Bioma típico do Brasil central ostenta capacidade de ter produção e preservação ao mesmo tempo, escreve Xico Graziano.
Xico Graziano*
Sinal amarelo para o desmatamento no Centro-Oeste brasileiro. Segundo o Deter/Inpe , enquanto a vegetação vegetativa na Amazônia caiu 31%, no bioma Cerrado ela cresceu 35% . É preocupante.
Os dados se referem aos primeiros 5 meses de 2023. O sistema de alertas do Inpe mostra uma área desmatada de 3.330 km² (333 mil hectares) na região do Cerrado, contra 1.870 km² (187 mil hectares) na Amazônia. No chamado Matopiba, principalmente no Oeste da Bahia, ocorre a maior pressão contra essa vegetação natural.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, estima-se que metade do desmatamento apontado é legal – ou seja, foi autorizado conforme normas do Código Florestal . Para se determinar o desmatamento ilegal, criminoso, é necessária uma ação conjunta com os Estados. Separar o joio do trigo.
Está certo o governo em se preocupar, além da Amazônia, com a proteção do Cerrado. Considerado uma savana tropical, o bioma típico do Brasil central ocupa 24% do território brasileiro. Graças ao avanço tecnológico, padrão da Embrapa, seus solos tolerados e arenosos, áridos durante metade do ano, se transformaram na grande fronteira da expansão agropecuária do país.
Estaria todo o Cerrado já devastado pelo agronegócio?
Não, longe disso. Informações consolidadas e publicadas pelo Ipea/Embrapa no livro “ Dinâmica Agrícola do Cerrado ” (2020) mostram que 54,5% da área total do Cerrado ainda está preservada com vegetação natural. As pastagens dominam 29,5% do território e as lavouras (soja, milho, algodão, principalmente) ocupam 11,7%, tendo mais 1,5% com silvicultura.
Considerando os dados oferecidos pelo Censo Agropecuário do IBGE (2017), no intervalo de 11 anos entre os últimos levantamentos, houve um acréscimo de 13% na ocupação agropecuária da região. Não é excessivo. E a principal expansão de lavouras recaiu sobre antigas pastagens degradadas, sem abertura de novas áreas.
Houve, comprovadamente, grande aumento da produtividade da terra na expansão da fronteira do Cerrado, tanto na agricultura quanto na pecuária. Por conseguinte, ao se elevar a produção rural por hectare, sempre ocorre um efeito poupa-terra, ou seja, a intensificação tecnológica traz uma economia na ocupação de florestas nativas.
Vários fatores indicam que a expansão agrícola para os cerrados trouxe enormes benefícios para a economia e a sociedade, interiorizando o desenvolvimento nacional. Ao mesmo tempo, prevaleceu a pressão sobre a Amazônia e demais biomas. Está, porém, chegando a hora de regular, sob critérios rígidos, a continuidade desse processo.
Aziz Ab’Saber, o maior dos geógrafos brasileiros, definiu o bioma Cerrado como “[…] o domínio dos chapadões recobertos por cerrados e penetrados por florestas galerias, de diversas composições”. Nessas galerias, chamou a atenção, está o grande valor ecológico e reside a maior riqueza hídrica do país. (“ O domínio dos cerrados: introdução ao conhecimento “ , 1983).
Não há apenas um “cerrado”. Quem conhece as variadas regiões do Brasil central sabe da enorme distinção entre as incríveis chapadas – terrenos altos e planos, sem água, vegetação baixa, das terras quebradas – baixas, cheias de grotas e veredas, nascentes, árvores altas, biodiversidade elevada. O André Lima, secretário extraordinário de Controle do Desmatamento, sabe disso.
Restringir a ocupação agropecuária do Cerrado exige planejamento territorial detalhado, complexo, muito além da linearidade estabelecida no Código Florestal, que fixa a reserva legal mínima de 20% das propriedades rurais. Em outras palavras, deve-se permitir, com raras características, o uso agropecuário das chapadas de altitude, e restringir, com bastante rigor, a exploração nas áreas mais recortadas e seguras.
O Brasil é o único país do mundo que cria unidades de conservação em terras de alta agropecuária, criando um conflito controlado entre preservar e produzir no campo. Chega desse equívoco. Está na hora de conciliar as duas políticas.
A começar do Cerrado brasileiro, que ostenta a dupla riqueza da produção e da preservação.
*Xico Graziano, 70 anos, é engenheiro agrônomo e doutor em administração. Foi deputado federal pelo PSDB e integrou o governo de São Paulo. É professor de MBA da FGV. O articulista escreve para o Poder360 semanalmente, às terças-feiras.
Fonte: Poder360
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