Vietnã: nova fronteira para a carne bovina brasileira

Acordo histórico abre mercado promissor de 100 milhões de consumidores no Sudeste Asiático; Vietnã, a bola da vez para a cadeia pecuária brasileira; qual o seu impacto?

O Vietnã desponta como um novo e promissor mercado para a cadeia pecuária do Brasil, após um acordo comercial firmado em 28 de março de 2025 entre os dois países. Com uma população de cerca de 100 milhões de habitantes e consumo anual estimado em 300 mil toneladas de carne bovina – equivalente a aproximadamente 3 kg por pessoa ao ano, ainda bem abaixo dos ~26 kg per capita consumidos no Brasil, o país asiático depende fortemente de importações para suprir sua demanda interna.

Essa realidade, aliada ao rápido crescimento econômico vietnamita (PIB +7,1% em 2024, meta de 8% para 2025), torna o mercado vietnamita especialmente atraente para os exportadores brasileiros de carne bovina.

Mercado vietnamita em ascensão

Com uma dieta tradicionalmente baseada em peixes, suínos e aves, o consumo de carne bovina no Vietnã vem crescendo à medida que a renda média aumenta. Hoje, estima-se que cerca de 300 mil toneladas de carne bovina sejam consumidas anualmente no país. Grande parte desse volume é abastecida por produtos importados, já que a produção doméstica de bovinos é limitada. Atualmente, o Vietnã importa cerca de 300 mil toneladas de carne bovina por ano, o que evidencia a dependência do mercado externo para atender seus consumidores.

Essa demanda tende a se expandir com o crescimento da classe média urbana e mudanças nos hábitos alimentares. Apesar de ainda modesto, o consumo per capita de carne bovina vietnamita vem aumentando e já supera alguns vizinhos regionais. Ainda assim, permanece muito abaixo dos padrões ocidentais, sinalizando um enorme potencial de crescimento futuro conforme a economia local se desenvolve e a população adquire maior poder de compra. Com quase 100 milhões de habitantes e crescimento econômico robusto, o Vietnã configura um dos mercados de alimentos que mais crescem na Ásia, atraindo a atenção de fornecedores globais de proteína animal.

Acordo facilita exportações brasileiras

Após anos de negociações, o anúncio feito em 28 de março de 2025 marcou a abertura do mercado vietnamita para a carne bovina brasileira, encerrando um hiato que durava desde 2017 (quando o Vietnã suspendeu as importações devido à Operação Carne Fraca). O acordo integra o Plano de Ação 2025-2030 da Parceria Estratégica Brasil–Vietnã e traz mecanismos de habilitação de frigoríficos inovadores. Diferentemente de outros mercados, o Vietnã concordou em habilitar plantas frigoríficas brasileiras sem necessidade de inspeção presencial (“in loco”) – bastando o envio de documentação técnica para aprovação. Essa medida deve agilizar a liberação das exportações, pois dispensa longos trâmites de vistoria.

Segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), os primeiros frigoríficos brasileiros podem ser autorizados a exportar já em 3 a 6 meses, graças a esse procedimento simplificado. “Todos que entregarem a documentação ao Ministério da Agricultura poderão ser habilitados”, explica Roberto Perosa, presidente da ABIEC, destacando que o prazo para início dos embarques agora depende apenas da aprovação burocrática em Hanói. Em outras palavras, o acordo remove um dos principais obstáculos às exportações – a demora na inspeção sanitária – e “destrava” o acesso imediato das empresas brasileiras ao mercado vietnamita.

Vantagens e concorrência no novo destino

A carne bovina brasileira chegará ao Vietnã competindo com fornecedores já estabelecidos, como Austrália, Estados Unidos e Argentina, além da carne de búfalo da Índia (tradicional fornecedora de proteína bovina a preços competitivos na região). Contudo, o produto brasileiro traz vantagens comparativas importantes. A pecuária do Brasil opera em larga escala, com custo de produção menor e rebanho abundante, o que permite praticar preços competitivos no mercado internacional. Além disso, a taxa de câmbio favorável torna a carne brasileira mais barata em dólares, ampliando sua atratividade frente a concorrentes globais. Essa combinação de escala, preço e qualidade tende a facilitar a conquista de fatias do mercado vietnamita, notadamente em segmentos de produto onde o Brasil se destaca (como carne congelada e miúdos).

Outro fator a favor do Brasil é o perfil de consumo do Vietnã. Conforme destacou o Ministro da Agricultura Carlos Fávaro, os vietnamitas apreciam cortes e produtos bovinos pouco usuais para os brasileiros. Miúdos, cortes de dianteiro e outras partes menos nobres – muitas vezes com menor saída no mercado interno do Brasil – têm boa aceitação na culinária vietnamita. “O consumo vietnamita privilegia cortes que são menos tradicionais para os brasileiros”, observa Fávaro. Isso significa que os exportadores brasileiros podem destinar ao Vietnã itens do boi que não têm tanta demanda local, agregando valor à carcaça sem comprometer o abastecimento de cortes preferidos pelos brasileiros. Essa complementaridade favorece a competitividade da carne bovina brasileira no Vietnã, possibilitando preços atrativos ao consumidor vietnamita sem prejudicar o mercado interno do Brasil.

Apesar da concorrência de tradicionais exportadores sul-americanos como a Argentina, que também almeja o mercado asiático, o Brasil tem a vantagem de um rebanho maior e políticas de exportação mais estáveis. A Argentina, embora reconhecida pela carne de qualidade, frequentemente enfrenta limitações de oferta e intervenções governamentais que restringem suas vendas externas. Já o Brasil vem se consolidando como maior exportador mundial de carne bovina, com volume recorde de 2,4 milhões de toneladas exportadas em 2024. Essa liderança, conquistada com diversificação de mercados e reputação sanitária, posiciona a carne brasileira de forma privilegiada para ganhar terreno no Vietnã assim que as portas se abram.

Carne bovina: exportações disparam em março e crescem 51%
Foto: Compre Rural

Impacto imediato do Vietnã: 50 mil toneladas anuais

Analistas estimam que a entrada do Brasil no mercado vietnamita terá efeitos positivos imediatos, embora proporcionais ao tamanho das exportações brasileiras totais. De acordo com a consultoria Safras & Mercado, o Vietnã importa em torno de 150 mil toneladas de carne bovina por ano e o Brasil pode suprir cerca de 30% desse volume já num primeiro momento. Isso significa um potencial de aproximadamente 45 a 50 mil toneladas anuais exportadas ao Vietnã numa fase inicial. Esse montante representaria cerca de 30% das importações vietnamitas e em torno de 1,5% do total exportado pelo Brasil – ou seja, um acréscimo importante para o Vietnã, mas perfeitamente absorvível pela oferta brasileira.

Em termos práticos, 50 mil toneladas/ano colocariam o Vietnã já entre os dez maiores compradores da carne bovina brasileira. Para efeito de comparação, mercados tradicionais do Brasil como Egito ou Filipinas compraram volumes nessa faixa nos últimos anos. Além disso, abastecer 30% das compras vietnamitas significaria tornar o Brasil um dos líderes fornecedores do país, possivelmente rivalizando com a Índia (hoje forte vendedora de carne de búfalo ao Vietnã). Ou seja, já no curto prazo o acordo comercial tende a redesenhar a origem da carne consumida pelos vietnamitas, com o produto brasileiro ganhando um espaço significativo na cesta de abastecimento local. Por sua vez, para os frigoríficos do Brasil, esse novo fluxo representará receitas adicionais e diversificação de mercados, reduzindo a dependência de destinos tradicionais e fortalecendo a presença na Ásia.

Exportar para o Vietnã também pode trazer reflexos positivos internos. Como mencionado, a possibilidade de escoar cortes secundários e miúdos para um consumidor que os valoriza aumenta o aproveitamento integral do animal abatido. Isso melhora a rentabilidade da indústria frigorífica e pode aliviar pressões de oferta no mercado doméstico (por exemplo, reduzindo excedentes de certos cortes, o que tende a equilibrar preços localmente). Em suma, o acesso ao Vietnã oferece ganhos complementares para a cadeia produtiva: mais vendas externas sem prejudicar o consumo interno, e otimização da carcaça bovina com destino para itens antes menos rentáveis.

Projeções de longo prazo até 2035

Se no curto prazo o impacto é relativamente modesto frente ao volume total exportado pelo Brasil, as perspectivas de longo prazo são animadoras. O Vietnã deve aumentar substancialmente suas importações de carne bovina na próxima década, acompanhando a expansão econômica e populacional. Projeções setoriais indicam que, mantido o ritmo de crescimento da demanda, o mercado vietnamita de carne bovina pode ultrapassar 600 mil toneladas anuais até 2035, somando consumo doméstico e importações. Nesse cenário, espera-se que o Brasil consolide e amplie sua participação.

Segundo análise da consultoria Agrifatto, o Brasil tem potencial para elevar suas exportações ao Vietnã para até 182 mil toneladas anuais até 2035. Esse volume projetado no longo prazo seria mais de três vezes superior ao inicialmente esperado (50 mil t), refletindo tanto o crescimento do apetite vietnamita por carne quanto o aumento da fatia brasileira nesse mercado. Caso se confirme, 182 mil toneladas por ano representariam uma participação expressiva – cerca de 60% das importações vietnamitas projetadas –, tornando o Brasil o principal fornecedor de carne bovina do Vietnã disparado.

Vale lembrar que essas projeções dependem de diversos fatores: manutenção das condições sanitárias favoráveis (ausência de embargos), competitividade de preço frente a outros exportadores, e capacidade logística de atender a um destino distante. No entanto, o histórico brasileiro em mercados emergentes dá suporte a esse otimismo. Nos últimos 20 anos, o Brasil conseguiu crescer de forma consistente em mercados asiáticos de carne bovina, como a China (que hoje responde por mais de 40% das exportações do Brasil). A mesma trajetória de crescimento acelerado pode se repetir no Vietnã, guardadas as proporções, sobretudo se o país asiático continuar a prosperar economicamente.

Brasil pode exportar até 300 mil toneladas de carne bovina para o Vietnã
Foto: Governo de Rondônia

Para 2035, vislumbra-se um Vietnã plenamente integrado à rota da carne bovina brasileira, possivelmente importando volumes próximos aos de mercados tradicionais. Essa expansão trará benefícios não apenas comerciais, mas também estratégicos, posicionando o Brasil como parceiro fundamental na segurança alimentar vietnamita. “No longo prazo, essa parceria pode se aprofundar e beneficiar ambos os lados”, avalia um analista setorial, apontando que investimentos em distribuição e promoção da carne brasileira no Vietnã serão decisivos para atingir esses patamares projetados.

Vietnã: Porta de entrada para o Sudeste Asiático

Mais do que um mercado fim, o Vietnã é visto pelo governo e indústria brasileiros como uma porta de entrada privilegiada para o Sudeste Asiático. Durante o anúncio do acordo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfatizou que a abertura vietnamita deverá “fazer do Vietnã uma plataforma de exportação para o Sudeste Asiático”. A ideia é que, estabelecendo presença forte no Vietnã, o Brasil consiga alavancar vendas para países vizinhos da ASEAN – uma região de mais de 600 milhões de habitantes e consumo crescente de proteína animal. Em outras palavras, conquistar o consumidor vietnamita é apenas o primeiro passo de uma estratégia maior de expansão na Ásia emergente.

Alguns movimentos concretos reforçam essa visão. A gigante brasileira JBS, por exemplo, anunciou investimento de US$ 100 milhões na construção de duas plantas de processamento no Vietnã. Nessas unidades, a empresa pretende industrializar carnes bovina, suína e de frango importadas do Brasil para abastecer não só o mercado vietnamita, mas também outros países da região. “Não se trata apenas de expandir capacidade produtiva, mas de um investimento com propósito: gerar valor para a economia local, criar empregos e contribuir para a segurança alimentar em todo o Sudeste Asiático”, declarou a JBS em nota sobre o projeto. Esse tipo de iniciativa indica que o Vietnã pode se tornar um hub regional de distribuição de carnes brasileiras, dada sua localização geográfica estratégica, infraestrutura portuária em desenvolvimento e acordos comerciais dentro da ASEAN.

Do ponto de vista diplomático e comercial, estreitar laços com o Vietnã também abre portas políticas no bloco do Sudeste Asiático. O Brasil já fornece cerca de 70% da soja importada pelos vietnamitas e é importante parceiro em outras commodities. Com a carne bovina entrando nessa equação, a relação bilateral ganha novo peso. Há interesse declarado em avançar para um acordo comercial mais amplo entre Vietnã e Mercosul, facilitando o fluxo não só de alimentos mas de diversos produtos. Além disso, o sucesso no Vietnã poderá servir de vitrine para que outros países asiáticos (como Indonésia, Filipinas, Tailândia e mesmo mercados premium como Japão e Coreia do Sul) acelerem a abertura às carnes do Brasil.

Em resumo, o acordo com o Vietnã representa bem mais do que 50 mil toneladas extras nas exportações brasileiras. Ele simboliza a conquista de um posto avançado numa das regiões mais dinâmicas do mundo, com benefícios que podem se multiplicar nos próximos anos. Se tudo correr conforme previsto, a cadeia pecuária brasileira terá não apenas um novo cliente fiel no Vietnã, mas um canal estratégico para todo o Sudeste Asiático, diversificando mercados, atraindo investimentos e agregando valor à produção nacional. Como disse Roberto Perosa, da ABIEC, “o país tem tudo para se tornar um hub estratégico para o Sudeste Asiático”, abrindo um momento muito feliz para a indústria da carne bovina brasileira.

Fontes: Brasil Agência/Mapa, Globo Rural, InfoMoney, O Globo, Canal Rural, Safras & Mercado, Agrifatto, ABIEC, JBS.

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