Parque único no país funciona sob sistema de parceria com criadores que moram no local e produzem para a Aurora. Grupo de investidores aportou R$ 30 milhões no projeto.
O Brasil é o maior exportador de frango do mundo, e continua inovando tanto na tecnologia quanto no jeito de trabalhar. No Paraná, surgiu um novo modelo criação, um condomínio de granjas. É um negócio enorme e já pode ser chamado de “frango 4.0”.
As cenas parecem de um núcleo residencial: famílias curtem um som em frente de casa, crianças brincam pelo gramado, um animado pula-pula. Mas tudo isso acontece dentro de um conjunto de granjas.
O condomínio fica no Norte do estado, na confluência dos municípios de Mandaguari, Jandaia do Sul e Apucarana, região alcançada pela mais recente onda de tecnologia de ponta em avicultura.
A modernização da produção da criação de frango se deu pela produção em escala. Hoje, já tem barracão capaz de abrigar até 50 mil aves. Mas em Jandaia do Sul, o que se faz é a escala em escala. O usual é ter barracões espalhados, isolados em cada propriedade.
O condomínio tem um só CNPJ, mas os donos de cada unidade são diferentes. Vilmar Sebold é o idealizador e um dos nove donos do parque, único na avicultura nacional. Ele conta que foi difícil convencer os sócios, mas que a pregação valeu a pena.
Formado em economia, Vilmar tem um princípio: “a necessidade é a mãe de todas as forças”.
No caso, a necessidade era abastecer um grande frigorífico, pilar de um projeto de intercooperação entre a Aurora, que é uma cooperativa de cooperativas, e a Cocari, a cooperativa local que se comprometeu a garantir a produção de 170 mil frangos por dia – e o condomínio veio para turbinar essa oferta.
A engenharia do negócio permite, entre outras coisas, que os que cuidam diretamente das aves não sejam funcionários, mas parceiros. Os donos do empreendimento contratam os parceiros para cada aviário. São 18 casais, que moram no local. A mulher, cuida do galpão mais próximo da casa e o marido, do detrás.
Os primeiros parceiros do projeto são Marcelo Henrique da Silva e Maria Aparecida Sebastião da Penha. Os dois moravam na cidade e tinha profissões impensáveis para quem hoje cria frango: ela cuidava de uma idosa, e ele, era DJ e animador de festa. Ambos dizem que não se arrependem da troca.
O casal chegou ao condomínio em 2013. Até então, a única experiência que Maria Aparecida tinha com frango era na panela, conta. “Não exigimos nenhum nível de formação. Exigimos que tenha responsabilidade, ética e capacidade de relacionamento”, diz Vilmar.
Maria e Marcelo têm duas filhas: Daniela, de 11 anos, e Maria Vitória, de 9. “Na cidade a gente vivia com salário mínimo, pagava aluguel, água, luz e ficava mais difícil”, conta Maria.
Eles fazem parte de uma comunidade de parceiros diversa. Adirceu Moreira, marido de Regina, era pedreiro. Roseli e Adenilson de Souza, são ex-sitiantes. Socialmente, todos foram uma espécie de agrovila.
“Se eles não conseguem se relacionar, não vão conseguir conviver. E a gente tem regras claras e rígidas. Se houver agressão física, mesmo entre o casal, o casal está fora”, afirma Vilmar.
O condomínio oferece a moradia, incluindo água, luz e manutenção, além de um intensivo treinamento. E o casal entra com o serviço.
As atividades do casal que toma conta de um aviário são muitas. Maria levanta às 5h30 para aprontar as filhas para ir para a escola e já vai para o aviário. Quando chega perto do horário de almoço, ela vai para casa e Marcelo cuida das aves.
As tarefas variam conforme a idade do lote. A fase pintinho exige muito, porque eles podem morrer de frio. É preciso manter viva a fornalha da caldeira para conseguir a temperatura ideal na pinteira, entre 33 e 34 graus. Há ainda aulas de orientação técnica.
2,8 quilos em 6 meses
Para quem não é do ramo, é espantoso como o frango de hoje cresce rápido. Praticamente todo dia é preciso mexer na altura dos comedouros e bebedouros. A evolução das linhagens permitiu que hoje o frango atinja o peso de abate de 2,8 quilos em apenas seis semanas.
Marcelo leva amostras para a balança diariamente para ver se os animais estão se desenvolvendo dentro do planejado. No escritório, Maria anota as informações de tudo que é observado para passar para o abatedouro.
Não é possível monitorar cada frango e muita coisa escapa aos olhos do casal. Por isso, os galpões contam um sistema de alarme. Se ele toca (porque a temperatura subiu, por exemplo), o parceiro que estiver mais próximo, corre para a sala de comando.
Lá, um potente computador analisa as informações do criatório em tempo real. Como um corpo inteiro sendo rastreado por eletrogramas, cardiograma, encefalograma, o galpão de frango tem centenas de sensores que mandam sinais eletrônicos de tudo o que acontece lá dentro.
É um aparato inteligente para liberar, por exemplo, água e comida, ou mexer na temperatura.
A ave crescida demanda um ambiente de 22, 23 graus, um desafio para o clima tropical do país. Vilmar diz que só foi possível chegar a esse ambiente adequado graças a um detalhe: a escuridão, ou quase. “As aves têm uma sensibilidade muito grande no olho, que é 100 vezes mais sensível do que o olho humano”, explica.
A lâmpada incandescente comum era inconveniente, trazia muita luz, excesso de calor. A de led, com dimmer regulando a intensidade, ajudava a criar o semiescuro ideal. Mas ela pifava com facilidade com a umidade do resfriamento e faltava o produto certo.
Os investidores então foram à China e fizeram uma parceria para desenvolver essa lâmpada “blindada”, que não estraga com a umidade. Ela custa 10 vezes mais, mas virou referência para criar o ambiente que permite a ocupação recorde, de 13 frangos por metro quadrado, em baixo estresse, segundo o veterinário Andreo Eckel.
“Você só consegue colocar esse número de aves por metro quadrado porque você tem uma boa ambiência. Porque senão essas aves vão sofrer por estresse calórico e vão acabar morrendo, ou tendo um baixíssimo desempenho.”
Impactos da criação em escala
O setor do frango suscita aplausos ao transformar soja e milho em uma importante proteína animal mais barata. Porém, é alvo também de críticas, principalmente daqueles que advogam um novo tipo de relacionamento entre o homem e animal.
O frango é a principal proteína consumida pelo brasileiro. São 45 quilos por pessoa por ano. Considerando essa base, o condomínio de granjas abastece anualmente cerca de 500 mil pessoas. E isso tem impactos diversos.
Se a criação é em escala, as perdas também. Os parceiros do condomínio recolhem, em média de dez a doze aves por dia. A causa da morte é variada, pode ir de origem genética a susto. “A gente vive uma cadeia. Porque aqui a gente não cria frango, a gente cria alimento”, diz a parceira Maria Aparecida da Penha.
A cada lote são cerca de oitocentas carcaças destinadas imediatamente destinadas à
compostagem para que não haja resíduo contaminante. “Quanto maior a densidade dentro de um aviário e quanto maior o número de aviários, o risco com certeza vai ser maior”, explica o veterinário Jacquiel Banpi.
Ele esclarece que, embora o volume impressione, o índice de mortalidade do condomínio está bem abaixo da média nacional: entre 2% e 2,5%. “Um parceiro nosso ganha, líquido, o equivalente a um aviário de 12 mil frangos”, diz Vilmar Sebold, idealizador e um dos nove donos do condomínio.
Como sócios cujo investimento é mão de obra, Maria e seu marido, Marcelo da Silva, têm retorno quando se dedicam ao negócio. A Aurora dá a ave, a ração, a assistência. O dono do aviário, as instalações, a casa, a manutenção. A cooperativa Cocari, o suporte técnico-administrativo. Pelos serviços, o casal recebe uma porcentagem da engorda, emitindo a própria nota fiscal. O ganho fica em torno de R$ 5 mil por mês – mais ou menos o dobro do que ganhavam na cidade.
“Ele (o parceiro) recebe como produtor e ele participa da cooperativa, é um associado. No fim do ano, se a cooperativa deu resultado e vai distribuir sobras, na proporção dos frangos que ele entregou, ele vai ter a participação no resultado”, explica Vilmar.
Investimento alto, lucro por vir
Curiosamente, o ganho social, por enquanto, é o único lucro palpável para os investidores do condomínio. É um grupo de nove pessoas que aportaram perto de R$ 30 milhões. Gente do ramo, a fazendeira Helenita Salas, e principiantes, como o advogado José Marcos Carrasco.
O grupo hipotecou o patrimônio particular para financiar o projeto e, até 2024, tudo o que tiram do negócio é para pagar o banco.
O empreendimento é montado sobre desafios, e ainda está cercado deles. Uma das críticas é quanto ao impacto da atividade para o meio ambiente, inclusive as pessoas. Só desse condomínio, saem 7 milhões de frango por ano.
“A gente tem consciência de que quando a gente aglomera muitos aviários próximos, a gente aumenta o risco”, diz o veterinário Jacquiel Banpi.
Por isso, os protocolos de segurança geral, que em granjas isoladas já são rigorosos, foram redobrados. Desde o rodolúvio para desinfetar veículos que possam transmitir doenças até a vassoura de fogo para queimar penas e descontaminar o remonte de palha que serve de cama para os frangos.
Regularmente, a palha é trocada. Uma empresa terceirizada que trabalha com um composto orgânico retirou do local 500 caminhões de esterco no último ano. As carcaças das aves que morrem também vão para a compostagem, ou produção de farinha de osso.
A saída de frangos prontos para o abate e a entrada de novos lotes é feita de trás para frente, criteriosamente programada para que pintinhos não passem perto de aves mais velhas. As instalações estão protegidas por quebra-vento e toda a água é tratada tanto na entrada quanto na saída dos aviários.
Além disso, a poluição provocada pelos dejetos das aves que sempre fizeram dos galpões um lugar repulsivo pelo cheiro fétido de amônia e microrganismos de decomposição também foi amenizada.
Os aviários são de pressão negativa, equipados com exaustores que puxam o ar. Eles ficam equipados no fundo do barracão e a sucção é calibrada de acordo com a idade das aves. O ar entra por placas que ficam nas laterais e percorre todo o espaço a uma velocidade constante, fazendo uma espécie de varrição que tira a sujeira do ambiente e a expele para uma área onde não há casas nem movimentação humana ou de animais.
“Isso faz com que o ar fique limpe o tempo inteiro, não tem aquela questão de gases que nós tínhamos”, diz Vilmar. O túnel de vento cria zona de conforto para as aves. “Evita de se arranhar, levar dermatoses ou outras lesões de carcaça e também tem um ganho de desempenho”, explica o veterinário Andreo Eckel.
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Vilmar, sócio gestor do condomínio, se iniciou na lida de frango ainda na adolescência com a então namorada, e há 38 anos esposa Maacje Boot. Ela morava numa colônia holandesa e aviário da família ficava no fundo do quintal. O casal diz que nunca pensou em realizar tamanho empreendimento. Embora ainda tenham dívidas por mais 5 anos, se dizem gratificados.
Em fevereiro deste ano, faltou energia no condomínio. E justo nos galpões da família do Adirceu Moreira, o gerador pifou. Morreram 65 mil frangos. Foi um baque.
Os donos do empreendimento assumiram o prejuízo para o Adirceu não ficar sem receber e estão processando a companhia de luz. Mas a lembrança do episódio foi a pronta ajuda que todos deram.
“Desde a hora que acabou a energia já vim para cá, porque uma mão lava a outra, um ajuda o outro”, diz a produtora rural Elisângela Rossi. “Considero eles como a minha família. Sei que posso contar com eles num momento difícil. Então a gente tem que ser assim, um pelo outro”.
Fonte: G1