consequentemente cresceu. O gado europeu trazido na colonização não era bem adaptado. Um boi abatido hoje aos 18 meses numa média de 500 quilos, em 1904 estava pronto para abate aos 8 anos com 150 quilos.
Em 1874, Henrique Hermeto de Carneiro Leão, o barão de Paraná, importou do zoológico de Londres um casal de gado indiano – o zebu, que se diferencia do gado europeu por ter corcova, o cupim. E, logo se percebeu que as vacas da Índia se adaptavam muito melhor ao clima do Brasil. No início do século 20, produtores brasileiros trataram de importar animais da Índia, mas havia um probleminha: lá as vacas são sagradas, e eles não venderiam seus ancestrais reencarnados para comedores de carne. Os indianos vendiam suas vacas para estrangeiros desde que para zoológicos e circos. Assim, os fazendeiros brasileiros foram atrás dos criadores indianos que haviam vendido para zoos europeus e trouxeram as vacas para cá. Só a raça nelore, importada da província de Nellore (em Andhra Pradesh), é responsável por 80% da carne consumida no país.
Pesquisas começam a criar oportunidades para a agricultura brasileira
Após a fundação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a prioridade passou a ser o aumento da produção agrícola e a ocupação das regiões pouco utilizadas para a produção de alimentos no país.
Com isso, no século 19 a soja foi trazida dos Estados Unidos, mas era utilizada apenas para alimentar o gado, por ser uma cultura asiática e de clima temperado adaptou-se bem ao sul do país.
Por meio de seleção de espécimes menos sensíveis ao calor e pela falta de estações no ano, a partir dos anos 1970, começou a ser plantada no Centro-Oeste. A produção de soja passou de 1 milhão de toneladas, em 1979, para 57 milhões , em 2009, dos quais 18 milhões foram apenas no Mato Grosso (quase o dobro de Paraná e Rio Grande do Sul, os outros estados com mais plantações). Segundo o agrônomo Roberto Peres, da Embrapa, o trigo também já está pronto para conquistar o cerrado.
Na busca em tornar o Brasil inteiro cultivável, o Nordeste também não passou despercebido. Nos anos 1960, sob o comando do economista Celso Furtado, foi feito um levantamento das regiões cultiváveis do semiárido. E, a partir dos anos 1980, frutas como o melão passaram a ser produzidas no Nordeste, e hoje já começam a ser plantadas outras de clima temperado, como maçãs, peras e caquis ou, o mais surpreendente, uvas para vinho que precisam de condições muito específicas de sol e frio para dar certo. As plantas exigem frio, e não apenas estações do ano, para produzir um hormônio de crescimento chamado cianamida hidrogenada. Para plantar no Nordeste, os produtores precisam podar as plantas e aplicar o hormônio manualmente.
Segundo Manuel Abílio de Queiroz, professor de agronomia na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), como não há estações do ano, é possível plantar em qualquer época, por demanda. “O agricultor pode até mesmo plantar por encomenda. A colheita passa a responder ao mercado, e não ao clima. É um futuro promissor para o semiárido”.
Do monopólio à dependência: assim foi o Ciclo da Borracha Natural no Brasil
Usada dos pneus à vedação em válvulas hidráulicas de motores a vapor, a borracha se tornou um dos insumos fundamentais da Revolução Industrial, juntamente com o aço e o carvão. Data-se o início do ciclo da borracha em 1879, quando as exportações atingiram 10 mil toneladas, mas o fim já estava decretado antes do princípio.
Nativa da Amazônia, a seringueira (Hevea brasiliensis) era conhecida dos europeus desde o século 18. Mas, quando Charles Goodyear inventou a borracha vulcanizada, em 1839, criando um novo material com base no látex, o interesse pela planta explodiu.
Em 1876, o inglês Henry Wickam havia levado 70 mil sementes para a Inglaterra a fim de serem estudadas por botânicos. Em 1895, passaram a ser plantadas na Ásia.
Em 1900, o Brasil controlava 95% da produção de borracha. Em 1910, 50%. Em 1918, 20%. E, em 1940, 1,3%. Em 1928, Henry Ford tentou ressuscitar a borracha brasileira para produzir pneus para seus carros. Adquiriu 10 mil km² de terras perto de Santarém (PA) e criou Fordlândia, uma colônia com casas ao estilo dos subúrbios americanos. Logo descobriu o que tornava tão mais barata a borracha asiática: plantando as árvores lado a lado, elas foram devoradas por um fungo que não existe na Ásia.
Mesmo com esses problemas todos, a Fordlândia durou até 1945, por causa da 2ª Guerra, com os japoneses tomando posse da Malásia e dando uma sobrevida artificial à indústria de borracha do Brasil.
Hoje, o Brasil produz apenas aproximadamente 35% de toda a demanda nacional pela commodity, ou seja, de maior produtor mundial se tornou importador.
Ciclos encerrados criaram Cidades fantasmas
Mas, o apogeu da borracha foi tão grande que deixou cidades abandonadas. Em 1694, por exemplo, foi fundada a cidade de Airão, sendo considerado o primeiro povoado às margens do Rio Negro. Com o fim da segunda Guerra mundial, e a queda pela procura do látex, os comerciantes não estavam preparados para tal quebra na economia, uma vez que Airão era ponto de coleta e envio de látex, e aos poucos, a cidade faliu e seus moradores buscaram oportunidades em outros lugares da região. Para completar a debandada dos habitantes de Airão, um político afirmou que os moradores estavam sendo devorados por formigas e solicitou a mudança da sede do município. Então, na década de 50, os remanescentes foram deslocados para a área onde está a cidade de Novo Airão.
Localizada no município de Aveiro, no Estado do Pará, a Fordlândia é outra cidade que ficou abandonada com o fim da borracha O projeto “Fordlândia” nasceu, após o empresário Henry Ford, por meio de sua empresa Ford Industrial do Brasil,comprar uma área de terras às margens do Rio Tapajós. Antes de efetuar a compra, Ford conseguiu uma concessão do estado do Pará, através do governador Dionísio Bentes e aprovada pela Assembleia Legislativa, em 30 de setembro de 1927.
Logo nos primeiros meses, a cidade encontrou dificuldades com o plantio incorreto das seringueiras. E, com o passar do tempo, os funcionários ficaram incomodados com o número de regras que foram criadas como, por exemplo, sirenes, relógios de ponto e regras de comportamento. Por fim, depois do falecimento de Henry Ford, em 1947, seu neto assumiu o comando da empresa nos Estados Unidos e decidiu encerrar o projeto de plantação de seringueiras.
Mas outra pneumática também começou um projeto em terras amazonenses para abastecer a indústria. Comprada em 1951 pela multinacional Pirelli, a fazenda Oriboca, no município de Marituba, no Pará, foi transformada em uma vila para fornecer matéria prima para sua própria produção. No local, foram plantadas seringueiras que estão ainda lá, junto aos poucos habitantes locais.
No local, além da vila de casas, é possível avistar as ruínas da fábrica, galpões e uma caixa d’água. Atualmente, o espaço é uma reserva tombada e mantida pelo governo federal.
E depois de tantos perrengues para conseguir se produzir em alta escala no Brasil, que é um país continental, o agronegócio é tido como vilão para certos movimentos sociais, como o dos orgânicos que rejeitam diversas tecnologias modernas de agricultura, principalmente agrotóxicos e transgênicos – o 1º algo que permite vencer a saúva no Brasil e o 2º uma possibilidade para a adaptação de mais culturas.
Conflitos rurais mataram 34 pessoas em 2010, segundo a Comissão Pastoral da Terra. De 1995 a 2010, 38 769 trabalhadores foram resgatados de fazendas em trabalho em condições análogas às da escravidão. Mas, as exportações do agronegócio somaram US$ 159,09 bilhões em 2022, com alta de 32% em relação ao ano anterior, de acordo com a Secretaria de Comércio e Relações Internacionais (SCRI) do Ministério da Agricultura e Pecuária. O crescimento dos volumes exportados dos produtos agropecuários foi reforçado pelo aumento da produção da safra de grãos 2021/2022, que alcançou 271,4 milhões de toneladas. Milho e soja foram as principais culturas, com quase 113 milhões de toneladas e 126 milhões de toneladas, respectivamente.
E, depois de 5 séculos, o país finalmente tem condições de cumprir a profecia de Pero Vaz de Caminha lá em 1500 e se tornar o “celeiro do mundo”. Será uma bênção ou uma maldição?
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