Tecnologia tem custo maior, mas acelera a melhoria do rebanho e da produtividade, garantindo um retorno financeiro positivo
Bom seria se em um rebanho leiteiro as parições resultassem unicamente em bezerras e não seguissem à risca a implacável lei das probabilidades, que invariavelmente dá ao pecuarista, nos nascimentos do plantel, um mix próximo a 50% de fêmeas e 50% de machos. Mas, se em condições naturais a “desobediência” a essa lei não é possível, no laboratório passa a ser, por meio da produção do chamado “sêmen sexado”.
Em linhas gerais, trata-se de uma tecnologia em que os espermatozoides que vão resultar em fêmeas são separados daqueles que resultariam em machos após a fecundação do óvulo. Ou seja, obtém-se uma paleta de sêmen com predominância de espermatozoides “fêmeas”.
Emprenhada com esse sêmen manipulado em laboratório, a probabilidade de a vaca parir uma bezerra aumenta para cerca de 90%.
Atualmente, conforme estatísticas da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia), por volta de 10% dos rebanhos leiteiros que lançam mão da técnica de inseminação artificial já empregam o sêmen sexado e a expectativa é crescer este ano. “Em 2017, de cada 100 paletas comercializadas de sêmen, 12 eram sexadas, o que deu um total de 400 mil doses deste último, de um total de 4 milhões vendidas”, informa o presidente da associação, Sergio Saud.
“Para este ano, esperamos que essa proporção aumente para 15% a 20%”, diz o executivo, acrescentando que, no mercado pecuário, a tecnologia é utilizada em rebanhos leiteiros e que a taxa de uso pelo pecuarista está ligada ao valor do litro de leite. “Como é uma ferramenta mais cara do que a convencional, o produtor abdica dela em tempos de menor rentabilidade.” Quanto às raças, no Brasil o produto mais procurado é o do Holandês, seguido do Jersey (ambas com sêmen importado), do Girolando e do Gir.
Há várias vantagens no emprego do sêmen sexado, diz o médico veterinário Valério Paim, gerente regional da Alta Genetics no Rio Grande do Sul. Ele explica que é um método interessante para o pecuarista crescer e repor mais rapidamente o rebanho de vacas leiteiras, em vez de comprar fora gado de reposição, e também de diminuir a taxa de descarte de bezerros machos. Além disso, é possível acelerar o melhoramento genético.
“Com o sêmen sexado, o produtor tem uma porcentagem bem maior no nascimento de fêmeas, ampliando o leque e facilitando a escolha das cabeceiras de rebanho”, diz Paim. O fato, também, de as fêmeas nascidas serem filhas de touros melhoradores – pois as centrais de inseminação geralmente abrigam animais provados – garante esse salto no padrão do rebanho.
Menos risco
O médico veterinário André Taler Neto, professor e diretor do ensino de graduação da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), especialista em melhoramento animal, acrescenta que outra vantagem do uso da tecnologia é que se reduz o risco de partos “distócicos”, ou seja, problemáticos, já que as bezerras geralmente são menores ao nascer e passam mais facilmente pelo canal de parto, com menos intercorrências. Taler Neto recomenda, ainda, que a técnica do sêmen sexado seja utilizada nas melhores vacas do rebanho, para adiantar o ganho genético. “Usa-se o sexado nas vacas e novilhas de ponta; as demais continuam a ser inseminadas com o sêmen convencional”, explica. “Na verdade, trata-se de usar a ferramenta não como estratégia isolada no rebanho, mas com um conjunto de medidas”, continua o professor. Uma delas é preferencialmente adotá-la em novilhas (que, jovens, são mais fáceis de emprenhar) e em vacas com excelente condição reprodutiva.
Saud, da Asbia, assinala que o sêmen sexado tem uma quantidade menor de espermatozoides do que o convencional, o que reduz a chance de prenhez. “Se numa paleta comum contamos com cerca de 20 milhões de espermatozoides, o sexado tem entre 2 milhões e 4 milhões”, explica. “Para se produzir uma dose de sêmen sexado há uma perda muito grande de doses”, diz o representante da Asbia. “Essa perda, por si só, já eleva o custo de produção, além da própria tecnologia em si.”
Isso reforça a recomendação de só inseminar animais em ótima condição reprodutiva, para garantir um sucesso maior na taxa de prenhez. “As que não emprenharam acabam sendo submetidas ao repasse com o sêmen convencional”, complementa Taler Neto, confirmando que, de fato, com o produto sexado a taxa de sucesso pode cair para 70% a 80% de vacas fecundadas, quando trabalhos mostram que uma porcentagem excelente nesse quesito seria de pelo menos 90%. “Entretanto, em programas bem feitos com o uso de sêmen sexado este custo adicional acaba se diluindo ao longo do tempo, em função das vantagens de se obterem mais fêmeas – que é o que interessa a um rebanho leiteiro – e do melhoramento genético do rebanho, que garante maior produtividade”, diz o professor.
Objetivos
Valério Paim faz uma comparação: “Se uma paleta do sêmen convencional vale, por exemplo, R$ 100, a paleta do sexado vai custar entre R$ 150 e R$ 160”, diz. “Também em função do preço, o produtor que optar por usar sêmen sexado deve ter bem claro para onde ele quer direcionar o rebanho”, complementa o veterinário da Alta Genetics. “Para isso, é bom o pecuarista contar com um suporte técnico, identificando o principal objetivo que se quer alcançar, como, por exemplo, crescer rapidamente o rebanho de fêmeas ou investir pesado no melhoramento gradual do plantel”. Ele assinala, porém, que se o rebanho for de muito baixa qualidade genética “não vai ser só com a utilização do sêmen sexado que ele vai resolver o problema”, restando inúmeras medidas anteriores a serem cumpridas até que se consiga um padrão mínimo no plantel para valer a pena usar a tecnologia.
“Se o produtor não conta com um bom esquema reprodutivo e de melhoramento genético, o rebanho começa apenas a virar uma ‘máquina de fazer fêmeas’, sem muito sentido”, concorda Taler Neto.
O professor da Udesc adverte, ainda, que o produtor não pode se sentir tentado a usar um sêmen sexado, mais caro, porém de menor valor genético em relação ao sêmen convencional que ele geralmente aplica no rebanho. “O produtor pode comprar o sêmen de um touro cujas doses são proporcionalmente mais baratas em relação ao sêmen convencional”, alerta. “Se ele tomar essa atitude, dá uma marcha à ré no melhoramento”, continua. “Assim, deve usar o sêmen sexado de touros com o mesmo valor genético que ele usaria no sêmen convencional.”
Outro ponto de atenção é que nem mesmo o sêmen sexado garante que 100% das crias sejam fêmeas. A taxa de “risco” de nascer um macho a partir do sêmen sexado gira em torno de 10%, explica Paim. De todo modo, é um problema bem menor do que quando se usa sêmen convencional, que resulta em maior número de machos nascidos. “Em regiões muito especializadas em leite, é difícil encontrar um destino para o bezerro macho, que tem um valor comercial muito baixo; e, como há a atual tendência de se pensar no bem-estar animal, o sêmen sexado contribui para solucionar o ‘problema’ do bezerro macho”, complementa o professor da Udesc. E, nessas mesmas regiões, o maior nascimento de fêmeas permite que o pecuarista conte não só com um número maior de animais de reposição como passe a comercializar a “sobra” do rebanho – as valorizadas fêmeas.
*Matéria originalmente publicada na edição 92 da revista Mundo do Leite.
Fonte: Portal DBO