Controle biológico contra o greening. Empresas investem em pequenas vespas produzidas em laboratório para combater inseto que leva doença aos laranjais.
Citricultores paulistas estão obtendo sucesso com o uso de uma tecnologia de controle biológico desenvolvida na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) para combater o greening, a mais devastadora doença dos pomares de citros hoje. Também conhecida por HLB em razão de seu nome original em chinês, Huanglongbing (ramo amarelo), deixa as folhas amareladas e os frutos deformados e verdes.
A solução é eliminar a árvore doente com a raiz. Apenas em São Paulo, a praga já obrigou a erradicação de quase 50 milhões de laranjeiras, abrangendo uma área de 100 mil hectares (ha), um quarto dos pomares paulistas, desde 2004. O greening é resultado da ação das bactérias Candidatus Liberibacter asiaticus e Candidatus Liberibacter americanus transmitidas às plantas de citros por um pequeno inseto, o psilídeo Diaphorina citri.
Os pesquisadores liderados pelo engenheiro-agrônomo José Roberto Postali Parra, professor do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq-USP, desenvolveram uma forma de criar em laboratório a vespinha Tamarixia radiata, um inimigo natural do psilídeo. As vespas parasitam os psilídeos ainda jovens – quando estão na fase de ninfa e não voam – ao colocar ovos no corpo do inseto. Quando as vespas saem do ovo, destroem o inseto. Mas há um problema: os mesmos inseticidas utilizados pelos produtores contra os psilídeos também são fatais aos inimigos naturais.
O grupo da Esalq observou que as áreas ao redor das plantações comerciais poderiam receber populações de vespas. Essas, por sua vez, parasitariam os psilídeos antes que eles chegassem aos pomares e contaminassem as árvores. Dessa forma, os pesquisadores demonstraram a capacidade da T. radiata em eliminar mais de 80% da população do vetor no entorno da lavoura. O experimento foi realizado em 2014 em Itapetininga (SP), num raio de 3 quilômetros na adjacência de uma plantação de laranjas da Citrosuco, uma das grandes produtoras mundiais de suco.
A estimativa foi realizada usando armadilhas amarelas adesivas – os psilídeos são atraídos pela cor e acabam presos em cartões abertos e revestidos por cola. A armadilha também indica a chegada dos insetos nas plantações. Quanto menos psilídeos presos no cartão, maior é a eficiência das vespinhas. “Nossas prioridades agora são medir o impacto que essa redução do vetor tem na disseminação da doença e quantas liberações do parasitoide são necessárias para ampliar a eficiência no combate ao psilídeo”, diz Parra.
A soltura de Tamarixia radiata no entorno dos pomares pulverizados é um importante aliado no controle da doença em áreas abandonadas, sítios e residências com árvores cítricas no quintal ou com as plantas ornamentais Murraya spp., conhecidas como falsa-murta, comum em áreas públicas e cemitérios, que também são focos de psilídeos. “A liberação das vespinhas nessas áreas se mostrou eficiente, diminuindo a incidência da doença em pomares comerciais”, explica Parra.
O controle biológico de pragas é objeto de estudos desde os anos 1950 no Brasil. Nos anos 1960, surgiu nos Estados Unidos e Europa o conceito de Manejo Integrado de Pragas como alternativa à aplicação de defensivos agrícolas para controlar pragas presentes no campo, inclusive bactérias e vírus. Atualmente, no Brasil, algumas empresas produzem insetos para combater outros insetos nas plantações. Um exemplo são as vespas Trichogramma, que combatem várias espécies de mariposas nas culturas de algodão, cana, soja, tomate e repolho (ver Pesquisa FAPESP nº 195).
Há registros da presença do psilídeo nos laranjais paulistas desde os anos 1940, mas a primeira manifestação da doença só ocorreu em 2004. Matão e Araraquara, duas grandes regiões produtoras no interior paulista, foram o epicentro da infestação que devastou pomares tradicionais. Imediatamente a equipe de entomologia da Esalq passou a estudar a possibilidade de introduzir nos laranjais um parasitoide natural do psilídeo. Encontraram informações sobre a eficácia obtida no controle da praga nas ilhas ultramarinas francesas, no oceano Índico por meio da T. radiata. Ao mesmo tempo, uma aluna de Parra, Mariuxi Gomes Torres, do Equador, estudante de doutorado em entomologia, detectou exemplares da pequena vespa no Brasil. A equipe da Esalq precisou estudar o ciclo de reprodução da T. radiata e do psilídeo, além de desenvolver a tecnologia de produção do inseto em laboratório. Essas tarefas foram concluídas em 2011 com o apoio financeiro da Fapesp e do Fundecitrus.
O sucesso com a T. radiata levou a Citrosuco a construir quatro biofábricas – laboratórios para a produção dos insetos. A primeira foi erguida em 2014, em Itapetininga. Na sequência vieram as unidades em Boa Esperança do Sul, Onda Verde e São Manoel, todas no interior paulista. Ao todo, a companhia já liberou na natureza 3,9 milhões de vespas, obtendo uma redução significativa na captura de psilídeos nas bordaduras – os 300 metros iniciais – de seus pomares comerciais, as áreas mais vulneráveis. “É uma maneira eficiente e sustentável de enfrentar a doença”, afirma Helton Leão, gerente-geral do departamento agrícola da Citrosuco. A empresa projeta construir mais três biofábricas até 2018, levando a uma capacidade de produção total de cerca de 600 mil vespas por mês, que serão destinadas às 26 fazendas de laranjas da companhia.
Em 2015, o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), entidade mantida pelos produtores, investiu R$ 400 mil para construir uma biofábrica de T. radiata em Araraquara (SP), com o apoio da Bayer CropScience, divisão de pesquisa em agricultura da Bayer, empresa química alemã. O laboratório tem capacidade para produzir 100 mil vespas por mês. Cada inseto elimina até 500 ninfas de psilídeos. Em dezembro do ano passado, o Fundecitrus superou a marca de 1 milhão de unidades produzidas. Elas são distribuídas gratuitamente aos citricultores, que as liberam em uma área que soma 2.420 ha. A estimativa de Parra é de que há 12 mil hectares no entorno de pomares comerciais que deveriam ser alvo do controle biológico, com liberações contínuas de vespas.
Citrosuco e Fundecitrus têm se empenhado em disseminar as técnicas de combate ao greening. A empresa tem organizado workshops para difundir essas práticas, com ênfase nas vespinhas, entre os produtores independentes que abastecem suas unidades de processamento de laranjas e até mesmo concorrentes. “Não são ações isoladas que vão vencer o greening, é preciso um engajamento de todos”, comenta Leão, da Citrosuco. Segundo Juliano Ayres, gerente-geral do Fundecitrus, a ideia agora é que os citricultores invistam na produção própria de vespas.
Uma biofábrica requer várias salas para desenvolver as diferentes etapas da criação, com temperatura controlada. O custo de uma pequena biofábrica, produzindo cerca de 100 mil vespas por mês, pode variar de R$ 40 mil a R$ 200 mil, dependendo se a instituição interessada possuir uma estrutura física para a criação. Segundo Parra, em geral, duas ou três pessoas são suficientes para produzir as vespas. A criação pode ser conduzida por pessoas com nível médio de escolaridade, desde que recebam orientação e sejam continuamente assessoradas por entomologistas.
A multinacional Louis Dreyfus Company (LDC), com sede na Holanda e presente no Brasil desde 1942, utiliza as vespas do Fundecitrus. Jorge Costa, diretor de operações da Plataforma Sucos, relata que é realizada periodicamente a liberação de vespas nas fazendas gerenciadas pela companhia e em áreas vizinhas como complemento de uma estratégia de manejo integrado de controle do HLB. Recomendadas pela própria Fundecitrus, as ações envolvem outras atividades, como o monitoramento da presença do vetor e o plantio de mudas vindas de viveiros protegidos contra os psilídeos. “Esse conjunto de manejo tem mantido a infestação por HLB em baixa incidência nos pomares que gerenciamos, mantendo os níveis de produtividade das fazendas”, diz Costa.
O citricultor Janderson Bortolan, proprietário de duas fazendas no interior paulista, em Guaraci e Cajobi, que somam 40 mil plantas, também é um usuário das vespas do Fundecitrus. Bortolan faz um trabalho intenso de controle químico da praga, com uma pulverização total do pomar numa semana e outra específica na bordadura das propriedades na outra semana. Com isso, mantém um índice de infecção inferior a 0,5% das árvores. Desde 2015, já realizou cinco liberações no entorno de sua propriedade, sempre três dias depois de uma pulverização química.
A disseminação do greening é global. A doença afeta pomares da Ásia, África e das Américas. Recentemente um dos psilídeos vetores da bactéria (Trioza erytreae) foi detectado em plantas cítricas de países do Mediterrâneo, pondo em alerta produtores italianos e ibéricos. Por enquanto, a Austrália é a única região sem sinais de infecção e sem os insetos vetores. Além das laranjeiras, pés de limão e tangerinas são as principais vítimas da praga. Segundo o engenheiro-agrônomo Antônio Juliano Ayres, gerente-geral do Fundecitrus, a produção de uma planta infectada com a doença definha, sendo reduzida para 25% de seu potencial. A qualidade da fruta também é comprometida ao ficar mais ácida e com sabor amargo. A erradicação é necessária porque a bactéria é levada por meio do fluxo da seiva para toda a planta, alojando-se inclusive nas raízes, o que torna a poda inútil. As brotações que surgem após a poda servem como fonte para novas infecções.
Na Flórida, o principal estado produtor de laranja dos Estados Unidos, o greening foi identificado em 2005. Até então, a produção anual do estado variava em torno de 220 milhões de caixas – cada caixa contém 40,8 quilos da fruta. A safra de 2016 resultou em 67 milhões de caixas, a menor colheita em 70 anos, como consequência da doença. “Os produtores norte-americanos relutaram em erradicar as plantas infectadas e o greening se alastrou. Agora, reverter a queda da produção tornou-se muito difícil”, explica o gerente do Fundecitrus.
Ayres avalia que os produtores brasileiros, que já enfrentaram outras ameaças aos pomares, como o cancro e a clorose variegada dos citros (CVC), estavam mais abertos a adotar estratégias radicais, que preveem até a eliminação das árvores frutíferas contaminadas. Mesmo assim, a extensão dos prejuízos é grande. O Fundecitrus estima que hoje 16,9% das laranjeiras do parque citrícola de São Paulo e Triângulo Mineiro registram algum grau de incidência de HLB. “Em 2016 a produção de laranjas do país foi de 244 milhões de caixas. Poderia ter sido 5% maior sem a doença”, comenta. O Brasil é o maior produtor mundial de laranja e São Paulo responde por 80% da produção nacional. O suco da fruta é o terceiro produto mais exportado do estado. Em 2016 as vendas no exterior geraram uma receita de US$ 1,78 bilhão.
Fonte FAPESP
Projetos
1. Estratégias biotecnológicas para o controle do HLB mediante transgenia (nº 15/07011-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Leandro Antônio Peña Garcia (Fundecitrus); Investimento R$ 1.169.211,09.
2. Bioecologia e estabelecimento de estratégias de controle de Diaphorina citri Kuwayama (Hemiptera: lividea) vetor da bactéria causadora do greening nos citros (nº 04/14215-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável José Roberto Parra (USP); Investimento R$ 701.840,94.